Astronauta
realiza o sonho de milhares de brasileiros
O
major Marcos César Pontes está prestes a realizar o sonho de milhares
de pessoas desde a infância. Ele é o primeiro astronauta brasileiro
na Nasa. Natural de Bauru, interior de São Paulo, o major Pontes formou-se
em Engenharia Aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica
(ITA) e concluiu o mestrado em Engenharia de Sistemas pela Naval Postgraduate
School (Califórnia/EUA).
Entre milhares de concorrentes estrangeiros, Pontes foi selecionado
pela Agência Espacial Brasileira (AEB) juntamente com outros 40 e depois
escolhido entre cinco candidatos. O treinamento e o envio de um astronauta
brasileiro à Estação Espacial Internacional (ISS, em inglês) faz parte
do acordo de cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos para este
grande projeto que envolve 16 países.
Em agosto de 1998, ele iniciou o treinamento no Johnson Space Center
(Houston/Texas). A partir daí, passou a integrar a 17ª turma, com 32
candidatos, entre os quais seis de fora dos Estados Unidos, sendo um
do Brasil, dois da Itália, um da Alemanha, um da França e um do Canadá.
Sua rotina de trabalho inclui muito treinamento, preparo físico e avaliações.
De acordo com a Agência Espacial Brasileira, o preparo dos astronautas
inclui vôos na aeronave T-38 Talon, com atividades de ejeção, treinamento
de sobrevivência em terra e na água - realizado também em clima frio
(neve) e em submarino - aulas e simuladores sobre sistemas do ônibus
espacial e da ISS, estudo de diversas áreas da ciência relacionadas
à atividade espacial e cargas úteis - como astronomia, geologia, aerodinâmica,
mecânica orbital, mecânica de vôo, biologia, ecologia, meteorologia,
atendimento médico de emergência, microgravidade e sensoriamento remoto
-, além de vôos parabólicos, com duas horas de duração, no simulador
"zero-G".
O
major Pontes acabou de concluir esta primeira fase de treinamento e
garantiu, com isso, o título de astronauta e sua integração à equipe
de tripulantes da Nasa. O astronauta brasileiro deverá ir à ISS nos
próximos anos, assim que o Brasil lançar uma das peças, o Palete
Expresso, que se integrará à Estação.
Com Ciência - Como sua formação acadêmica e profissional contribuíram
na preparação para a carreira de astronauta?
Marcos César Pontes - Minha formação é uma mistura da área
técnica com a área operacional. Essa mistura veio a ser muito útil para
a carreira de astronauta. Na verdade, o astronauta é exatamente isso:
um tripulante operacional de um veículo extremamente complexo com formação
técnica adequada para executar experimentos no espaço em coordenação
com o solo. Na área técnica minha formação é de eletrotécnico, técnico
em ensaios industriais não-destrutivos, engenheiro aeronáutico e mestre
em engenharia de sistemas. Na área operacional sou paraquedista, mergulhador,
piloto de combate, piloto de provas e investigador de acidentes aéreos.
Com Ciência - Quais serão suas funções na Estação Espacial?
Pontes - Sou um especialista de missão (MS - Mission Specialist).
Esta categoria tem como responsabilidade a manutenção e a operação dos
sistemas da Estação Espacial, assim como a execução de quaisquer experimentos
científicos.
Com Ciência - Qual o treinamento que você está recebendo atualmente
para as viagens?
Pontes - Acabei de completar a Fase Básica de treinamento (dois
anos), que teve início em agosto de 1998. Depois disso, seguirei para
o Programa de Treinamento Continuado (manutenção operacional) com duração
indeterminada. Essa fase se inicia quando termina a Fase Básica e é
prorrogada até o início do Treinamento Específico de Missão. Após realizar
uma missão (vôo), retornamos ao Treinamento Continuado, aguardando para
o próximo vôo, assim por diante. Passarei então para o Treinamento Específico
de Missão, que se inicia quando a tripulação é escalada para uma missão
e dura cerca de um ano. Os treinamentos cobrem todas as áreas do conhecimento
necessárias para a operação segura de todos os sistemas dos veículos
(ônibus espacial e ISS), execução de tarefas específicas tipo Atividade
Extra-Veicular (EVA) e Robótica, e execução de experimentos.
