A economia do hidrogênio
Jeremy Rifkin
M. Books, 2002
300páginas
Por Luciene Zanchetta
“Quando não houver mais
petróleo...” Essa realidade próxima
- de 40 anos para alguns ou apenas uma década
para outros- foi cenário de inúmeras
ficções e especulações.
O que é certo é que, mais cedo ou mais
tarde, esse momento chegará e o quanto estaremos
preparados para ele é o que realmente fará
a diferença.
Sob esse prisma, o autor, Jeremy Rifkin, traça um panorama
da distribuição da fonte energética
sobre a qual se levantou a nossa sociedade, mapeando,
com riqueza de dados, as correntes dos diferentes
fluxos de interesses econômicos, políticos
e ambientais que jorram do petróleo atualmente.
Desde a construção do Império
do Petróleo - a partir da descoberta do primeiro
motor movido a explosão, inventado pelo alemães
e que foram produzidos em grande escala pelo norte-americanos
- o "ouro negro" manteve a sua influência decisiva
sobre a vida contemporânea: desde influenciar
os resultados das duas grandes guerras mundiais até
as recentes alterações bélicas
e políticas ocorridas após o atentado
ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001.
Petróleo = poder
Assim, Rifkin estende sobre a mesa o verdadeiro significado
desse combustível fóssil não-renovável
em nossa sociedade: poder.
Poder exercido até as ultimas conseqüências,
poder de criação e destruição,
poder finito, poluente e não renovável.
De uma maneira clara e fluente, embasado em resultados
de pesquisas recentes, Rifkins deixa transparecer
que uma transição profunda em nossa
sociedade se aproxima e, a partir dela, abre-se a
possibilidade de um novo modelo de redistribuição
de poder.
O sucesso das tecnologias de produção
de hidrogênio dependeria necessariamente do
desenvolvimento de novas tecnologias de co-utilização
da energia solar e das células combustível
de hidrogênio. A primeira forneceria a energia
elétrica para a hidrólise da água
e conseqüente produção de hidrogênio,
o qual poderia ser armazenado e novamente utilizado
para a geração de energia elétrica.
Outro enfoque interessante inclui a comparação
entre o declínio de grandes civilizações
do passado, devido ao esgotamento de suas fontes de
recursos energéticos. O livro se concentra na
descrição de Frederrick Soddy, um britânico
ganhador do prêmio Nobel em química,
o qual observou que a moeda indivisível em
que se baseia toda a ciência é a energia.
Assim, uma vez que a base energética em que
uma civilização se alicerça é
esgotada, o declínio do império seria
a conseqüência.
Além disso, Rifkin observa que conforme a
sociedade amadurece e envelhece, requer mais e mais
energia para se manter, culminando em uma diminuição
do gasto de energia em inovação e expansão.
Desenvolvendo esse tema, o autor faz um paralelo entre
a decadência energética, bélica,
política e econômica do Império
Romano, o qual se amparava na agricultura e na combustão
de reservas florestais devastadas, e os atuais riscos
de que a queda se dê novamente, já que
a civilização atual estaria amparada
ainda na utilização de combustíveis
fósseis, igualmente finitos.
A próxima grande economia
e a revolução social
Em poucas décadas, a energia limpa derivada
das células combustível de hidrogênio
tornará obsoleta o nosso modelo atual de produção
energética baseado na queima de combustíveis
fósseis. Os hidrocarbonetos de petróleo
liberam grandes quantidades de gás carbônico
na atmosfera, levando a alterações climáticas
em escala global, interferindo, indiretamente, na
nossa habilidade de sobrevivência em um futuro
próximo.
A geração distribuída de energia,
através da implantação local
de micro-usinas geradoras de energia através
de células combustível de hidrogênio,
poderá tornar mais ecologicamente sustentável
e democrático o acesso global aos recursos
energéticos.
Isso porque, de maneira inversa ao que ocorre com
a geração de energia elétrica,
que é centralizada, concentrando recursos em
algumas poucas empresas produtoras, a energia gerada
pelo hidrogênio pode ser produzida indiretamente
pela utilização da energia solar captada
por células fotoelétricas para a hidrólise
da água e formação do hidrogênio,
sendo mais efetiva quanto mais amplamente distribuídas
geograficamente.
Esta democratização geográfica
teria efeitos imediatos pois, sendo consumida mais
próxima de onde é produzida, as perdas
seriam reduzidas, além de requerer uma organização
local mais elaborada, que permita a redistribuição
da energia excedente entre arranjos locais de produtores/consumidores.
Haveria também uma redução nos
custos das células combustível, em
um futuro próximo, graças às
inovações e à economia de escala,
tornando-as muito mais disponíveis, a exemplo
do que ocorreu com rádio, televisores e celulares.
Assim, a disseminação da tecnologia
das células combustível traria em si
o potencial de prover energia de forma rápida
e econômica, mesmo em vilarejos e localidades
isoladas. Estas, por sua vez, ao se organizarem em
redes, com cidades próximas, culminariam na
formação de redes crescentes de energia,
em uma rede análoga à da web como a
conhecemos atualmente.
Além disso, as células combustível
de maior porte trazem a vantagem adicional de produzirem
água potável pura como um de seus subprodutos,
o que seria de grande interesse para diversas localidades
urbanas e rurais em que o acesso aos recursos hídricos
é uma preocupação constante.
Web de hidrogênio ?
Outras perspectivas apontadas no livro são
sobre o novo tipo de consciência conectiva e
de participação em comunidades virtuais
encontrada na geração pós-web.
Antropologicamente, o conceito de segurança
e liberdade vem migrando dos valores capitalistas
do século passado, de mobilidade e independência
– cada indivíduo sendo uma ilha, único
responsável pelo seu desenvolvimento –
para novos conceitos, nos quais o direito a conectar-se
a múltiplas comunidades de interesses diversos
torna-se vital. Nesse novo ambiente virtual, a existência
isolada tem status de morte e inutilidade. Essa mudança
de referência se refletiria de maneira muito
positiva na geração, distribuição
e utilização dos recursos energéticos
ao longo prazo.
O paradigma da geração distributiva
seria assim mais facilmente realizável. Locais
onde os próprios consumidores organizados em
micro-comunidades iriam adquirir seus equipamentos
de produção energética local,
necessitando de habilidades comunicacionais mais complexas
e efetivas a fim de gerenciarem os recursos energéticos
produzidos.
Preparados estejamos ou não, a mudança
de matriz energética se tornará necessária
em breve. Esse fato será acompanhado por
uma redistribuição do poder na sociedade
como ainda não vimos ou sequer vislumbramos?
Ficção e realidade podem se confundir
nessa empreitada. Mas como, de alguma forma, também
a ciência e ficção compartilham
de uma mesma criativa genitora, encontramos em escritos
de Julio Verne, em 1874, um livro sobre a Guerra Civil
Americana A ilha misteriosa um interessante e prospectivo diálogo se
dá entre um marinheiro e um engenheiro, o primeiro
perguntando que ocorreria com o comércio e
a industria da época se acabasse o carvão:
"O que eles queimariam
em lugar de carvão ?"
"Água" responde o engenheiro de
Julio Verne, para espanto e surpresa de todos.
Cento e trinta anos depois, em plena guerra deflagrada
pós-ataque de 11 de setembro, em Nova York,
o presidente da Royal Dutch Shell anunciou o investimento
de um bilhão de dólares da Shell no
desenvolvimento do revolucionário regime energético
de células combustível a hidrogênio.
Para saber mais sobre o livro
veja também a resenha:
http://www.emagazine.com/view/?171
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