Um
peixe, uma vida
Existem
diversas populações no mundo que são altamente
dependentes do pescado para sobrevivência e que estão
situadas principalmente nos países subdesenvolvidos. A aquicultura
é cada vez mais importante para essas populações,
que vêm enfrentando problemas com a escassez da pesca extrativista,
causada pela sobre pesca dos principais estoques pesqueiros comerciais.
Além de beneficiar as populações tradicionalmente
envolvidas com o setor pesqueiro, a aquicultura tem sido incentivada
também para o desenvolvimento de populações
rurais.
A importância
da aquicultura para o desenvolvimento de populações
rurais ganhou destaque na primeira reunião do Sub-Comitê
de Aquicultura da FAO (Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e Alimentação), que ocorreu
em Pequim, China, em abril desse ano, onde o papel da aquicultura
no desenvolvimento rural foi discutido por mais de 50 países.
A reunião da FAO foi seguida pela realização
do Congresso da Sociedade Mundial de Aquicultura, onde também
foram apresentados vários estudos de caso sobre a aquicultura
realizada por pequenos produtores.
Segundo Raúl Malvino Madrid, Coordenador Geral de Aquicultura-Substituto
do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(Mapa), durante o evento foi reconhecido que a aquicultura pode
desempenhar um papel importante no desenvolvimento rural, apesar
deste potencial não estar sendo desenvolvido em muitas partes
do mundo. Na opinião de Madrid, é necessário
reconhecer a função da aquicultura rural não
somente no combate à fome, mas também na geração
de receitas. Durante o evento, os representantes dos vários
países concluíram que é necessário elaborar
diretrizes para o desenvolvimento da aquicultura rural, com uma
clara política nacional e regional, além de fortalecer
marcos legislativos e normativos com vistas à posse da terra
e reforma agrária, proteção ao meio ambiente
e concessão de licenças para a aquicultura. Também
é necessária a organização dos produtores
aquícolas para a obtenção de informações
e serviços de assistência técnica bem como para
a aquisição de insumos de qualidade e custos reduzidos.
Financiamentos e acesso aos mercados também foram considerados
relevantes.
Comércio
Internacional de Pescado em 2000 (em dólares
x 1.000)
|
|
Importação |
Exportação |
Países
desenvolvidos |
7.363.854
(12.988.314 ton) |
50.607.983
(17.695.699 ton) |
Países
em desenvolvimento |
27.932.477
(12.956.889 ton) |
10.317.667
(8.962.875 ton) |
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Fonte:
FAO Fisheries Department. Fishery Information, Data and Statistics
Unit. - 2001. |
Exemplos
do Brasil
No
Brasil, a aquicultura tem participado cada vez mais do dia a dia
de muitos trabalhadores rurais e pescadores artesanais. Segundo
o coordenador do Curso de Engenharia da Aquicultura da Universidade
Federal de Santa Catarina, Luiz Vinatea, a criação
do mexilhão marinho da espécie Perna perna,
conhecido popularmente como ostra de pobre, é um exemplo
de como a aquicultura pode beneficiar populações de
baixa renda. Ele realizou um estudo em uma comunidade criadora desse
mexilhão no município de Palhoça, Santa Catarina.
"O pescador era acostumado a extrair o mexilhão do costão
e se alimentar quando a pescaria não era boa. Na pesquisa
que realizei nessa comunidade, descobri que o cultivo do mexilhão
permite que os pescadores tenham mais alimento por um preço
acessível de cerca de 0,90 centavos o quilo. Além
de beneficiar o consumo direto, o cultivo está elevando a
renda mensal dos pescadores. Quando os pescadores da comunidade
viviam só da pesca extrativista, o salário mensal
era em torno de um salário mínimo e meio, hoje, está
em cerca de cinco salários mínimos", conta o
pesquisador.
Os
camarões marinhos cultivados também têm feito
diferença para os antigos pescadores artesanais do estado
de Santa Catarina. A bióloga Ana Lúcia Carneiro Schaefer
realizou um estudo no município de Paios e pode observar
que os pescadores têm cada vez mais dificuldades de sobreviverem
da pesca extrativista de camarões, que estão cada
vez mais escassos na região. O estudo mostrou que as fazendas
de camarão marinho estão fornecendo empregos e aumentando
a renda dos pescadores locais. Apesar de, neste caso, a aquicultura
não estar fornecendo alimentos diretamente para as pessoas
de baixa renda, muitos dos pescadores que tornaram-se empregados
já não querem mais voltar para a pesca artesanal,
pois acham que as garantias trabalhistas e os salários dão
maior estabilidade financeira e melhoram o padrão de vida.
Populações
de baixa renda são mais dependentes do consumo de peixes
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A
importância do pescado para a sobrevivência de
uma população pode ser determinada estimando-se
quanto de pescado é consumido com relação
a outras fontes de proteína animal, como carne de porco
ou boi. Geralmente, as populações altamente
dependentes do pescado estão localizadas nos países
subdesenvolvidos, mas o consumo de pescado per capita é
muito maior nos países desenvolvidos.
Além
de consumirem mais pescado, as populações do
primeiro mundo geralmente são menos propensas à
desnutrição caso o pescado falte em suas mesas.
Isso ocorre porque, geralmente, essas populações
têm acesso a uma variedade maior de fontes de proteína
animal e podem substituir o pescado em situações
difíceis. Em várias populações
de terceiro mundo, quando há falta de pescado , os
preços tendem a se tornar mais elevados forçando
as pessoas a consumirem alimentos de qualidade inferior e
deixando de ingerir micronutrientes importantes para suas
dietas.
