A sustentabilidade da aquicultura
Análise emergética favorece o meio ambiente
Um peixe, uma vida
Pesque e solte é discutido por pesquisadores
 

Análise emergética favorece o meio ambiente

O que utiliza mais recursos naturais para ser produzido: um bagre ou uma tilápia? Uma criação intensiva ou extensiva? Preocupados com o impacto ambiental e sócio-econômico que a aquicultura pode causar em algumas regiões brasileiras, pesquisadores estão viabilizando o emprego da análise emergética (com m mesmo) para determinar a sustentabilidade dessa atividade. Essa metodologia já foi empregada com sucesso em estudo preliminar das criações de bagres do canal, no estado do Alabama, Estados Unidos. Esse tipo de análise pode ser uma importante ferramenta para o desenvolvimento sustentável da aquicultura brasileira, pois permite avaliar quantitativamente a sustentabilidade das produções.

Pesquisadores utilizaram a análise emergética para criações de Bagres do Canal dos Estados Unidos.

Enrique Ortega, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, explica que análise emergética "é uma forma de fazer a contabilidade de sistemas produtivos agrícolas, pesqueiros, florestais, agro-industriais ou de qualquer tipo de sistema, levando-se em consideração quanto a natureza gasta para produzir os insumos que o sistema produtivo usa". Ele afirma que as pesquisas de análise emergética em aquicultura ainda são pouco exploradas, mas podem ser de grande proveito.

Os sistemas agropecuários precisam de vários tipos de energia para funcionar - como radiação solar, vento, chuva, entre outros - e isso vale também para a produção de peixes. A emergia é toda a energia utilizada para a produção de um peixe. Para fazer a análise emergética de um sistema, todas as energias envolvidas na produção são transformadas em um mesmo tipo de energia.

Para o piscicultor lucrar mais com a sua produção ele aumenta a utilização de materiais e energia dos sistemas envolvidos. Mas até quando os produtores poderão continuar a aumentar o uso de materiais e energia desses sistemas sem arruinar os recursos naturais? Segundo Ortega, tudo vai depender da forma com que os recursos estão sendo utilizados.

Ele afirma que, como no Brasil existem vários sistemas de produção diferentes, a análise emergética pode ser útil para determinar quais são os sistemas mais sustentáveis e mais apropriados. Segundo Ortega existem sistemas muito intensivos que causam um grande impacto ambiental. "Na região do estado de Santa Catarina é muito comum a piscicultura consorciada com a produção de suínos (suíno-pisciculturas), e existem previsões de que esse sistema seja cada vez mais intensivo, podendo causar impactos ambientais quando não manejados adequadamente", afirma.

O pesquisador explica que nos sistemas de suíno-pisciculturas os dejetos dos suínos são utilizados para aumentar a produção de alimento natural nos viveiros (composto por microorganismos denominados fitoplâncton e zooplâncton), ingerido por várias espécies de peixes cultivados ao mesmo tempo. Porém, se houver excesso de matéria orgânica nos viveiros, causado pela introdução de grande quantidade de dejetos dos porcos, a qualidade da água pode ser afetada e inviabilizada para outros usos.

Para que isso não aconteça, uma das principais preocupações dos pesquisadores é determinar a capacidade de assimilação dos viveiros, o que depende da quantidade de matéria orgânica adicionada e também de como os produtores cuidam de seus viveiros. Atualmente, estão sendo realizados estudos através da parceria entre a Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Santa Catarina) e a Embrapa para determinar a sustentabilidade ambiental e sócio-econômica desse tipo de sistema de produção, que já conta com várias alternativas para produzir e prevenir possíveis impactos ambientais.

Através do estudo de análise emergética da aquicultura na região Centro Oeste, será possível sugerir aos produtores alternativas mais sustentáveis para o desenvolvimento da aquicultura no local, antes que a degradação ambiental se torne irreversível. Os cuidados com o meio ambiente não são suficientes para o desenvolvimento da aquicultura sustentável, pois os aspectos sócio-econômicos são indissociáveis dos ambientais. No entanto, isso não parece ser um problema para a equipe de pesquisadores envolvidos no projeto: "No Brasil, os pesquisadores envolvidos na pesquisa de aplicação da análise emergética para a piscicultura estão também muito interessados em utilizar esta ferramenta para o estudo da viabilidade sócio-econômica da aquicultura nas regiões estudadas", afirma Ortega.

