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Internacionalização
foi lucrativa para as empresas multinacionais
Fernando Siqueira
Modelo
do setor petróleo não beneficia consumidor
Maurício Tolmasquim
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Modelo
do setor petróleo não beneficia consumidor
Em entrevista à ComCiência, Maurício Tolmasquim, coordenador
do Centro de Economia Energética e Ambiental da COPPE/UFRJ fala
dos entraves para o funcionamento ideal da Agência Nacional do Petróleo
e critica a idéia para o novo modelo do setor, que coloca a competição
como o objetivo em si e não como um meio para se alcançar
a qualidade de produtos e preços adequados ao consumidor. Tomalsquim
enfatiza que o modelo competitivo no setor de petróleo é
irrealista, devido às suas características intrinsecamente
monopolistas. Outra consequência do modelo, segundo o pesquisador,
é o mal aproveitamento da auto-suficiência brasileira no
setor. A internacionalização obrigaria o reajuste dos preços
no país a cada vez que os valores do câmbio e do barril de
petróleo fossem alterados no exterior. "Não estamos
usufruindo do fato de produzir grande parte do petróleo que consumimos",
ressalta.
ComCiência
- Qual a sua avaliação em relação ao desempenho
da Agência Nacional do Petróleo, a ANP?
Maurício Tolmasquim - A ANP teve sucesso principalmente na
área upstream (segmentos da exploração e produção)
e na licitação de blocos de energia, porém, na área
de distribuição, ela não conseguiu evitar problemas
de fraude, tanto fiscal como de mistura de água ou outros produtos
na gasolina. Ela também não foi capaz de evitar que houvesse
cartel de revendedores e distribuidores na área de distribuição
e revenda de gás liquefeito de petróleo, o GLP, ou gás
de cozinha. E isso tem sido bastante danoso para o consumidor.
Por outro
lado, por falha do Ministério das Minas e Energia e do Conselho
Nacional de Política Energética, o CNPE, em formularem políticas
para o setor, a ANP tem extrapolado suas funções e tem,
em certos momentos, ela mesma formulado políticas. Um exemplo disso,
bastante atual e que está gerando grande polêmica entre o
governo de transição e a ANP, diz respeito à licitação
dos blocos atuais, porque caberia ao CNPE formular uma política
de licitação e à ANP caberia executar essa política.
Na realidade, dado o fato de que o CNPE não tem cumprido essa sua
função, a ANP tem assumido essa função que
não caberia a ela. Cabe a ela licitar, mas não determinar
que blocos serão licitados, ou determinar os critérios da
administração dos mesmos. Isso faz parte da política
e os responsáveis por formular essa política são
o CNPE e o Ministério de Minas e Energia. Eu diria que a ANP teve
uma atuação melhor que a Aneel [Agência Nacional de
Energia Elétrica, responsável por regular o setor de energia],
por exemplo, mas mesmo assim ainda não é uma atuação
ideal. Ela ainda tem que se aperfeiçoar.
ComCiência
- E qual seria o papel da agência no controle de preços?
Tolmasquim - Cabe a ela regular os preços, mas a grande questão
no que diz respeito a evitar que se formem cartéis, é saber
se essa missão é dela ou do Cade [Conselho Administrativo
de Defesa Econômica]. Devido a essa indefinição, os
cartéis continuam prevalecendo. É um problema do sistema
governamental de agências Cade/ANP. A ANP tem que evitar que esses
cartéis ocorram, ou acionando o Cade ou agindo diretamente. Mas,
para agir diretamente, ela estaria extrapolando suas funções.
Se é assim, ela deve acionar de alguma forma o Cade.
ComCiência
- A partir do fim do monopólio, o papel da execução
dos serviços geológicos ficou a cargo da ANP. Como isso
está sendo feito?
