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Internacionalização foi lucrativa para as empresas multinacionais
Fernando Siqueira

Modelo do setor petróleo não beneficia consumidor
Maurício Tolmasquim

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Internacionalização foi lucrativa para as empresas multinacionais

A Associação dos Engenheiros da Petrobras reúne hoje mais de 4 mil sócios em todo país, todos funcionários da empresa com nível universitário. É um dos objetivos da associação é defender a idéia do monopólio estatal do petróleo. Nos últimos anos, a associação notabilizou-se, principalmente, pela sua oposição à transformação do modelo de gestão da própria Petrobras como de todo o setor de petróleo brasileiro. Quando dos acidentes com as plataformas P-36 e P-34, a Aepet veio à público apontar o processo de terceirização da empresa como um dos principais responsáveis. Seu presidente, o engenheiro Fernando Siqueira, afirma que a terceirização tem servido apenas para explorar a mão-de-obra. Os profissionais seriam "mal treinados, mal assistidos, mal remunerados e mal capacitados". Mas as críticas mais duras de Siqueira se referem ao modelo de gestão da companhia, em que empresas de consultoria financeira internacionais teriam se aproveitado de informações privilegiadas para conseguir lucros espantosos na bolsa de valores. Nesta entrevista à ComCiência, ele também critica as dificuldades para a requalificação dos engenheiros empregados e diz que as empresas multinacionais de petróleo que se instalaram no Brasil trazem seus técnicos de outros países, deixando de utilizar a mão-de-obra nacional.

ComCiência - Como a Aepet avalia as reformas que foram introduzidas na Petrobras nos oito anos da última administração federal?
Fernando Siqueira -
A nossa avaliação é a de que estes oito anos foram os que mais puseram em risco a sobrevivência da Petrobras como empresa brasileira. Ainda como ministro da fazenda, o presidente Fernando Henrique Cardoso promoveu uma alteração na estrutura de preços do setor petróleo que transferiu da Petrobras para o cartel das distribuidoras cerca de US$ 3 bilhões por ano. Isto foi feito da seguinte forma: nos cinco meses que antecederam à URV (unidadereal de valor), foram dados dois aumentos por mês nos preços dos derivados de petróleo para compensar a subida diária do dólar. Lembramos que a Petrobras comprava o petróleo em dólar e o repassava para o mercado nacional em cruzeiros, correndo todos os riscos cambiais e de elevação do preço internacional do petróleo. Em cada um desses aumentos, a parcela da Petrobras foi sempre reajustada abaixo da inflação, enquanto o aumento das distribuidoras era sempre superior à inflação. Assim, de 8 de dezembro de 1993 a 26 de abril de 1994 a Petrobras teve um aumento da ordem de 390%, para uma inflação de 436%, enquanto as distribuidoras tiveram um aumento de 602% no mesmo período. Também no final de 1993, o então ministro efetivou um corte de 52% no orçamento anual da Petrobras, inviabilizando a empresa. A proposta orçamentária foi baseada em planos plurianuais que previam a contratação de barcos, empresas, compras de equipamentos e outras atividades fundamentais ao funcionamento da companhia. Se alguém, sem nenhuma análise fundamentada, efetiva um corte desta magnitude, o resultado é a paralisação da empresa. Nem mesmo o custeio era contemplado. Essa paralisação só não ocorreu porque estourou o escândalo do orçamento no decorrer de 1994 e o corte foi esquecido. Todavia, perdeu-se mais de 4 meses na tentativa de repriorizar os projetos e rediscuti-los com o Ministério da Fazenda.

ComCiência - Mas, e a partir da posse do presidente Fernando Henrique?
Siqueira -
Em 1995, já como presidente da República o sr FHC ressuscitou o emendão do governo Collor e enviou ao congresso a proposta de modificação da Constituição em 5 assuntos da ordem econômica. Entre eles, propunha a quebra do monopólio estatal do petróleo. Com barganhas, pressões, chantagens e outros artifícios, conseguiu o seu intento depois de 42 anos de tentativas das multinacionais. Em 1997, FHC conseguiu aprovar o projeto de lei por ele enviado para regulamentar a mudança constitucional - a nova lei do petróleo (número 9478/97). Nessa lei, foram inseridos vários artigos que ferem a Constituição e se prestam a facilitar a privatização/desnacionalização da Petrobras. O artigo 26 dá às empresas que produzirem o petróleo a propriedade dele. O artigo 60 permite que o petróleo seja exportado. O artigo 64 permite criar subsidiárias e privatizá-las.

