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Investindo no genoma
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Bioética? Dos neologismos nascidos nas últimas 3 décadas, dois deles, em particular, vêm se tornando lugar comum: Globalização e Bioética. Ambos conquistaram os meios de comunicação, os ambientes acadêmicos, políticos e sociais. Recentemente, com a perspicácia própria de escritor, Ubaldo Ribeiro, quando perguntado por jornalista, disse não saber definir o que é globalização e achava que ninguém, honestamente, sabia. Com a palavra Bioética, algo semelhante, mas ao mesmo tempo diferente vem ocorrendo. Sabemos como nasceu e conhecemos seu significado, no momento do parto. No início da década de 70, o oncologista Potter juntou Bio (vida) com Ética, para alertar os pesquisadores, em particular, os da área biomédica, quanto ao eventual uso eticamente inadequado dos avanços da biologia molecular, e em conseqüência, da biotecnologia (outro neologismo). Essa é a certidão de nascimento e o significado inicial da Bioética. À época, isso fazia sentido. Receava-se (como aliás se receia, com razão) o aparecimento e ou desenvolvimento de uma "Bomba Molecular". Desde então, tanto se tem falado em Bioética que se corre seriamente o risco de se estar falando de coisas semelhantes (ou até mesmo diferentes) mas não necessariamente iguais. "Bioeticistas", autoproclamados como tal, apresentam a Bioética como se nunca tivesse existido a palavra (e o conceito) ética. Parece que a ética nasceu há 30 anos, com a palavra Bioética; nova panacéia, novo "rótulo moderno" que serve para reivindicar o que quer que seja, para instrumentalizar ideologias dos mais variados naipes, para "tudo explicar" e tudo justificar ou impedir; um neologismo com sabor de grande descoberta conceitual? Enfim, um significado que confere sabedoria e seriedade a quem o emprega? Pode, à primeira vista parecer estranho que fundador da Sociedade Brasileira de Bioética faça considerações aparentemente descabidas sobre Bioética. É exatamente o contrário - é para defender e assegurar o devido lugar de destaque à Bioética. Ela é tão importante que não se pode correr o risco de torná-la apenas um "rótulo", nem modernismo ou melhor um "vedetismo" inconseqüente. Por essa razão, rogo ao prezado leitor, que se este artigo merecer qualquer referência, não a faça fragmentariamente. Mas, afinal, o que é Bioética? Como se pode defini-la? Não importa definir. Aliás, a Enciclopédia de Bioética (Reich) com 2000 páginas dedica ao Verbete Bioética 13 páginas para concluir, em suma, que não dá para definir Bioética. O nosso Aurélio registra o verbete em sua última edição (1999): "estudo dos problemas éticos suscitados pelas pesquisas biológicas e pelas suas aplicações por pesquisadores, médicos, etc". O que importa, isso sim, é caracterizar e salientar algumas das conseqüências trazidas pela Bioética e a ela inerentes, e o seu profundo significado. A Bioética é, na essência e no fundo, a ética nas (e das) ciências da vida, da saúde e do meio ambiente. Mas esse conceito não é suficiente para caracterizar a Bioética. Ele implica, obrigatoriamente em diversos desdobramentos, todos eles imprescindíveis para a compreensão, para a prática e para a caracterização da Bioética. Os principais:
O exercício da Bioética exige pois liberdade e opção. E esse exercício deve ser realizado sem coação, sem coerção e sem preconceito. A Bioética exige também humildade para se respeitar a divergência, e grandeza para reformulação, quando ocorre a demonstração de ter sido equivocada a opção. Condição sine qua non exigida pela Bioética, enquanto tal, diz respeito à visão pluralista e interdisciplinar dos dilemas éticos nas ciências da vida, da saúde e do meio ambiente. Em outras palavras, a análise do dilema pressupõe sempre, em Bioética, não apenas a participação multi mas interdisciplinar (isto é, incorporação em cada disciplina a visão das outras). Um problema de saúde, na prática Bioética, exige que o mesmo não seja avaliado apenas pelas profissionais de saúde, mas também por diversos outros participantes, inclusive os próprios pacientes envolvidos. Compreende-se assim a improcedência da afirmativa de que a Bioética é a nova ética médica, por exemplo. É ao contrário; a ética médica precisa ser avaliada dentro da Bioética. Diante do exposto, há de se convir que a Bioética com tais pressupostos e tais características, oferece excelentes condições para o desenvolvimento da própria cidadania e da "evolução" de cada um de seus participantes. Um dos grandes méritos da Bioética é o de levar a ética à sociedade e trazer a sociedade para a ética, criando os fundamentos éticos do controle social na ciências da vida. Apenas para ilustrar, aí está o Projeto Genoma Humano suscitando diversas questões de natureza ética que não podem ser analisadas apenas por médicos, por biólogos, por economistas, por políticos, etc. O enfoque há que ser o da Bioética, envolvendo os diversos segmentos da sociedade. É digno de destaque o fato de que a Bioética nessa sua trajetória, buscando seu caminho, foi também abrindo novas vias, novos horizontes, novas perspectivas em diversas outras disciplinas (principalmente naquelas que atuam na interdisciplinaridade da Bioética). A própria ética das corporações (idealmente não corporativista) passa a ser reavaliada não só de "dentro para fora", mas também de fora para dentro. A onda da Bioética vem atingindo diversos setores relacionados à atividade humana, aí incluída também a esfera cultural. A meu ver, excelente peça, altamente demonstrativa do que vem a ser Bioética, é a Resolução 196/96-MS, referente à Pesquisa envolvendo seres humanos, no Brasil. A peça é toda ela de Bioética, desde sua concepção, sua elaboração, suas disposições e suas práticas e, por isso mesmo, se reveste de pioneirismo nesse campo. Bioética? Bioética, sim. *Médico, professor titular da Faculdade de Medicina da Unesp/Botucatu. |
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Atualizado em 06/07/00 |
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