Einstein:
de Sobral para o mundo
Ronaldo Rogério de Freitas
Mourão
Edições UVA, 2003
Por
Rodrigo Cunha
No
dia 10 de novembro de 1919, deu no New York Times:
“A teoria de Einstein triunfa”! Esse seria
o primeiro artigo publicado nos Estados Unidos após
a confirmação oficial da teoria da relatividade
em uma seção conjunta da Royal Society
e da Royal Astronomical Society, no Reino Unido. Em
Einstein: de Sobral para o mundo, o físico
e astrônomo Ronaldo Mourão faz um resgate
histórico bem documentado do papel de uma cidade
do sertão do Ceará na mundialização
da figura desse célebre cientista. A Sobral
do título do livro de Mourão recebeu
uma das expedições científicas
inglesas destinadas a comprovar, através da
observação do eclipse de 1919, um efeito
previsto na teoria da relatividade: o desvio da luz
ao passar por um intenso campo de gravitação
como o do sol. Passaram-se mais de 14 anos entre a
publicação do primeiro trabalho do físico
alemão Albert Einstein sobre a teoria da relatividade
restrita e seu suposto “triunfo”, que
o transformou em uma celebridade mundial tão
popular quanto políticos e estrelas de cinema.
Em
2005, comemora-se o centenário daquele que ficou
conhecido como o annus mirabilis (ano extraordinário)
da carreira científica de Einstein – então
um mero funcionário do Departamento Oficial de Patentes
de Berna, na Suíça, que havia tido o pedido
de emprego como professor assistente negado pelo Instituto
Politécnico de Zurique. Em 1905, ele publicou uma
série de ensaios científicos de grande impacto
na física teórica (leia reportagem sobre o
assunto), entre os quais o artigo “Sobre a eletrodinâmica
dos corpos em movimento”, em que Einstein formula
suas primeiras idéias acerca da teoria da relatividade
restrita. Em 1907, ano em que foi admitido como professor
de física na Universidade de Berna, ele sugere o
desvio da luz como uma das conseqüências dessa
teoria, e quatro anos depois, já lecionando na Universidade
de Zurique, calculou que esse desvio de um raio luminoso
nas proximidades do sol seria de 0,875 segundo de arco (unidade
de medida de um ângulo muito pequeno).
Em
Einstein: de Sobral para o mundo, Mourão,
além de apresentar dados cronológicos
como esses da vida do físico alemão
– e também da vida do astrônomo
inglês Arthur Eddington, idealizador das expedições
de 1919 e o responsável pela fama do autor
da teoria da relatividade, segundo o físico
Ernest Rutherford – faz, ainda, um breve histórico
sobre as especulações teóricas
acerca daquilo que os cientistas chamam de “deflexão”
(ou desvio) da luz e sobre diversas expedições
anteriores e posteriores à de Sobral destinadas
a comprovar teorias cosmológicas através
da observação de eclipses. Segundo Mourão,
o astrônomo e reverendo inglês John Mitchell
já havia deduzido, em 1783, que a luz devia
ser atraída pelo campo gravitacional de um
astro e, em 1803, o astrônomo alemão
Johann Von Soldner já estimara o desvio da
luz em 0,875 segundo de arco, valor compatível
com a teoria gravitacional de Isaac Newton.
Mas
somente em 1915, Einstein descobriu que um dos princípios
de sua teoria da relatividade (o de equivalência
geral) exigia uma modificação da lei
de gravitação newtoniana. Refazendo,
então, os cálculos do desvio, chegou
ao dobro do valor anterior: 1,75 segundos de arco.
Mourão se arrisca a afirmar em seu livro que
se uma das expedições anteriores à
de Sobral – e à revisão dos cálculos
de Einstein – não tivesse malogrado devido
ao mau tempo ou às intercorrências ligadas
à Primeira Guerra Mundial, a primeira previsão
de Einstein poderia ter sido dada como errônea
e a teoria da relatividade talvez sofresse um descrédito
irremediável. Como diz Mourão, “a
história tem seus caprichos”.