Análise emergética e bagres do canal: um exemplo a ser seguido

As criações de bagres do canal (Ictalurus punctatus) do Alabama, EUA, têm sido muito questionadas quanto aos aspectos ambientais. Estas criações tiveram início nos EUA, nos anos 60 e, desde então, têm apresentado um crescimento intenso. Atualmente, é a atividade mais representativa da aquicultura norte-americana. Os estudos que utilizaram análise emergética, realizados por pesquisadores da Unicamp, Embrapa e pela Universidade de Auburn, EUA, nas fazendas de bagres do canal da região de Alabama, EUA, forneceram dados práticos que poderão possibilitar uma produção mais sustentável.

Para fazer a análise emergética das produções de bagre do canal foram utilizados os dados coletados durante vários anos pelos produtores e pesquisadores locais, sob a coordenação do Departamento de Pesca e Aquicultura da Universidade de Auburn. Os dados foram coletados em fazendas típicas da região, que tinham em média cerca de 40 hectares de viveiros. Todos os insumos materiais e energéticos foram contabilizados em termos de equivalentes em energia solar, através de fatores de conversão de energia chamados transformidades. Dessa forma, foram quantificadas as energias necessárias para a produção de bagres do canal nos viveiros da região do Oeste do Alabama. Esses fluxos foram agregados para obter índices que permitiram identificar os pontos críticos daquele sistema de produção.

Segundo Júlio Queiroz, pesquisador da Embrapa, os estudos sobre a sustentabilidade ambiental dos sistemas de aquicultura são muito importantes, uma vez que eles podem fornecer informações para a tomada de medidas práticas para a regulamentação da atividade. A cooperação entre os produtores de bagres do canal e os ambientalistas já existe nos EUA há alguns anos. Queiroz conta que os produtores de bagres do canal contrataram a Universidade de Auburn para fazer uma avaliação ambiental das criações: "Coletamos água, fizemos análises físico-químicas em laboratório e determinamos os elementos que poderiam estar prejudicando o meio ambiente. Foram determinados os pontos críticos dos sistemas de produção e de qualidade de água. Com os pontos críticos em mãos fomos até os produtores para saber se eles estariam dispostos a contribuir com algumas ações práticas para melhorar a qualidade da água utilizada".

Queiroz afirma que essas ações foram chamadas de boas práticas de manejo, e que serão utilizadas para a elaboração de uma regulamentação ambiental para a aquicultura. "Isso vai compor os códigos de conduta da aquicultura e deve fazer parte de uma legislação que tem como objetivo certificar a produção de bagres do canal com um rótulo verde, ou seja, que comprove que esses produtores trabalham de uma forma ambientalmente sustentável", afirma. Paralelamente, foi feita uma avaliação sócio-econômica dos sistemas de produção.

Os pesquisadores chegaram à conclusão de que o sistema de produção estudado é intensivo e consome muitos materiais, energia e serviços. Por outro lado, se comparada a qualquer outro sistema de produção animal daquela região, a produção de bagres é menos dependente de recursos naturais não renováveis.

Os produtores locais, ao adotarem melhores práticas de manejo, poderão melhorar os índices emergéticos do sistema e tornar a produção mais sustentável. No mercado internacional de alimentos, produtos ambientalmente sustentáveis são os que mais têm conquistado os consumidores.

Conclusões dos pesquisadores sobre as fazendas de bagre do canal do Alabama (EUA)
  • Cerca de 76% da emergia utilizada na produção de bagres do canal provém de recursos naturais não renováveis, por isso essa atividade pode ser considerada como pouco sustentável
  • Os valores obtidos para bagres do canal são melhores que o índice de sistemas agrícolas convencionais (que utilizam mais energia por unidade de massa de produto), mas poderiam ser ainda melhores com a incorporação de procedimentos ecológicos na produção.
  • Os sistemas de produção de bagres do canal são muito menos impactantes e mais sustentáveis que os sistemas de produção de outros animais na região como porcos, aves ou gado confinado.


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    Atualizado em 26/07/2002

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