Com Ciência - Como você encara a participação do Brasil na Estação
Espacial Internacional e quais os benefícios que o País terá com este
Programa?
Pontes - São muitas as vantagens da participação Brasileira na Estação
Espacial Internacional. Entre elas, podemos citar a possibilidade de
nosso meio científico ter acesso a um laboratório com condições bastante
especiais para a realização de pesquisas, além do reconhecimento de
nossa capacidade industrial, o que no futuro pode se traduzir em mais
empregos e vários avanços tecnológicos resultantes das pesquisas a serem
realizadas na Estação.
Com
Ciência - Notei que você tem procurado manter contato e proximidade
com a sociedade, através da mídia, de palestras e visitas que realiza.
Qual a importância de o primeiro astronauta do Brasil estar divulgando
essa nossa conquista?
Pontes - O nosso país é lindo, com um potencial enorme, não só em
recursos naturais mas, principalmente, em recursos humanos jovens. Acho
que todos precisamos acreditar mais e ter orgulho do que somos, de onde
viemos, das nossas raízes. Comecei como eletricista na RFFSA, em Bauru.
Não tenho nada de especial, sou uma pessoa comum, mas acredito nos meus
sonhos, nas minhas raízes. A mim foi confiado representar o país nesse
programa. Sinto extrema satisfação e responsabilidade nisso. Acredito
que, além de qualquer contribuição científica que eu possa dar ao país
com meu trabalho, grande parte da minha função está em incentivar nossos
jovens e contribuir para que a visão de nossa bandeira, entre outras
grandes nações do mundo, nos encha de orgulho.
Com Ciência - Qual a repercussão que a formação do primeiro astronauta
do País está tendo na sociedade?
Pontes - Espero que ajude a incentivar o futuro dos jovens e o orgulho
de ser brasileiro.
Com Ciência - A profissão de astronauta até pouco tempo atrás estava
restrita aos sonhos de crianças, distante da realidade de qualquer brasileiro.
Como você vê a realização desse sonho e a participação de brasileiros
na função de astronauta?
Pontes - Considero a participação do Brasil em projetos de alta
tecnologia uma conseqüência mais do que justa do esforço e da capacidade
de nossos profissionais. Estou aqui realizando esse sonho "sozinho",
por assim dizer. Contudo tenha a certeza de que carrego comigo o apoio
e o "sonho" de inúmeras pessoas.
Com
Ciência - Neste ano, possivelmente, o Brasil estará selecionando o segundo
astronauta, assim que a NASA abrir vagas para estrangeiros. Em sua opinião,
como o Brasil tem formado profissionais e pesquisadores para atuarem
como astronautas?
Pontes - Temos todas as condições para fornecer excelentes tripulantes.
Com Ciência - Em sua opinião, quais os requisitos necessários aos
candidatos a astronauta, além da formação e experiência profissional
exigidas?
Pontes - Consciência de grupo, respeito e carinho pelas pessoas.
Com
Ciência - Quais os medos e riscos reais de acidentes para os astronautas
na Estação Espacial?
Pontes - Sistemas espaciais são, por natureza, complexos quando
se tratam de sustentar vidas em um ambiente bastante diferente das condições
normais encontradas na Terra. É possível que aconteçam falhas. Condições
sérias de emergência podem ser associadas a muitas falhas diferentes.
Descompressão rápida de módulos e vazamento tóxico são, contudo, emergências
que exigem uma atitude imediata. Todo este treinamento existe para sabermos
como atuar com isso e sanar problemas. Minha formação operacional como
piloto é muito importante nesse sentido, não só pelo conhecimento técnico,
mas, principalmente, pela "preparação emocional" para essas situações.