“Sutil
é o Senhor...” A ciência e a vida
de Albert Einstein
Abraham Pais.
Nova Fronteira, 1995, 637 p.
Por
Roberto Belisário Diniz
A
obra mais elogiada do físico e historiador
da ciência Abraham Pais (1918-2000), “Sutil
é o Senhor...”: A ciência e a vida
de Albert Einstein, é também uma
das mais famosas biografias do criador da teoria da
relatividade, o gênio mais aclamado da física
do século XX. Lançada originalmente
em 1982 no Reino Unido, foi traduzida para o português
e lançada no Brasil em 1995 pela editora Nova
Fronteira.
É
um livro para físicos, mas boa parte dele é
acessível a outras pessoas. Isso porque há
capítulos essencialmente biográficos
intercalados com partes explicando os artigos científicos
de Einstein. Os primeiros são facilmente compreensíveis;
os demais exigem conhecimento técnico de física.
A
ênfase é colocada nos trabalhos científicos,
principalmente entre 1905 e os anos 1920. É
o período áureo da criação
do físico alemão, quando ele deu contribuições
fundamentais para quase todas as áreas importantes
da fronteira da física da época: a relatividade,
a cosmologia científica (das quais Einstein
foi um dos fundadores), a física quântica,
a física estatística, a física
do estado sólido e até mesmo a epistemologia
da teoria quântica.
Pais
é um biógrafo bem preparado para essa
tarefa, pois não só conviveu com Einstein
de 1946 até pouco tempo antes da sua morte,
em 1955, como foi também, ele mesmo, pesquisador
na área da física das partículas
– que exige conhecimento técnico tanto
da relatividade quanto da física quântica,
as duas principais áreas de atuação
de Einstein. Analisa minuciosamente todos os principais
artigos científicos do cientista, dando sua
contextualização histórica e
mostrando extensamente como ele desenvolveu suas idéias.
Pais destrincha até mesmo os trabalhos sobre
a fracassada teoria do campo unificado, a tentativa
de Einstein de encontrar uma teoria única para
todo o conhecimento da física, que consumiu
os 20 últimos anos de sua vida (e que ainda
não foi encontrada).
Na
parte biográfica, o autor é tão
preciso quanto na científica, tratando o estudo
histórico de uma maneira rigorosa, sempre citando
as fontes das suas informações. Isso
torna-o um texto muito confiável, apesar de
sua proximidade pessoal com o seu biografado e de
sua manifesta admiração por ele, condições
que sempre prejudicam a imparcialidade dos biógrafos.
Evitando dar respostas definitivas a questões
especulativas irrespondíveis, Pais diz, em
certo ponto: “Não o farei, pois as especulações
do leitor são tão boas quanto as minhas”
(pág. 198).
Desmistificando
Einstein
O
leitor notará que Pais se estende bem menos
sobre a religiosidade, a filosofia e o pacifismo de
Einstein, temas muito comuns em quase qualquer texto
sobre ele. Com seu rigor científico, Pais acaba
sendo desmistificador. Einstein não era um
filósofo, afirma com todas as letras –
apesar de ele ter escrito algumas reflexões
epistemológicas interessantes, algo comum em
autores de teorias fundamentais (assim, também
filosofaram Werner Heisenberg, Henri Poincaré
e vários outros cientistas). Algumas dessas
reflexões encontram-se no livro Como vejo
o mundo, uma coletânea de textos de Einstein.
Tampouco tirava notas ruins no colégio, um
mito muito comum – na verdade, ele sempre se
destacou nos estudos.
Mas
talvez a desmistificação mais importante
seja que Einstein não foi o único a
fazer a teoria da relatividade e muito menos a trabalhar
nela. A Teoria Especial, de 1905, foi feita simultaneamente
por ele e pelo francês Henri Poincaré,
o maior matemático da época, de forma
independente um do outro. O mesmo Poincaré
já havia percebido, em 1898, que o conceito
de eventos simultâneos não é objetivo
– uma idéia central na Relatividade de
Einstein. As próprias equações
fundamentais da Relatividade Especial já haviam
sido escritas 10 anos antes de Einstein pelo físico
holandês Hendrik Lorentz, mas com outra interpretação.
Por isso, foram chamadas por Poincaré de “Transformações
de Lorentz”, nome consagrado até hoje.
Einstein redescobriu-as de forma independente em 1905.
Quanto
à equação fundamental da relatividade
geral, o matemático alemão David Hilbert
chegou à mesma equação e apresentou
seu trabalho para publicação com incríveis
5 dias de antecedência a Einstein, em 1915.
É verdade que Pais também deixa claro
que nenhum desses cientistas deu a essas descobertas
teóricas uma interpretação tão
clara e completa, nem explorou suas conseqüências
tão extensamente quanto Einstein. Porém,
todas essas coincidências mostram que a conjuntura
histórica estava propícia para que a
relatividade surgisse e que, se não houvesse
Einstein, ela teria aparecido de qualquer maneira
(ainda que de forma diferente). Coincidências
desse tipo – trabalhos científicos sendo
publicados independentemente e ao mesmo tempo –
são comuns na história.
Abraham
Pais, um judeu holandês que doutorou-se em física
pouco antes de ter que se esconder dos nazistas em
Amsterdã durante a Segunda Guerra Mundial (situação
em que permaneceu por quatro anos), dedicou os últimos
anos de sua vida à história da ciência,
principalmente biografias de cientistas famosos com
os quais conviveu. Entre suas principais obras estão
uma biografia de Niels Bohr de 1991, uma autobiografia
de 1994, outro livro sobre Einstein em 1997 (A
tale of two continents: a physicist's life in a turbulent
world – Uma fábula de dois continentes:
a vida de um físico em um mundo turbulento)
e uma excitante (e também para cientistas)
história da física das partículas,
Inward Bound (expressão quase intraduzível
que dá a idéia de movimento em direção
ao interior), de 1988. Semanas antes de sua morte,
em agosto de 2000, foi publicado The genius of
science: a portrait gallery (Os gênios da ciência:
galeria de retratos).
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