Os
estudiosos de sociologia da ciência Harry Collins
e Trevor Pinch, porém, consideram que os resultados
das expedições inglesas de 1919 –
para Sobral, no Nordeste do Brasil, e ilha do Príncipe,
na costa leste da África – não
eram conclusivos a favor da teoria de Einstein e contra
a teoria de Newton. Os pesquisadores britânicos
teriam descartado alguns resultados que seriam mais
próximos do previsto na gravitação
newtoniana, alegando problemas técnicos nos
equipamentos que fizeram esses registros. Mesmo que
os dados fossem imprecisos e os resultados discutíveis,
o fato é que o episódio se tornou um
acontecimento de destaque na mídia e impulsionou
a fama de Einstein pelo mundo afora.
O
ponto forte de Einstein: de Sobral para o mundo,
aliás, está nos apêndices, que
ocupam praticamente a metade do livro e documentam
o início dessa popularização.
Neles, Mourão apresenta sua própria
tradução do comunicado com os resultados
da comissão inglesa, lido na seção
conjunta do dia 6 de novembro de 1919 – o qual
menciona os dados descartados –, e das reportagens
publicadas no Times, de Londres, no dia 7,
e no New York Times, de Nova Iorque, no dia
10 do mesmo mês, repercutindo a suposta confirmação
da teoria da relatividade. De acordo com o físico
Abraham Pais, autor da biografia de Einstein intitulada
"Sutil é o
senhor...", essa matéria de 10
de novembro de 1919 foi a primeira referência
a Einstein na imprensa dos Estados Unidos.
Os
apêndices do livro de Mourão contam,
ainda, com o texto da conferência proferida
por Henrique Morize, diretor do Observatório
Nacional e anfitrião dos pesquisadores britânicos
em Sobral, sobre os resultados da expedição
brasileira – que teve como objetivo estudar
a estrutura da coroa solar; o minucioso diário
de Morize, desde a partida até a volta ao Rio
de Janeiro; sua caderneta de observação;
e o discurso em sua homenagem, na comemoração
de seus 25 anos de casado com a cearense Rosina, três
dias antes do eclipse. (Uma revisão mais cuidadosa
do livro teria evitado alguns erros como a troca do
nome do autor do discurso e do jornal sobralense que
fez a primeira referência explícita à
teoria de Einstein na imprensa das Américas).
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Vista
panorâmica do observatório em Sobral
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Grande
parte desse material reproduzido nos apêndices
também está nas 70 páginas de
registro iconográfico do livro de Mourão,
que tem ainda fotos do Observatório
de Sobral e das bodas de prata de Morize, além
de um mapa do eclipse feito pelo calculador da expedição
brasileira. Apesar de o autor de Einstein: de
Sobral para o mundo ter escrito dezenas de livros
de divulgação científica e ter
recebido em 1978 o Prêmio José Reis de
Divulgação Científica, algumas
partes dessa obra publicada pelas Edições
UVA podem “assustar” um leigo que se interesse
pelo assunto, com informações técnicas
que apenas um astrônomo ou um físico
poderia entender.
Mas
o livro tem também duas preciosidades que podem interessar
aos estudiosos da história da divulgação
científica e da história da ciência
no Brasil: o manuscrito do artigo que os astrônomos
ingleses escreveram para o jornal Correio da Semana,
de Sobral, e que foi publicado uma semana antes do eclipse,
com tradução de Leocádio Araújo;
e o primeiro artigo sobre a teoria de Einstein publicado
no Brasil após a confirmação em Londres,
assinado pelo matemático Manuel Amoroso Costa, que
segundo Mourão, foi, ao lado dos matemáticos
Roberto Marinho e Ignácio Amaral, um dos principais
pesquisadores brasileiros a divulgar a teoria de Einstein
no país e a enfrentar as críticas a ela nas
reuniões da Sociedade Brasileira de Sciencia (atual
Academia Brasileira de Ciências).
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