Esposas em conflito
Direção: Bryan Forbes
Estados Unidos, 1975
Mulheres
Perfeitas
Direção: Frank Oz
Estados Unidos, 2004
Por
Tatiana Farah
Tem
algo de muito feio em Stepford. O ano é 1975.
As ruas estão tranqüilas. O chão
da cozinha é um espelho. Todos os homens freqüentam
um clube masculino e quase todas as mulheres são
adoráveis donas-de-casa, esposas obedientes
e incansáveis máquinas sexuais. Quase
todas: a fotógrafa Joanna Eberhart (Katharine
Ross, de Butch Cassidy & Sundance Kid)
e sua amiga Bobby ainda não se integraram à
felicidade daquelas mulheres. Elas são recém-chegadas
à cidadezinha.
Com
as bruscas mudanças de humor do marido e de
comportamento de Bobby, Joanna começa a elucidar
o enigma de sua tragédia. Em Stepford, os maridos,
desiludidos com a independência feminina na
cidade grande, recorrem a um "cientista"
que havia feito fortuna construindo os robôs
da Disney. Mas, ali, as máquinas fazem mais
que roubar a cena dos filmes. Elas substituem as mulheres
em todas as suas tarefas. Por "tarefas"
leia-se amar, limpar, cozinhar, criar os filhos e
pensar. Pensar, mas não muito.
O
filme Esposas em conflito (The Stepford
wives) chegou em DVD ao Brasil no final do ano
passado. O inglês Bryan Forbes seguiu à
risca a história homônima do escritor
Ira Levin (de O bebê de Rosemary) e
conseguiu fazer um bom thriller de suspense, com pouco
dinheiro e um elenco nada estelar. O filme não
passou pelos cinemas brasileiros e vez ou outra premiou
os insones pelas madrugadas na TV.
Desde
que o filme estreou nos Estados Unidos, na década
de 70, o termo Stepford wife se tornou uma
gíria para definir o estilo de mulher bonita,
caseira, dondoca e sem opinião própria.
Acabou se estendendo não só às
mulheres, mas a qualquer pessoa. Seguramente a gíria
ganhou mais celebridade que o filme.
Mas
o "Stepford way of life" voltou à
tona com o remake Mulheres perfeitas, dirigido
por Frank Oz no ano passado e que está também
disponível em DVD. Além da bela Nicole
Kidman, a versão anabolizada tem Christopher
Walken como o suposto cientista mau-caráter,
Glenn Close, como sua mulher, e Bette Middler, como
Bobby. Deixa de ser drama ou suspense e parte para
a comédia, patinando muitas vezes para a falta
de graça.
O
ano é 2004. As ruas continuam tranqüilas.
O chão da cozinha ainda brilha. As cores de
Stepford na versão de Frank Oz estão
mais vivas, assim como as mulheres-robôs. Só
perde a cor o tom de crítica que o original
imprimiu na década de 70. Enquanto no mundo
real as mulheres se firmavam no movimento feminista,
em Stepford as robôs eram treinadas até
para... bem, é melhor não contar. Mas
é bom lembrar que é uma história
de terror. Assim como em O bebê de Rosemary,
Ira Levin coloca a mulher em uma situação
em que não se sabe até que ponto a maior
ameaça é a loucura ou se o inferno é
mesmo "os outros".
”Por
quê?”, pergunta uma atônita Joanne
ao cientista maluco.
“Porque
nós podemos - simples assim”. É
a resposta de quem está no comando.
Mas,
na versão colorida, engraçada e politicamente
correta que permeia grande parte dos filmes do século
21 em Hollywood, tudo fica pasteurizado. Não
cabe o conflito machismo x feminismo. Não cabem
muitas discussões. É preciso entreter
e emburrecer um pouco a platéia. É preciso
passar a "mensagem" de que todos os conflitos
estão superados. Será?
Então, o filme sofre várias peripécias.
O cientista maluco é, ele mesmo, um robô.
As mulheres-robôs não são robôs,
mas vítimas da nanotecnologia, com implantes
de chips controladores de sua vontade. A mente malévola
é de uma mulher. Uma já malévola
personagem desde os tempos dos 101 Dálmatas.
E, no final, tudo acaba bem. Porque tudo acaba bem
quando acaba em Hollywood. E o amor vence. Mesmo quando
se vive numa cidade de maridos patéticos com
suas mulheres que não suam.
Mas
a vontade de ter uma mulher que se possa controlar,
apalpar e jamais se preocupar com o que os seus olhos
dizem, ah, isso é discussão para outros
tempos. Talvez para filmes franceses. Ou livros. Aliás,
Hoffmann, no conto "O homem de areia",
recentemente publicado na coletânea Contos
fantásticos do século 19 escolhidos
por Italo Calvino, já apresenta a primeira
mulher-robô. O jovem Natanael se apaixona por
ela, Olimpia, e está feita a sua desgraça.
Para os que não sabem distinguir os humanos
dos robôs quase perfeitos, uma dica desse conto
de 1817: "ê, lindos olhos... lindos olhos!",
diz Natanael antes de...
Bem,
é melhor ler o conto. Depois de ver os filmes.
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