Steven
Johnson
Jorge Zahar Editor, 2003.
Por
Patrícia Mariuzzo
A
gigante do comércio eletrônico Amazon.com
envia mensagens automáticas para os usuários
avisando sobre novos lançamentos que combinam
com o perfil do usuário. O sistema consegue
“acertar” nas dicas pois usa informações
de compras anteriores, que funcionam para traçar
um perfil do usuário e gerar um tipo de propaganda
personalizada. Sistemas como o usado pela Amazon são
baseados em inteligência emergente. Emergência
explica os fenômenos emergentes, como surgiram
e como podem transformar a televisão, a propaganda,
o trabalho, a política e, antes de tudo isso,
a tecnologia. O autor mistura biologia, história,
literatura e matemática para explicar o que
são esses sistemas. Uma passada de olhos pela
bibliografia do livro já é suficiente
para despertar a curiosidade do leitor: Charles Dickens;
Marshall Mcluhan; James Joyce; Fernand Braudel; e
Charles Darvin são algumas das referências
usadas por Johnson, cuja formação é
em semiótica e literatura inglesa. Provavelmente
graças a isso, e à abundância
de analogias e bom exemplos, a leitura é agradável
e simples, mesmo quando o objetivo é entender
questões específicas do mundo da programação
de computadores.
O
título é provocativo: o que poderiam
ter com comum colônias de formigas, o cérebro
humano, grandes cidades e softwares? Todos usam, em
menor ou maior grau, de sistemas auto-organizados,
nos quais é dispensada a presença de
controle centralizado. Nos sistemas emergentes, também
chamados bottom-up (de baixo para cima),
agentes que residem em uma escala começam a
produzir um comportamento cujo padrão reside
em uma escala acima deles: formigas criam colônias,
cidadãos criam comunidades, um software simples
de reconhecimento de padrões aprende como recomendar
novos livros. O movimento das regras de nível
baixo para a sofisticação do nível
mais alto é o que o autor chama de emergência.
O sistema só é emergente quando todas
as interações locais resultam em algum
tipo de macrocomportamento observável. Deve
ainda ter os seguintes componentes: interação
entre vizinhos, reconhecimento de padrões,
feedback e controle indireto.
Na
primeira parte do livro, Johnson procura desmontar
o que chama de “mito da formiga-rainha”.
A existência desse mito explicaria a dificuldade
que as pessoas têm em aceitar a hipótese
bottom-up, um mundo sem líderes ou os
fenômenos coletivos. O estudo das colônias
de formigas - demonstra que não há nada
de hierárquico na maneira como ela funciona.
A rainha não é uma figura de autoridade,
ela não decide o que cada operária faz.
O comportamento das formigas - proteger a rainha,
buscar alimento etc -, proviria de uma instrução
genética, cujo objetivo é a preservação
da colônia. Não é a matriarca
que treina as operárias, a evolução
fez isso.
Nas cidades, da mesma maneira, haveria
um tipo de organização espontânea,
independente de planejamento ou de uma liderança.
Isso conferiria a elas uma “personalidade”,
que se auto-organiza por meio de milhões de
decisões individuais, uma ordem global construída
a partir de uma interação local que
o autor chama de “nível da rua”.
O que ocorre é a repetição de
padrões que “ficam guardados na textura
dos quarteirões...” para usar as palavras
de Johnson. Segundo ele, desse mecanismo viriam as
separações de bairros ricos e pobres,
comerciais e residenciais etc. Prevendo a estranheza
do leitor depois de tal afirmação, admite
que também existem diversos padrões
nas cidades ditados via top-down, como as
comissões de planejamento ou as leis de zoneamento.
Porém, forças bottom-up desempenhariam
um papel fundamental na formação das
cidades, criando comunidades distintas e grupos demográficos
não planejados. Para isso, bastam milhares
de indivíduos e regras simples de interação.
Em
seguida, temos a discussão sobre modelos emergentes
artificiais. A primeira descrição prática
de um programa de software emergente data da década
de 1940. O objetivo era criar processos capazes de
aperfeiçoarem-se a si mesmos e assim conseguirem
reconher padrões que não podiam ser
determinados por antecipação. A partir
daí, torna-se concreta a possibilidade de criar
programas onde as interações dos componentes
desencadeiam conseqüências no sistema como
um todo ao serem repetidas milhares de vezes. Aqui
o exemplo é SimCity (Simulation City,
Cidade Simulada), jogo eletrônico cuja primeira
versão, surgida em 1990, tornou-se campeã
de vendas. No jogo, o autor usa um truque de programação
que permite que a cidade evolua de forma semelhante
a um ser vivo. Com a série SimCity, os sistemas
bottom-up deixam de ser objeto de estudo
para se tornarem um produto comercializável.
