http://www.comciencia.br/reportagens/2005/02/05.shtml
Autor: Susana Dias |
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Grandes
obras priorizam o aguabusiness Muitas das grandes obras públicas em rios trouxeram benefícios. Nem sempre, porém, os beneficiados foram as populações locais. No Sistema Cantareira, em São Paulo, a transposição da bacia do rio Piracicaba retira água do interior do estado para abastecer a capital. Há mais de 30 anos, várias cidades e áreas rurais da região são sacrificadas, gerando uma verdadeira disputa pela água. A barragem de Tucuruí, no Pará, atende a demanda energética de indústrias do setor privado que produzem alumínio para exportação. Porém, na área vivem cerca de 25.000 pessoas sem energia elétrica. Em muitos casos, as populações ribeirinhas, além de não serem beneficiadas, pagam pelos custos sociais das obras. São expulsas de suas terras e sofrem com políticas inadequadas, ou mesmo inexistentes, de indenização e reassentamento. Os atingidos pela última cheia da barragem do Castanhão, no Ceará, vivem há quase um ano em acampamentos, aguardando a construção de suas casas. O Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) estima que, no Brasil, cerca de 1 milhão de pessoas já foram atingidas por grandes obras em rios e mais 100.000 estão ameaçadas pelos projetos do Plano Plurianual de Investimentos (PPA). Recurso vital para os planos ambiciosos de desenvolvimento,
a água tem sido transformada em bem econômico, mediado por relações
mercantis: o que foi chamado de aguabusiness prioriza a construção
de megaempreendimentos em rios para viabilizar a produção de energia
para os grandes consumidores, o abastecimento de grandes centros urbanos e industriais,
a irrigação de grandes áreas, o escoamento da produção
agrícola e, mais recentemente, as atividades turísticas. O economista
Eduardo Magalhães Ribeiro, da Universidade Federal de Lavras (MG), e
a antropóloga Flávia Maria Galizoni, do Instituto de Filosofia
e Ciência Humanas da Unicamp, mostraram num artigo para a revista Ambiente
& Sociedade Na última década, tem aumentado o número de pesquisadores, ONGs, grupos de mulheres, movimentos que se posicionaram contra as grandes intervenções em rios, apostando na melhor administração das obras já existentes e no uso comedido dos recursos hídricos. Se, por um lado, os defensores de grandes obras rotularam os protestos como “oposição irracional ao desenvolvimento”, por outro lado, na opinião desses grupos, as inúmeras experiências mal sucedidas não deveriam ser desperdiçadas na tomada de decisões em projetos em andamento, como a hidrovia Paraná-Paraguai, a transposição do São Francisco e o Eixo de Integração no Ceará. Desenvolvimento: o milagre que não aconteceu “Essa situação se estende até hoje”, lamenta José Josivaldo Alves de Oliveira, agricultor atingido pelo Castanhão e representante da direção nacional do MAB. “As pessoas não conseguiram se refazer, reconstruir uma nova vida. As famílias da zona rural atingidas foram transferidas as pressas para as novas áreas. Não houve um estudo, ou consulta, para saber o que as famílias queriam, se as terras eram boas e qual era a capacidade de cada propriedade. Resultado: muitos foram embora, perderam o vínculo com a terra e com o rio. Os que ficaram enfrentam a falta água e o solo pobre, além do excesso de famílias em cada área”, denuncia. As comunidades da zona urbana atingidas pelo Castanhão também não participaram na tomada de decisões relacionadas aos impactos da obra. Embora o governo do Ceará tenha feito uma nova cidade para os moradores de Jaguaribara, uma das mais atingidas, tudo foi feito “dentro dos gabinetes”, lembra Alves de Oliveira. A Nova Jaguaribara é completamente diferente da antiga. As pessoas não se identificam com os modelos das casas, com as cores das portas e com o traçado das ruas. Nas palavras do agricultor: “parece uma Brasília!”. Na velha Jaguaribara as pessoas tinham uma relação direta com a água, com o peixe, lavavam as roupas nas pedras dos rios. Hoje, o rio mais próximo está a quilômetros de distância. Um descaso ainda maior acontece com as últimas famílias atingidas pelo enchimento do lago do Castanhão, em janeiro de 2004, que ainda hoje moram em acampamentos, porque a construção de suas casas não foi concluída. Para a professora Marisete de Aquino, o grande problema foi a falta de um programa sustentável de reassentamento. Em sua opinião, um programa adequado, em que exista um diálogo efetivo e trabalho conjunto da Secretaria de Recursos Hídricos e da Secretaria da Agricultura, poderia dar condições para a nova vida dos reassentados. Já para o movimento de atingidos, não há reparação possível para os danos