http://www.comciencia.br/reportagens/2005/04/04.shtml
Autor: Sabine Righetti |
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Riquezas em terras indígenas geram conflitos A Anistia Internacional, com sede em Londres, publicou em 30 de março, um relatório com uma série de informações relativas às populações indígenas do Brasil, denominadas no documento como “estrangeiros” por serem tratados como não-brasileiros. O relatório, chamado Brasil - Estrangeiros em Nosso Próprio País, caiu como uma bomba para a imagem da política indigenista brasileira, um dos focos da campanha do presidente Lula. Apesar do direito dos povos indígenas à terra estar consagrado na Constituição de 1988, que define essas áreas como “terras ocupadas tradicionalmente pelos índios”, os dados do relatório mostram que a violência contra os povos indígenas tem aumentado no país. Na maioria das vezes essa violência se dá contra líderes indígenas devido, principalmente, a disputas por terras, pelas riquezas naturais contidas nessas terras e até pelo conhecimento indígena sobre a biodiversidade. O Brasil possui atualmente cerca de 345 mil índios, vivendo em aldeias espalhadas entre 215 sociedades indígenas, o que representa aproximadamente 0,2% da população brasileira, de acordo com dados da Fundação Nacional do Índio (Funai). Fora de aldeias, estima-se que existam entre 100 e 190 mil, inclusive em áreas urbanas. Pelos dados do IBGE que são estimados a partir da auto-identificação, a população indígena é de pouco mais de 700 mil. A Funai considera que o respeito aos povos indígenas está diretamente ligado à questão territorial “dado o papel relevante da terra para a reprodução econômica, ambiental, física e cultural destes”. Mesmo assim, a meta constitucional para demarcação de terras ainda continua inferior ao esperado para 2005, apesar do aumento de demarcações de terras entre 1992 e 2001. Conforme os dados da Anistia Internacional, dos 580 territórios indígenas oficialmente reconhecidos no Brasil, 340 foram homologados, enquanto 139 ainda aguardam por identificação, o primeiro estágio do processo. De acordo com o antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira, professor da Universidade de Brasília (UnB), o Brasil observou no começo da década de 1970 o início de um movimento indígena, amparado pela sociedade civil. “Foi um período em que várias ONGs surgiram em apoio às demandas dos índios na luta em defesa de seus territórios e de sua cidadania, incluindo o reconhecimento de sua identidade indígena e a formulação de políticas públicas voltadas à sua saúde, educação e bem estar social”, conta Oliveira. O antropólogo lembra que, no entanto, o movimento não fez com que as ameaças de invasão desaparecessem. “As ameaças continuam de formas e intensidades variadas, acompanhando a diversidade das regiões do país”, afirma. Demarcação sem garantia A demarcação de terras indígenas existe para assegurar aos índios o direito ao usufruto autônomo de seu território. Demarcado o território, cabe ao Estado defendê-lo de qualquer tipo de invasão, o que, de acordo com Roberto Cardoso de Oliveira, nem sempre acontece seja por incompetência do órgão indigenista, seja por sua ausência física na área demarcada, que se faz por meio da instalação de postos indígenas. Para César Cláudio Gordon Junior, antropólogo e indigenista, a demarcação não garante que os índios se fixem na terra. Isso acontece por uma série de problemas nessa demarcação, tais como a exclusão de rios importantes ou a própria devastação ambiental, que resulta na falta de recursos de caça e pesca que sejam suficientes para as populações indígenas em questão. E complementa: “Quando uma área demarcada é grande, pode não haver uma infra-estrutura básica para o atendimento médico-sanitário imprescindível, já que quase não há índios isolados e existe hoje grande incidência de doenças infecciosas. O antropólogo ressalta ainda que é preciso garantir a integridade das terras demarcadas, impedindo a invasão e a degradação ambiental, por exemplo. “Temos que facilitar aos índios o acesso ao conhecimento que eles julgam necessários para levar adiante seu projeto de vida”, ressalta. Apesar da característica nômade de algumas comunidades indígenas, Roberto Cardoso de Oliveira ressalta que não conhece casos de abandono de um território indígena depois de conquistado pela demarcação. Por isso, ele considera que a questão de demarcação das terras indígenas não deve ser pensada em conjunto com a questão fundiária que envolve