O
aumento do volume de pescado produzido pela aquicultura não
significa que as pessoas de baixa renda terão maios
acesso ao mesmo. Existem estudos mostrando que quando a produção
é voltada principalmente para o mercado externo as
populações de baixa renda, que são altamente
dependentes do pescado, podem sofrer sérias conseqüências,
como a desnutrição.
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Mesmo
nos lugares marcados pela escassez de água e castigados pelas
secas prolongadas e intensas, a aquicultura pode ser muito importante.
Segundo Madrid, é uma das únicas atividades possíveis
de serem desenvolvidas a curto prazo para geração
de empregos, renda e alimentos no semi-árido nordestino.
Ele explica que uma parte representativa das águas subterrâneas
nessa região são impróprias para o consumo
porque contêm elevado teor de sal. Essas águas não
servem nem mesmo para o consumo dos animais terrestres, mas podem
ser utilizadas para o cultivo de vários organismos aquáticos
como camarões e tilápias. Ele afirma que, no nordeste,
já existem experiências bem sucedidas.
Uma
das características marcantes da aquicultura brasileira é
a estruturação em torno das pequenas propriedades,
com exceção do setor dos camarões marinhos.
Na opinião de Madrid o desenvolvimento de grandes empreendimentos
também é muito importante: "para o sucesso da
aquicultura familiar é importante que junto ao pequeno produtor
estejam também os grandes, uma vez que estes têm condições
de desenvolver tecnologias e estudos mais apropriados de manejo,
nutrição, genética e métodos de combate
às doenças, podendo repassar esse conhecimento aos
pequenos produtores, como vem ocorrendo no caso da carcinicultura
marinha brasileira", explica.
Brasil:
ações que Precisam Continuar
Apesar
dos exemplos otimistas, Vinatea acredita ser muito difícil
resolver o problema da desnutrição no Brasil pois
este não é somente um problema de falta de alimentos,
e sim de falta de recursos para adquirir alimentos. Nas palavras
de Vinatea, "a desnutrição é somente a
ponta de um iceberg". Ainda assim, ele acredita que
através de programas específicos direcionados a populações
carentes e apoiados pelo governo e pelas próprias comunidades,
a aquicultura pode ser uma ferramenta muito útil de desenvolvimento
sócio-econômico.
Segundo
Madrid, a FAO tem desenvolvido programas de aquicultura em diversas
partes do mundo com o objetivo principal de combater a pobreza de
populações de baixo poder aquisitivo. Mas o sucesso
desses programas depende muito da continuidade que os governos locais
dão aos programas iniciados. A opinião da pesquisadora
Elizabeth Criscuolo Urbinati, diretora do Centro de Aquicultura
da Unesp, não é diferente. Para ela, um dos grandes
desafios no emprego da aquicultura para o desenvolvimento de comunidades
é a criação de mecanismos eficazes que assegurem,
após a implantação dos projetos, sua auto gestão
e continuidade, permitindo que a comunidade seja capaz de se manter
e continuar se desenvolvendo por conta própria.
O
importante papel das universidades e centros de pesquisa brasileiros
O papel
das universidades e centros de pesquisa brasileiros é fundamental
para o desenvolvimento da aquicultura nacional e, também,
na busca de alternativas que beneficiem as populações
de baixa renda. Urbinati afirma que a atuação dos
extensionistas é muito importante. "O extensionista
é um profissional chave para atuar na interface aquicultura
e desenvolvimento social. O extensionista ensina e orienta as comunidades
na implantação de projetos desenvolvimentistas, sendo
ele um canal para se levar a tecnologia envolvida nos cultivos até
as pessoas que estão fora dos centros de pesquisa, já
que o pesquisador, de forma geral, não interage diretamente
coma sociedade" explica.
Para
que a aquicultura possa favorecer também as pessoas de baixa
renda, é fundamental que os programas desenvolvidos especificamente
para este fim sejam elaborados à partir de informações
sobre a realidade sócio-econômica, que são obtidas
através de pesquisas. Atualmente, não existem muitas
pesquisas sobre essa face da aquicultura. Esses estudos são
muito importantes para dimensionarem os projetos, identificarem
as populações mais necessitadas e para determinar
a contribuição da aquicultura em contextos específicos
de cada comunidade.
Segundo
Vinatea, a falta de interesse por esse tipo de estudo no Brasil
está relacionado àquilo que pensamos ser aquicultura
sustentável: "O termo sustentabilidade tem sido assimilado
pela sociedade somente de seu ponto de vista ambiental. No entanto,
a aquicultura sustentável tem outras dimensões além
da ambiental. O empreendimento deve ser economicamente eficiente,
ecologicamente prudente e socialmente justo. Isto é o problema
que não está sendo incorporado pelo setor produtivo
e pela sociedade. Acho que aos poucos isso será assimilado.
Não há formação interdisciplinar e além
disso a aquicultura é uma tecnologia de produção,
e produção é igual a dinheiro e dificilmente
há preocupação com comunidades carentes. Mesmo
os bancos financiadores só estão preocupados com os
lucros. Agora, na análise de projetos também tem sido
abordada preocupação com o meio ambiente, quem sabe
o próximo passo seja a preocupação com a responsabilidade
social dos projetos?"
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