socioambientais que a construção de barragens provoca. “Não há como avaliar as perdas que sofremos com o discurso que a barragem traz progresso e desenvolvimento para a região”, diz Alves de Oliveira. Hoje, o MAB faz parte de um grupo de entidades que são contrários à construção de barragens. Leia mais sobre o assunto no artigo “Águas sem barragens” No rastro das grandes obras, danos irreparáveis Fonte: Fearnside, Philip M. Impactos ambientais da barragem de Tucuruí: lições ainda não aprendidas para o desenvolvimento hidrelétrico na Amazônia. Inpa. Disponível no site http://philip.inpa.gov.br/ Na época de Médici e Figueiredo não existiam Estudos de Impactos Ambiental (EIA) e Relatórios de Impactos Ambiental (RIMA). A própria Eletronorte, explica Fearnside, encomendou estudos que, de acordo com o pesquisador, além de ficarem limitados aos efeitos imediatos da represa, em sua maioria foram feitos às pressas e sob pressão da opinião pública. Ainda segundo ele, o Banco Mundial se recusou a financiar a construção da barragem devido a preocupação com os impactos ambientais. Barragem mais recente, Barra Grande foi construída no final dos anos 90 na região sul do país. Pertence a empresas privadas, ligadas à produção de energia elétrica e alumínio, e tem capacidade de gerar 670 MW. Na sua construção foram investidos cerca de 1,3 bilhões de reais, em grande parte dinheiro público. Diferente de Tucuruí, Barra Grande teve EIA e RIMA e o exemplo de experiências anteriores para balizar seus impactos. Isso não evitou que se repetissem erros que causaram consequências graves para as comunidades locais e o ambiente. Gilberto Cervinski, coordenador nacional do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), conta que cerca de 2.000 hectares da mata nativa de araucárias foram inundados. “Na época que a obra foi avaliada, eles esconderam que alagaria tanto. Agora que a usina está com 90% de seu funcionamento, pediram ao Ibama para cortar mais araucária. Além disso, o problema social é terrível. As famílias estão sendo expulsas sem os direitos respeitados”, diz. Recentemente o MAB paralisou o funcionamento da barragem durante sessenta dias para tentar minimizar os danos que as 2.000 famílias expulsas estão sofrendo. Para Arsênio Oswaldo Sevá Filho, do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, os órgãos responsáveis pelo licenciamento das megahidrelétricas têm desconsiderado os conhecimentos já existentes sobre os cidadãos prejudicados e os patrimônios que são destruídos pelas obras. Por essa razão, o engenheiro tem se posicionado contrário à construção de megaempreendimentos que trarão alterações de grande porte e transformações radicais no ambiente e na vida das pessoas. (Leia mais no artigo “Conhecimento crítico das mega-hidrelétricas: para avaliar de outro modo alterações naturais, transformações sociais e a destruição dos monumentos fluviais”).
Assim como Tucuruí, o Sistema Cantareira é um caso mundialmente conhecido. Mais uma grande obra feita em sigilo, sem a participação das comunidades atingidas e sem uma avaliação dos impactos de represar e transpor as águas desses rios na quantidade suficiente para abastecer São Paulo. As promessas também nunca foram cumpridas. “Eles prometeram que Piracicaba nunca teria uma vazão menor que 60m3/seg e que nunca teria problemas de abastecimento de água. Logo que o acordo foi firmado reduziram a vazão para 40 m3/seg, que também nunca foram cumpridos. A vazão do rio chegou a atingir 16m3/seg”, lamenta Rodrigues. Além disso, ao mesmo tempo que a água foi transposta para atender a demanda da capital, o eixo de estímulo de desenvolvimento econômico do estado foi transferido para o interior, que era abastecido pela mesma bacia. Rodrigues conta que hoje Piracicaba, por exemplo,
pega água do Rio Corumbataí. “Esse ‘córrego’
nos socorreu. Nos quatro meses de chuva temos 200 m3/s de vazão. Nos
outros meses, como o esgoto das casas e indústrias é jogado no
rio, a água fica sem condições de tratamento para uso”.
Os problemas na região têm sido minimizados pela excelente atuação
do Consórcio Intermunicipal da Bacia dos Rios Piracicaba,
Capivari e Jundiaí, reconhecido como um exemplar gestor de bacias
hidrográficas em todo o país, sendo inclusive modelo para outros
países. A maior solicitação dos movimentos em prol da bacia
do Piracicaba envolve a desativação gradual do Sistema Cantareira.
O dilema é que quase todas as fontes estão comprometidas e os
paulistanos não têm de onde tirar água e a saída
mais viável parece ser a da racionalização do consumo. |
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Atualizado em 10/02/2005 |
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