Tolmasquim - Em função do monopólio, toda a competência
na área de petróleo do país estava concentrada na
Petrobras. O que aconteceu? Quando se criou a ANP, não era possível
usar os funcionários da Petrobras porque, claro, eles trabalhavam
para um órgão regulado. Mas não existia outra competência
no país. Pouco a pouco, muitos funcionários que se aposentaram
da Petrobras foram para a Agência. E um pessoal mais jovem que está
sendo formado pelas universidades - mesmo aqui do meu programa de pós-graduação-
foram para a ANP. Mas de qualquer maneira, não dá para comparar
a diferença em termos de competência, o que não poderia
ser diferente dado a história muito recente da ANP e história
longa da Petrobras. A ANP não tem uma capacitação
técnica à altura da Petrobras. Seja de pessoal, seja ferramental
e isso vai levar um tempo para ser constituído. Nesse sentido,
não só na parte da geologia, mas em todas as áreas
da ANP, há uma assimetria de competências em relação
à Agência e a Petrobras. E de informação também,
porque as informações ainda estão concentradas na
Petrobras, o que dificulta muito a atividade de regulação,
pois a agência não tem competência técnica no
nível do regulado nem estrutura de informação condizente.
Esse é um dos grandes entraves. É preciso que seja feito
um esforço de, em primeiro lugar, constituição dos
quadros de forma permanente da agência. Segundo, de capacitação
contínua desses quadros e, terceiro, de constituição
de bancos de dados e de procedimentos de geração de informação
para poder contestar informações fornecidas pelas empresas
petrolíferas, dentre as quais a própria Petrobras. Mas isso
é algo que vai levar um bom tempo, pois não se cria essa
competência da noite para o dia. E isso se refere a todas as áreas,
não só as informações geofísicas, mas
também o estágio das refinarias, a questão dos dutos,
ou seja, tudo.
ComCiência
- Quanto aos estudos de tendências, viabilidade econômica
Tolmasquim - Claro, isso também. São estruturas organizacionais
diferentes. A Petrobras tem uma estrutura organizacional inúmeras
vezes maior do que a ANP. Não só maior, mas também
com uma história mais longa. E o fato dela realizar a atividade
a obriga a ter um nível de capacitação e informações
que a ANP não tem, tais como o custo de extração
do petróleo, os dados em termos geofísicos, entre outros.
É muito mais fácil para a Petrobras conseguir isso.
ComCiência
- Então a ANP ainda não é independente em relação
às informações do setor petróleo e gás?
Tolmasquim - Ela ainda está engatinhando nisso. Teve alguns
progressos, mas ainda é pouco. Vai ser muito difícil chegar
a um equilíbrio. O fato de se ter uma empresa muito grande de petróleo,
como a Petrobras, dá a ela um poder de capacitação
técnica e de geração de informação
que não tem como competir. A ANP dificilmente vai conseguir ultrapassar
essa competência da Petrobras, por uma questão de escala
mesmo. Com a Aneel, por exemplo, é diferente. Quando se estuda
regulação, um dos itens que se aprende é o que se
chama de assimetria da informação, que é quando o
regulador não consegue ter o mesmo nível de informação
do regulado. Isso é comum, mas muito mais no caso do petróleo,
porque as empresas são muito grandes. Daí decorre que essa
idéia de introdução desse modelo competitivo no setor
de petróleo, é uma idéia de certa maneira irrealista,
porque o setor petrolífero é notoriamente um setor monopolista.
Não tem como introduzir essa competição.
ComCiência
- Nem mesmo em relação à revenda é possível
ter esse modelo?
Tolmasquim - Pode-se introduzir essa competição a um
nível da revenda, claro, mas mesmo assim, é possível
observar a dificuldade que se tem para ter preços competitivos
em alguns combustíveis. Quando se abaixa o preço na refinaria,
não abaixa proporcionalmente, como deveria, na bomba. E por quê
não? Porque pela teoria econômica, se fosse um mercado perfeitamente
competitivo, deveria baixar. Mas não abaixa porque os agentes aproveitam
para aumentar sua margem de lucro. Dado que existem essas falhas do mercado,
que o mercado por si não leva a isso, cabe à agência
interferir de alguma forma nesse preço. Não estou falando
que a ANP tenha que controlar o preço, mas tem que ter algum mecanismo
para proteger o consumidor. No caso do GLP isso é nítido.
Chegou a um ponto em que os consumidores mais pobres estavam quebrando
caixotes nas ruas para fazer fogueira para poder cozinhar. É inconcebível
que isso seja mantido.
Há
um outro problema grave, mas aí não é um problema
da ANP, mas da concepção do modelo do setor do petróleo.
