http://www.comciencia.br/reportagens/2005/04/05.shtml
Autor: Germana Barata |
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Saúde indígena enfrenta entraves políticos A preocupação em ter um sistema de saúde voltado exclusivamente para indígenas no Brasil é recente. Data de 1999, quando a responsabilidade deixou de ser da Fundação Nacional do Índio (Funai) para ser da Fundação Nacional da Saúde (Funasa). A preocupação com a saúde do índio passou a ser mais preventiva do que curativa e voltada para as diferenças étnicas existentes no país com a criação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI). Embora essa política tenha ampliado o acesso à saúde no território nacional, seus progressos não impediram os altos índices de mortalidade nas populações indígenas, como ficou claro no recente episódio de mortes de crianças por desnutrição em Mato Grosso do Sul, principalmente no município de Dourados (MS).
Divididos em 34 territórios, definidos de acordo com termos técnicos e étnico-demográficos, os DSEIs não coincidem, necessariamente, com as fronteiras municipais existentes (veja mapa). Os Distritos contam com conselhos, dos quais participam representantes do governo, profissionais de saúde, usuários e representantes de comunidades indígenas, que definem estratégias e controle de execução de políticas de saúde. Uma das metas é a busca pela humanização do tratamento da saúde do índio e uma compreensão global desta no sentido de prover condições mais dignas a essas populações.
O mapeamento dos grupos étnicos indígenas brasileiros ampliou a cobertura de atendimento à saúde e também os investimentos no setor. Mas, problemas na gestão têm deixado a comunidade indígena preocupada, o que acabou fortalecendo o "Manifesto de Abril". A exemplo do Abril Vermelho, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no ano passado, as populações indígenas se organizaram para pressionar o governo federal a implementar melhorias em inúmeros setores, inclusive o da saúde. O documento foi apresentado no dia 31 de março, em Brasília. Entre os acontecimentos recentes que impulsionaram a manifestação está a mortandade de 17 crianças indígenas por desnutrição no estado do Mato Grosso do Sul, a maior parte no município de Dourados, da etnia Guarani-Kaiuá. Escolhido pela Funasa, em 2002, para abrigar o Centro de Recuperação Nutricional, o caso de Dourados deflagrou a gravidade e complexidade da questão da saúde no país. Para melhorar a situação, não bastam medicamentos e acesso a profissionais capacitados para evitar perdas, mas é preciso garantir o acesso, prioritariamente, a terras. Para Maria Luiza Garnelo, professora da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), o que existe é uma carência de ações intersetoriais. “Não se consegue resolver os problemas de saúde apenas com consultas, médicos e vacinas. Existem outras ações estruturais importantes: a questão da terra, alimentação, a geração de trabalho, uma série de problemas que acometem as populações e que incidem de uma forma pesada na sua saúde”, conclui. A rigor, a mortalidade infantil por desnutrição na população indígena já era conhecida de autoridades e profissionais de saúde indígena. Os índices chegaram, em 2004, a uma média de 47,48 mortes a cada mil nascimentos, de acordo com dados da Funasa. A média nacional equivale a 29,6 por mil (Censo 2000). Alexandre Padilha, diretor do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, garante que o número de óbitos, apesar de ainda alto, tem diminuído desde o início da gestão Lula (veja gráfico abaixo). Desde que foi inaugurado o Centro de Recuperação Nutricional de Dourados em 2002, Padilha diz que também diminuíram os índices de nova internação por causa de desnutrição, após um ano de tratamento. Sessenta por cento das crianças que recebiam alta em 2002 retornaram no primeiro ano; em 2003, foram 35%, e em 2004 apenas 10%. Os dados de mortalidade infantil (a cada mil crianças menores de um ano) da Amazônia Legal (Funasa), de 2002 a 2004, revelam que os índices variam enormemente em cada Distrito Sanitário. Entre os casos mais sérios, estão o do DSEI do Alto Rio Juruá (AC), com mortalidade em 2003 de 49,8 chegando a 115,38 no ano seguinte; DSEI do Vale do Rio Javari (AM), com índices de 111,1 em 2002, 150, 69 em 2003 e sem informações em 2004; e o do Rio Tapajós (PA) que tinha índice de mortalidade igual a 64,10 em 2003 e saltou para 101,85 um ano mais tarde. Entre os casos mais otimistas estão os Distritos Sanitários Especiais Indígenas Kayapó do Pará (PA), com 94,74 mortes infantis em 2003 e apenas 14,08 em 2004; o DSEI de Cuiabá (MT) reduzindo o índice de 15,9 em 2003 e zerando no ano seguinte; e o DSEI Alto Rio Negro (AM) que reduziu seu índice de mortalidade infantil de 117,26 (2003) para 58,64 (2004). As reclamações em relação à saúde estão no cerne de uma transição política, iniciada no governo atual. