Objetivos
científicos no espaço
O
Dr. Luiz Gylvan Meira Filho, presidente da Agência Espacial Brasileira,
é engenheiro eletrônico, formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica
(ITA/CTA), e Doutor em Astrogeofísica pela Universidade do Colorado
(EUA). Nesta entrevista, ele fala da importância da participação do
Brasil nos projetos espaciais, do retorno dos investimentos em tecnologia
espacial e das expectativas em torno do projeto da Estação Espacial
Internacional.
Com
Ciência - Que atividades os tripulantes da Estação Espacial Internacional
(ISS, em inglês) irão desempenhar lá?
Dr. Luiz Gylvan Meira Filho - Além do pilotar a nave espacial que
vai chegar até a ISS, a tripulação vai realizar experimentos científicos
e tecnológicos nas áreas de biotecnologia, biologia gravitacional (a
influência da ausência de gravidade na biologia do ser humano), experimentos
de Física, comportamento dos fluídos na ausência de gravidade, Física
de Baixa Temperatura, combustão e confecção de novos materiais.
Com
Ciência - Que tipos de experimentos científicos são feitos no espaço
que não podem ser feitos na Terra?
Dr. Gylvan - Certos fenômenos físicos se comportam de modo completamente
diferente na ausência de gravidade. Por exemplo, certos cristais se
formam de maneira diferente em um ambiente de microgravidade. Isso abre
certas perspectivas, principalmente na área médica, como os cristais
de proteínas para o desenvolvimento de vacinas. No caso da Astronomia
há a vantagem de se estar fora da atmosfera e poder visualizar os astros
de maneira mais nítida. Além disso, os tripulantes podem obter imagens
diferentes das conseguidas por satélites, por serem selecionadas por
pessoas e não por máquinas.
Com
Ciência - Já há algum resultado desse tipo de pesquisa que faça parte
do cotidiano das pessoas?
Dr. Gylvan - Na parte da observação da Terra, as observações que
se faz do que está acontecendo na Amazônia são um bom exemplo da aplicação
desses conhecimentos. Há diversos materiais que já foram desenvolvidos
graças a esses experimentos e que afetam a vida das pessoas, por exemplo,
crescimento de cristais em ambiente de microgravidade e sua aplicação
no desenvolvimento de medicamentos.
Com
Ciência - Qual a vantagem de se enviar seres humanos a uma estação espacial?
O que eles podem fazer lá que não poderia ser feito por máquinas?
Dr. Gylvan - Embora hoje tenhamos computadores avançados, o cérebro
humano é ainda, felizmente, completamente insubstituível na capacidade
de julgamento, de pensamento racional. Há filmes de ficção científica,
como 2001: Uma Odisséia no Espaço, de Arthur Clark, em que um
computador criou vida, mas isso só acontece em ficção científica; na
realidade os computadores são incapazes de fazer julgamento. A maravilhosa
capacidade do cérebro humano de selecionar informações e fazer julgamentos
não pode ser feito por máquinas.
Com
Ciência - Qual a vantagem de se enviar seres humanos para Marte? O que
eles poderiam fazer lá que não poderia ser feito por máquinas?
Dr. Gylvan - Conhece-se muito pouco do que existe em Marte. Muitas
análises sobre esse planeta são impossíveis de serem feitas por máquinas.
Pode-se programar um daqueles robozinhos para colher amostras, trazer
para a Terra e, dependendo dos resultados dos materiais, pode-se fazer
outras análises. Por outro lado, se houver um ser humano em Marte, ele
fará imediatamente essas análises. Marte é um mundo novo cheio de surpresas,
desconhecido. Por isso, deve haver um homem que decida na hora o que
deverá ser feito.
Com
Ciência - De 1969 a 1972 foram feitas seis viagens tripuladas à Lua.
Porque nenhuma outra foi realizada desde 1972?
Dr. Gylvan - Aquela época correspondeu a um ciclo de exploração.
A tecnologia foi desenvolvida, o investimento foi realizado e, por isso,
não havia sentido em realizar apenas uma viagem. Além disso, para analisar
todas as informações colhidas nessas viagens levou-se muito tempo. As
pesquisas não pararam, foi apenas um período de avaliação e reflexão
para planejar a nova série de experimentos. Há um objetivo mais ambicioso
de ir a Marte, mas dentro do mesmo programa. Com a construção de foguetes
que podem ir a Marte, também haverá viagens à Lua.
Com
Ciência - Qual o retorno para o Brasil em termos de transferência de
tecnologia, com a participação brasileira na ISS, já que a Embraer contrata
terceiros para construir o hardware que o Brasil tem que fornecer?
Dr. Gylvan - A Embraer contrata terceiros por questão de bom senso
econômico. Muitos equipamentos que possuímos, como os computadores,
mesmo que sejam de uma empresa norte-americana, possui peças que são
feitas em outros países. Os aviões da Embraer, uma indústria nacional,
trazem, também, diversos componentes que são fabricados em outros países.