Apenas dez anos depois o mundo dos sistemas emergentes
está em lojas on-line, que dele se utilizam
para reconhecer gostos como no exemplo dado no início
deste texto; em sites da web que ajustam comunidades
on-line; no marketing, que o utiliza para detectar
padrões demográficos no público
etc. A lição é que, embora nossa
primeira reação seja procurar por líderes,
estamos aprendendo a pensar bottom-up.
Uma
das teses interessantes levantadas no livro é
sobre como esses sistemas aprendem. As cidades aprendem,
o corpo humano aprende, as formigas aprendem, sempre
a partir da interação com vizinhos,
por meio de feedbacks positivos e negativos, que determinam
as modificações e adaptações
no sistema. Mas, “a web também está
aprendendo?”, pergunta Johnson. Existe a chance
das grandes redes de computadores se tornarem auto-conscientes?
Antes que sejamos levados por fantasias embaladas
por filmes como Matrix, Johnson adianta-se:
a resposta é não; e o que vale a pena
entender é porque não. A diferença
é que os sistemas emergenciais, na cidade e
no cérebro, têm conexões e organização,
gerando espontaneamente estruturas à medida
que aumentam de tamanho. A web, no entanto, não
está se tornando organizada, ao contrário,
é um espaço em que a desordem cresce
com o aumento do volume total. Yahoo e Google são
sistemas criados pelo homem para funcionar como um
antídoto, para dar sentido a um sistema que
não gera organização por si mesmo.
Uma tentativa de aperfeiçoar esse modelo é
o Alexa, software que usa um tipo de tecnologia de
filtragem colaborativa para construir conexões
entre sites baseadas no tráfego de usuários.
A ferramenta acompanha o usuário enquanto ele
navega na internet, aprendendo padrões de tráfego.
O mundo da programação
está se tornando cada vez mais darwinista e
menos criacionista. Se antes a boa programação
era aquela em que havia total controle do autor, hoje
avança uma forma mais oblíqua, na qual
os desenvolvedores fazem o programa amadurecer, um
resgate dos conceitos da seleção natural.
Nos jogos baseados em inteligência emergente,
programar as regras faz parte do jogo e tomará
um tempo considerável do jogador. Nesse momento
o autor arrisca prever algumas mudanças de
comportamento resultantes do convívio com o
novo paradigma. Para ele, crianças familiarizadas
com jogos emergentes podem se tornar mais tolerantes
com a fase exploratória que precede o jogo
em si, e na qual nem os objetivos nem as regras ainda
estão claros.
Na terceira e última parte
do livro estão algumas questões sobre
o futuro da emergência artificial. O que acontecerá
quando as experiências em mídia e os
movimentos políticos forem delineados por forças
bottom-up e não top-down?
A emergência segue na direção
de melhorar cada vez mais aplicações
de software capazes de desenvolver uma teoria sobre
nossas mentes. Os programas que fazem um levantamento
dos nossos gostos e interesses são o começo
de um mundo em que poderemos interagir mais regularmente
com a mídia, pois o software reconhecerá
nossos hábitos, antecipará nossas necessidades
e se adaptará às nossas mudanças
de humor. O software, assim como o cérebro,
será capaz de reconstruir estados mentais,
quase leitores de mentes.
No
capítulo final, fica clara a visão otimista
de Jonhson e sua crença em um mundo onde a
lógica bottom-up se espalha por todos
os cantos. Algo que parece questionável pois
se os sistemas emergentes estão presentes na
lógica de desenvolvimento das cidades, com
a eficiência para organizar e estruturar a vida
dos homens no caos urbano, porque essas cidades nunca
abandonaram as formas top-down de organização?
A conclusão do livro, entretanto, é
de que a emergência está se expandindo
pouco a pouco para ocupar várias, senão
todas, as instâncias das nossas vidas. A propaganda,
o trabalho e a política ganham outra face influenciados
pelo modo bottom-up.