os sem-terra pois, diferentemente do que acontece com os índios, a principal questão dos sem-terra é fornecer meios para que os trabalhadores se fixem na terra. Falhas na Funai Os problemas na demarcação de terras, de acordo com o relatório da Anistia Internacional, se dá principalmente por falhas da Funai. “Há muito tempo a Funai é acometida por falta de verbas, corrupção e problemas internos, sendo que insistentemente declara que lhe faltam recursos financeiros e humanos para realizar as demarcações pendentes”, informa o documento. O exemplo citado é uma carta mostrada à Anistia Internacional de um diretor da própria Funai que escreveu sobre sua frustração por não conseguir conduzir os estudos de identificação referentes a um certo território devido a uma combinação de insuficiência de verbas e falta de funcionários. “Sem antropólogos e ambientalistas torna-se inviável a constituição de um Grupo de Trabalho para identificar qualquer terra indígena seja ela qual for”, descreve o diretor no documento. A Funai divulgou, em resposta ao relatório, uma carta à imprensa em que cita aspectos fundamentais da política indigenista do atual governo. Sobre a possível demora no processo de identificação, declaração e homologação de terras indígenas tradicionais, o órgão afirma que segue normas que, apesar de legais, abrem brechas para que proprietários ilegais de terras que antes pertenciam a comunidades indígenas recorram à justiça, o que dificulta a posse. Pela terra, pela biodiversidade A defesa dos territórios indígenas tem sido apontada como um importante meio de garantir a preservação do patrimônio biológico e do conhecimento milenar das populações indígenas. Para a Funai, a proteção das terras indígenas é uma medida estratégica para o país porque, além de assegurar um direito dos índios, ainda garante a proteção da biodiversidade brasileira e do conhecimento que permite o seu uso racional. De acordo com informações da própria Funai, as sociedades indígenas da Amazônia conhecem mais de 1.300 plantas portadoras de princípios ativos medicinais e pelo menos 90 delas já são utilizadas comercialmente. O conhecimento dos índios em relação ao uso de uma série de plantas é um atrativo para pesquisadores e indústrias do Brasil e do mundo. Cerca de 25% dos medicamentos utilizados nos Estados Unidos possuem substâncias ativas derivadas de plantas nativas das florestas tropicais. A proteção ao conhecimento indígena tem sido bastante discutida desde a Medida Provisória n. 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, regulamentada pelo Decreto nº 3.945 do mesmo ano, que diz respeito ao acesso ao conhecimento tradicional. De acordo com o historiador e indigenista Paulo Humberto Porto Borges, professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), as terras indígenas continuam sendo o principal alvo de interesse do capital, seja o do agronegócio ou de grupos de grandes mineradoras. Ele ressalta que a luta pelo direito de explorar o subsolo das áreas indígenas vem sendo travada, há algum tempo, no congresso nacional, nos trabalhos para a elaboração do novo Estatuto do Índio (o último Estatuto data de 1973 e tem pontos inconsistentes com a atual Constituição). Borges acredita que o interesse do capital vai além das terras indígenas e atinge o conhecimento dos índios, mas não considera que a biodiversidade possa ser uma moeda de troca dos povos indígenas na interação com a sociedade não-índia. “É bom lembrar que a grande maioria das áreas indígenas brasileiras já se encontra bastante depauperada em relação aos seus recursos naturais originais”, afirma. Apesar de a política indigenista estar entre as prioridades da campanha do governo Lula, não tem agradado nem as comunidades, nem a sociedade civil. No último dia 31 de março, o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas divulgou um manifesto contra a política indigenista do governo, ou melhor, contra a falta de uma nova política indigenista. As principais reivindicações são a criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista com a efetiva participação indígena e da sociedade civil em sua composição e a garantia, por lei, de mecanismos previstos na Convenção da Diversidade Biológica, de repartição justa e eqüitativa de benefícios e anuência prévia e informada, para o acesso aos conhecimentos dos povos indígenas e das populações locais.
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Atualizado em 10/04/2005 |
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