ComCiência - Mas até aí não havia começado o processo de venda das ações...
Siqueira -
Em 1998, o governo iniciou um processo de venda de ações altamente pernicioso: em primeiro lugar porque as ações foram vendidas por um preço muito abaixo do valor real (pelo novo artigo 26 supracitado as reservas de 19 bilhões de barris que a Petrobras descobriu passaram a pertencer a ela). Em segundo lugar porque, sob a desculpa de avaliação das ações, o governo colocou seis empresas estrangeiras no 12o andar do edifício-sede da Petrobras com direito a examinar todos os dados da companhia. Essas empresas tinham poder para requisitar informações aos superintendentes de quaisquer órgãos que desejassem. Informações estratégicas, confidenciais, tudo era repassado. Três dessas empresas (Gaffney Cline, Merryl Linch e Rotschild), participaram ativamente no processo de privatização da YPF Argentina. A Merryl Linch, segundo o Relatório Reservado, ganhou cerca de R$ 400 milhões na bolsa de valores, naquele ano, usando as informações obtidas na Petrobras. Em 1999, FHC substituiu o conselho de administração da empresa por 9 representantes do Sistema Financeiro Internacional. Este novo conselho produziu um estrago na empresa: contratou a empresa americana Arthur D Little, sem concorrência, para fazer o planejamento estratégico da companhia. O presidente da empresa, Paulo Absten, era amigo íntimo do presidente Reischstul. A Petrobras foi dividida em unidades de negócio (estrutura que, em 1992 levou a IBM ao maior prejuízo da sua história), desmantelou o clima organizacional e elevou o número de acidentes, de menos de um por ano, para 62 em 2,5 anos! Além disso, desmontou as equipes geradoras de tecnologia da empresa. 75 técnicos com nível de doutorado deixaram a empresa nos últimos três anos. Os que ficaram, estão em funções burocráticas, frustrados e desmotivados. Agora, com um erro tentam justificar outro: pelo fato de ter vendido 18% das ações por preços irrisórios, o governo deixou de ter a maioria do capital total (passou de 60% para 42% do capital total), embora tenha o controle acionário (51% das ações com direito a voto). A atual administração diz que a empresa tem que se voltar para o lucro e esquecer a sua função social (abastecer o país de derivados aos menores custos e gerar empregos) e estratégica (manter o petróleo sob controle dos brasileiros).

ComCiência - E que rumo a Aepet espera que o governo Lula dê à Petrobras? Como a associação se posiciona com relação ao novo governo?
Siqueira -
A eleição do novo presidente do país, Lula, estancou a hemorragia neoliberal. Temos agora que tratar o doente que está muito debilitado. O que a Aepet espera do novo governo é que ele substitua o atual conselho de administração, tirando os representantes do sistema financeiro internacional e colocando pessoas competentes, éticas e conhecedoras do setor petróleo e do ramo em que forem trabalhar, como planejamento e finanças. A Petrobras é uma máquina de produzir recursos, empregos e tecnologia. Se for bem administrada poderá prestar inestimáveis serviços ao país. Ela chegou a desenvolver 5 mil empresas fornecedoras de equipamentos do setor petróleo. Hoje restam menos de cinco dessas empresas. Reativar o setor é gerar empregos nobres e desenvolvimento. Para isso, basta dar às empresas nacionais as mesmas condições fiscais dadas às estrangeiras.

ComCiência - Que consequências trouxe o fim do monopólio da Petrobras?
Siqueira -
A partir da quebra do monopólio, iniciou-se o processo de desnacionalização da Petrobras e das reservas. A venda das áreas que a empresa descobriu junto com o artigo 26 que dá a propriedade do petróleo às empresas estrangeiras que estão comprando essas áreas e a permissão da exportação pode levar nossas reservas, que durariam 40 anos a serem exauridas em menos de 10 anos. Justamente quando os preços começarem a subir.