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso os recursos reservados para a saúde eram repassados para organizações não-governamentais que cuidam de questões indígenas, para que executassem as ações necessárias. O Ministério da Saúde atual, porém, iniciou um processo inverso, a que Maria Luiza Garnelo chama de restatização, via edição da Portaria 70, que retoma as atribuições para os órgãos do governo. Esse processo, ainda em andamento, tem demorado para se efetivar, o que estaria causando prejuízos à saúde das comunidades indígenas. De acordo com o coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Sateré-Mawé, embora o orçamento para a saúde indígena tenha aumentado no governo atual, falta organização entre os ministérios, principalmente nas questões relacionadas à saúde, como educação e terra. A Coiab divulgou comunicado em seu site, expressando preocupação com os planos da Funasa de municipalização da saúde indígena, temendo “a deterioração dos DSEIs e o acirramento das perseguições às organizações indígenas”. Os Distritos Sanitários Especiais Indígenas, segundo o coordenador, representam um enorme avanço na política de saúde indígena. Por outro lado, está o fato de a maioria dos prefeitos não darem tratamento adequado para a questão da saúde do índio. “Há uma completa discriminação contra populações indígenas”, denuncia, justificando a inquietação da Coiab. Ao contrário dos conselhos dos DSEIs, nos quais representantes das populações indígenas participam das decisões das políticas voltadas para eles, a população tem pouca representatividade nos conselhos das prefeituras, que não têm a responsabilidade de aplicar recursos nessas comunidades. A Funasa, no entanto, acredita que a descentralização do sistema é importante como forma de melhorar o atendimento das populações. As mortes ocorridas em Dourados mostram a enorme demanda por serviços descentralizados, pois o único Centro de Recuperação Nutricional acaba recebendo crianças de inúmeros municípios vizinhos. A questão da municipalização da saúde indígena ainda é uma discussão informal. O coordenador da Coiab espera que, pela Coordenação ter sido parceira da Funasa, assim como outras organizações indígenas, desde 1999, sejam convidados a contribuir nessa e outras discussões. “Não somos radicalmente contra a municipalização”, informa Sateré-Mawé, “mas é preciso abrir essa discussão”. Humanização
Para tentar minimizar a inadequação dos espaços, a Funasa tem apostado nas Casas de Saúde do Índio (Casai), no selo Hospital Amigo do Índio e na capacitação de profissionais. As Casai, embora não sejam unidades hospitalares, servem para abrigar pacientes e acompanhantes, oferecendo alimentação e espaços mais adequados às etnias, que tornam a permanência no hospital mais tranqüila. São 53 Casais construídas com mais uma a ser concluída no segundo semestre no município de Dourados (MS). Já o selo deverá certificar os hospitais que respeitarem a cultura do índio, por meio do recebimento de incentivos financeiros da Funasa. Mais de cem instituições já receberam o estímulo e agora serão submetidas a uma avaliação. Apesar dos agentes indígenas de saúde, é preciso ampliar as especialidades de práticas de saúde indígena, os incentivos para fixar os profissionais nas regiões e melhorar a qualidade dos hospitais. Padilha declara que a Funasa está fazendo convênios com universidades e órgãos de assistência à saúde, mas confessa que “temos que avançar muito ainda”, com a oferta de profissionais e agentes indígenas. Uma outra tentativa de valorizar as etnias é a abertura de farmácias de fitoterápicos, voltadas para o conhecimento tradicional, para complementar o sistema de saúde indígena. De acordo com o diretor do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, no final de abril a Funasa deverá inaugurar o primeiro laboratório de manipulação de fitoterápicos da etnia Fulniô, em Pernambuco. A idéia é que o laboratório piloto possa, no segundo semestre, ser autosuficiente atingindo os padrões requisitados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para, posteriormente, ser ampliado para outros povos. Faltam
dados O livro Os povos indígenas e a constituição das políticas de saúde no Brasil (2003), editado pela Organização Panamericana de Saúde (Opas) em 2003, mostra que as doenças infecciosas graves (tuberculose, malária e hepatite, por exemplo) ainda aparecem em maior predominância, além da alta mortalidade infantil, causada por desnutrição e que vêm se elevando os índices de doenças crônicas em adultos, tais como o diabetes, a hipertensão e a obesidade. Diferentemente das doenças infecciosas, com tratamentos relativamente eficientes e pontuais, as doenças crônicas surgem de mudanças de hábitos (como vida sedentária e ingestão de alimentos mais calóricos e menos nutritivos) e, por isso, estão entre os maiores desafios na questão da saúde indígena, afirma Garnelo, porque precisam ser contornadas com ações integradas.
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Atualizado em 10/04/2005 |
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