Com essa idéia de ter uma abertura das importações,
o preço do derivado no país foi vinculado ao preço
do derivado externo. O preço daqui tem que seguir o preço
do combustível do exterior pra poder viabilizar a importação
do produto. Se o produto daqui estiver mais baixo, não pode ter
competição. Mas na hora que se faz isso, o preço
no Brasil fica mais alto do que precisaria. Porque em momentos como o
de aumento de preço do petróleo externo ou de desvalorização
cambial, os preços dos combustíveis aqui sobem muito mais
do que seria necessário. O grande sucesso que foi aumentar a autosuficiência
do petróleo não é aproveitado pelo país. Uma
das vantagens de ser autosuficiente em petróleo é que se
reduz a sua vulnerabilidade externa, mas se, cada vez que aumenta o preço
do petróleo fora, o preço do combustível aqui sobre
também e a todo momento que o câmbio é desvalorizado,
o preço do derivado aqui também aumenta. Dessa maneira,
a vulnerabilidade aos choques externos está sendo mantida. Não
estamos usufruindo do fato de produzir grande parte do petróleo
que consumimos.
ComCiência
- E a ANP considera sua missão estimular essa competição?
Tolmasquim - Uma vez eu entrei num debate com a ANP porque eles tinham
a visão de que a missão deles é garantir que haja
a competição. Para eles, havendo a competição
é possível garantir que haja preços adequados, qualidade
de produto, enquanto para mim essa é uma visão inadequada.
A missão da ANP não é garantir que haja a competição,
mas sim garantir que o preço seja o mais justo possível
para o consumidor, ou para os outros agentes, garantir uma universalização
do serviços e que os investimentos ocorram. Se, para isso, o melhor
mecanismo é a competição, então que se promova
essa competição. Mas se não for a competição
que se utilize outros instrumentos, como regulação do preço,
vistoria da qualidade dos produtos, ou outros. Ou seja, a missão
dela estava colocada de maneira equivocada, o que leva a ações
equivocadas. Se for considerado que a missão é garantir
a concorrência a qualquer custo, você é levado a situações
esdrúxulas como a que estamos vivendo hoje que, para ter uma competição
do produto nacional e do importado, somos levados a aumentar o preço
do produto. Nota-se aí uma inversão dos objetivos, pois
deveria ser o contrário. O meio, que era a competição,
passou a ser o fim.
ComCiência
- Em relação aos assuntos ligados ao meio ambiente, como
tem sido a atuação da ANP?
Tolmasquim - Em relação ao meio ambiente existe uma
crítica à ANP porque ela licita as áreas e, depois,
quem ganhou a concessão tem que conseguir a licença ambiental.
Isso está gerando uma grande crítica dos investidores porque,
às vezes, ele leva anos para conseguir essa licença e às
vezes nem consegue. Isso aumenta muito os riscos e a tensão dos
investidores. O que deveria haver é que antes de se colocar os
blocos para licitar, deveria conseguir a licença ambiental. Outra
coisa é que nesses úlimos dois anos houve vários
acidentes em termos de petróleo, afetando o meio ambiente. É
claro que a ANP tem agido e a Petrobras também, mas de qualquer
maneira é um sinal de que as coisas não estão funcionando
como deveriam. A ANP tem um papel em relação a isso e acho
que é necessário fortalecer esse papel.
ComCiência
- E em quanto tempo se consegue essa licença?
Tolmasquim - Varia muito porque há muitas exigências.
Na verdade, o órgão ambiental está cumprindo a função
dele, mas acaba sendo o grande vilão. Eu estive num seminário
sobre petróleo na Inglaterra e a grande crítica deles é
quanto à essa questão ambiental. Eles ficam malucos porque
adquirem o bloco, mas não conseguem produzir, porque caem no problema
das exigências. Isso tem que ser visto previamente.
ComCiência
- Em relação ao quadro funcional da Agência, grande
parte dos funcionários são temporários. Isso pode,
de alguma forma, prejudicar o seu funcionamento?
Tolmasquim - Sem dúvida. A ANP, assim como a Aneel, tem uma
grande parte de seu quadro de funcionários temporários.
O que acontece é que quando o funcionário está capacitado
e tem experiência para trabalhar na área, vai vencer o contrato
e terá que ser substituído. Essa falta de estabilidade,
de continuidade, é bastante prejudicial para a criação
de uma cultura de regulação na empresa e também para
a capacitação da empresa. Então, é urgente
estabilizar o quadro, realizando concursos públicos.
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