ComCiência - Não houve uma diversificação do mercado de trabalho para os engenheiros, com a entrada de novas empresas?
Siqueira -
O fim do monopólio ainda não gerou novos empregos para os engenheiros nacionais. O que temos assistido é uma entrada fantástica de técnicos estrangeiros. Já existem mais de 12 mil no país. Pacotes virão prontos de fora, tecnologias e projetos básicos virão do exterior e os nossos engenheiros voltarão a ser meros leitores de manuais de operação e manutenção. É uma regressão perniciosa. Esperamos estancar isto no novo governo. É preciso rever a Lei 9478, pôr o Conselho Nacional de Política Energética para funcionar e defender os interesses do país e fazer a ANP cumprir as funções para as quais foi criada: regular, fiscalizar e defender a sociedade contra os especuladores.

ComCiência - A Aepet tem apontado o processo de terceirização como um dos causadores dos acidentes nas plataformas P-36 e P-34. Como o senhor vê esse processo?
Siqueira -
A Aepet tem combatido a terceirização como um processo nefasto de exploração de mão de obra: os terceirizados são mal treinados, mal assistidos, mal remunerados e mal capacitados. Além disso, mudam de empresas ao final de cada contrato. Não tem uma relação interativa com suas empresas e muito menos com a Petrobras. Não consolidam tecnologia, não têm motivação adequada nem vínculo sentimental com o trabalho que desenvolvem em face do mau tratamento que recebem. Hoje, a empresa tem 120 mil trabalhadores, sendo que somente 32 mil são próprios. É um processo semelhante ao da YPF Argentina: dos 37 mil funcionários que tinha, chegou a 7 mil na fase de privatização.

Não são os terceirizados os principais culpados dos acidentes. O problema é mais estrutural: destruição do clima funcional, desmonte das equipes de geração de tecnologia, contratação no exterior de equipamentos e serviços e ainda a possibilidade de sabotagem. A Petrobras ganhou dois prêmios em 2000 que dificultaram justificar a sua privatização: ganhou pela segunda vez o de melhor do mundo em tecnologia e foi considerada a sétima empresa mais admirada mundialmente. A melhor forma de neutralizar isso seria produzindo acidentes.Estamos com um pedido de investigação junto ao Ministério Público sobre isso.

ComCiência - Em 1998, quando houve um grande vazamento de petróleo na Baía da Guanabara, o senhor levantou a suspeita de que poderia ter havido sabotagem. O objetivo seria desmoralizar a empresa e facilitar a privatização. O senhor ainda acredita nisso?
Siqueira -
A possibilidade existe, pois não podemos conceber um número tão elevado de acidentes repentinamente. Até porque foram cometidas falhas inaceitáveis para operadores experientes como os envolvidos. Só na P-36 foram oito operações completamente equivocadas.

ComCiência - Como tem se dado a requalificação dos engenheiros e técnicos da Petrobras? Existe apoio para a requalificação profissional?
Siqueira -
Os que ficaram estão sobrecarregados. Não estão tendo condições de serem treinados. Além disso, os recursos de treinamento foram criminosamente reduzidos. Em face das nossas denuncias os atuais administradores estão tentando tapar o sol com a peneira: elaboraram um plano do excelência operacional que é a nova coqueluche, a panacéia que vai resolver tudo. O nosso receio é que se repita a febre do programa Gerência pela Qualidade Total, que gerou uma montanha de papéis e o que ficou de concreto foi a pregação do Vicente Falconi em defesa das teses neoliberais.

Cremos que tudo isso pode ser revertido com uma administração séria, voltada para os interesses do país, em detrimento do sistema financeiro internacional. A Petrobras ainda tem quadros competentes, pode fazer um concurso público para dar chance aos empregados terceirizados entrarem para o quadro efetivo da empresa e com isto eliminar o vácuo tecnológico causado por 11 anos sem admissão de novos empregados na empresa. A Petrobras é facílima de ser administrada. Basta pensar no Brasil.

Atualizado em 10/12/02

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