Isso não torna esses aviões menos brasileiros. O importante é a capacidade
que o Brasil tem de projetar, fazer funcionar e garantir que funcione
e não, especificamente, fabricar todas as peças do equipamento. Ao fazer
isso, ela estará gerando empregos e mão-de-obra qulaificada.
Com
Ciência - Qual a importância para o Brasil da participação da iniciativa
privada em projetos espaciais?
Dr. Gylvan - A empresa privada absorve a tecnologia desenvolvida
nos institutos de pesquisa e a emprega em muitas coisas e até mesmo
em produtos de consumo. Um exemplo notável no CTA é de uma tecnologia
desenvolvida para o VLS - nosso foguete lançador de satélite -, que
está sendo aplicada na área médica para construir equipamentos eletrônicos
para a medicina.
Com
Ciência - Quais os benefícios e a importância para o Brasil de enviarmos
um astronauta à Estação Espacial?
Dr. Gylvan - Há vários aspectos. Um deles é que ninguém sabe o que
será encontrado nessas explorações espaciais. O Brasil, ao participar
desse projeto, garante os ganhos que se terá em termos de conhecimento
e de tecnologia.
Com
Ciência - Como o Brasil vem preparando recursos humanos (formação de
pesquisadores e profissionais) na área de tecnologias espaciais?
Dr. Gylvan - O Brasil tem grandes escolas de engenharia, como o
Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o Instituto Militar de Engenharia,
a Universidade de São Paulo, a Universidade de Campinas e a Universidade
Federal de Santa Catarina, que são os melhores departamentos de engenharia
do Brasil. A Agência Espacial Brasileira tem fornecido recursos para
incentivar essas boas escolas de engenharia a formarem os engenheiros
que, futuramente, irão trabalhar na área espacial.
Com
Ciência - Qual a importância econômica do investimento brasileiro em
tecnologias espaciais?
Dr. Gylvan - De todas as tecnologias de ponta, a espacial é a que,
historicamente, tem rendido maior benefício econômico. O investimento
na área espacial traz benefícios de duas formas. Os benefícios diretos,
ligados à geração de novos produtos, e os chamados indiretos, que são
os ganhos advindos da capacitação industrial.
Com
Ciência - Qual é a visão da AEB sobre as notícias que foram veiculadas
recentemente sobre o aumento do orçamento projetado para a participação
brasileira na ISS?
Dr. Gylvan - Não houve aumento do orçamento projetado. Saíram notícias
na Gazeta Mercantil de que alguns fabricantes estavam estimando que
fazer os aparelhos que o Brasil vai construir custaria mais caro que
o originalmente previsto. Eu falei pessoalmente com a diretoria da Embraer
e eles disseram que isso não é verdade e que é um pouco de propaganda
de fornecedores, que nem foram contratados ainda, que gostariam de ser
contratados e que ficam colocando essas notícias no jornal, para ver
se a Embraer paga mais para eles. Aliás, eu acho lamentável que a imprensa
pegue essas fofocas e as divulgue. A estimativa feita pela NASA é de
que a ordem de grandeza desses custos é de US$ 120 milhões. É isso.
Com
Ciência - Além da Estação Espacial, quais os projetos espaciais mais
importantes dos quais o Brasil participa?
Dr. Gylvan - Com certeza, em termos de visibilidade, o desenvolvimento
do Veículo Lançador de Satélite Nacional - o VLS-1 - é o aspecto mais
importante do programa espacial brasileiro, não só pelo porte, mas pelo
significado, pois apenas nove países do mundo já conseguiram colocar
um satélite em órbita da Terra e o Brasil será o décimo. O grande satélite
chinês e brasileiro, um satélite enorme, de uma tonelada e meia, e que
está tirando fotos da Terra, é um grande orgulho da capacidade da engenharia
brasileira. Esse satélite tem a mesma qualidade dos satélites norte-americanos
e isso não é um feito pequeno para um país em desenvolvimento como o
Brasil. De modo diferente, o Centro de Lançamento de Alcântara tem um
potencial de primeira linha no cenário internacional, inclusive com
a possibilidade de uso para fins comerciais.
Com
Ciência - Qual a visão da Agência Espacial Brasileira a respeito da
posição contrária da SBPC em relação ao acordo Brasil-Estados Unidos
para a Base de Alcântara?
Dr. Gylvan - A SBPC disse que gostaria de participar mais do debate
sobre a política espacial brasileira, incluindo o uso comercial de Alcântara.
O governo está completamente de acordo e está sendo organizado um debate
no dia 16 de fevereiro em Brasília, atendendo a essa solicitação. Nessa
ocasião haverá um debate sobre os vários aspectos do programa espacial
brasileiro. É evidente que em um programa tão abrangente existam opiniões
diferentes.