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Sérgio Adorno
Arte
do negro no Brasil: conscientização e valorização
de um grupo étnico
Emanoel Araújo
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Arte do negro no Brasil:
conscientização e valorização de um grupo
étnico
Foto:
Maria Ignez M. Franco |
O artista
plástico e ex-diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo,
vem se dedicando há mais de 20 anos à recuperação
da arte do negro no Brasil. Para ele, a recuperação não
apenas da arte, mas da história e da cultura dos negros no Brasil,
é fundamental para uma reelaboração da auto-estima
desse grupo e para a construção de sua identidade sobre
moldes diferentes dos impostos por uma sociedade que o escravizou. Emanoel
Araújo, em entrevista concedida à revista ComCiência,
argumentou sobre essa necessidade e afirmou que calcar a contribuição
afro-brasileira na cultura, nos estereótipos da "mulata"
e do "jogador de futebol" é uma opção marcada
pela forma mais perigosa de preconceito.
ComCiência
- Qual a relação que o senhor vê entre a arte do negro
ou, que recupera raízes dos negros, e a construção
da identidade desse grupo?
Emanoel Araújo - A relação entre arte e identidade
nesse caso é muito importante, pois através dela pode-se
determinar a valorização de certos grupos étnicos.
A contribuição do negro na cultura brasileira, durante os
séculos XVII, XVIII e XIX, esteve ligada a padrões eurocêntricos.
É claro que existiram certos artistas, ou certas manifestações
artísticas muito características de afro-brasileiros, como
por exemplo, os ex-votos do nordeste. Certos objetos desse tipo são
anônimos, saem, por assim dizer, de uma consciência coletiva,
de um inconsciente coletivo. Portanto, existiram escultores populares,
mas na erudição, isso só veio a tona no século
XX, quando aparecem alguns artistas com uma intenção mais
explícita de criar uma tipo de arte cuja linguagem e dogma não
estivessem mais ligados a essa arte eurocêntrica, e sim a uma arte
africana, seja na sua inspiração, ou através de uma
ligação ancestral. Aliás, essa ligação
deveria estar em todo artista negro da diáspora. A valorização
dessa arte não apenas colabora na construção da identidade
do negro e da memória de certos artistas, como também para
o resgate da auto-estima desse grupo.
Ex-Votos
- Século XX
Créditos: Reprodução
ComCiência
- Como foi realizada a pesquisa para a atual exposição Negras
memórias, memórias de negros de sua curadoria?
Araújo - Essa pesquisa vem se desenvolvendo ao longo de alguns
anos, porque Negras Memórias, Memórias de Negros é
resultado de várias outras exposições, por exemplo,
da Mão Afro-Brasileira, de 1987, da exposição Bahia
África Bahia, Vozes da Diáspora, Arte e religiosidade Afro-brasileira
e herdeiros da noite. Essas são exposições que se
tocam e vão construindo esse filão pelo qual tenho trabalhado
nesses últimos anos. A pesquisa vem sendo desenvolvida desde 1981
e tem ajudado a recuperar a memória e resgatar a história
do negro no Brasil. Ela tem servido como padrão para o orgulho
de nossos heróis, para marcar seu lugar na história, destacando
cientistas, engenheiros, poetas, escritores, escultores, historiadores,
e todo um universo de pessoas que foram importantes para reafirmar a contribuição
do negro na identidade nacional. Isso vale para Teodoro Sampaio, Luis
Gama, Cruz e Souza, Paula Brito, Mestre Valentim, Luiz Anselmo, Juliano
Moreira, enfim, artistas e personalidades que foram importantes para a
construção dessa identidade e da cultura negra no Brasil.
Atualmente, a exposição está ocorrendo no Segundo
Festival de Arte Negra em Belo Horizonte (MG), um evento fundamental para
essa reflexão sobre a cultura brasileira, sobre essas contribuições,
para questionar de que maneira essa inclusão se dá ou não
se dá, de que maneira esses encontros são fundamentais para
se discutir a cultura, ou melhor, a inserção do negro na
cultura brasileira.
ComCiência
- Falando sobre a necessidade de inclusão do negro, qual sua opinião
sobre o sistema de cotas? O senhor acredita que essa seja uma forma válida
de inclusão?
Araújo - Toda ação afirmativa deveria ser uma
necessidade da sociedade como um todo, afinal, só se pode melhorar
se todos estiverem incluídos dentro dessa sociedade, e quando é
possível educar, fazer com que as pessoas possam alçar um
nível social melhor, tirá-las do gueto, da clandestinidade,
da obscuridade. Se as cotas são um meio pelo qual uma pessoa pode
alcançar a universidade, mesmo com as deficiências de formação
e educação no país, eu acho que é válida.
Deveria haver um esforço da sociedade como um todo para que isso
acontecesse.
Com Ciência
- Qual a sua avaliação da trajetória e do impacto
das exposições no Brasil que recuperam as raízes
negras?
Araújo - Eu encaro esses trabalhos como um esforço consciente
para que a consciência se faça, aconteça, e isso de
uma certa forma, tem ocorrido. Muitas das exposições e publicações
têm tido uma ressonância até maior fora do Brasil,
mas o que ocorre aqui é muito importante porque faz com que pensemos
que não estamos falando no deserto. É uma ação
que tem progredido. É possível ver isso pelo próprio
espaço que as posições têm ocupado, pela mídia
que se volta às vezes para refletir sobre o assunto, e pelo público
dessas exposições. Por exemplo, a exposição
Negras Memórias, Memórias de Negros teve, em São
Paulo, um público de 90 mil pessoas, é um público
muito diferente daquele de 1987, do Museu de Arte Moderna de São
Paulo, que teve um público quase insignificante. Portanto, 20 anos
depois, algo ocorreu, uma modificação da consciência
das pessoas.
ComCiência
- A contribuição dos negros na cultura brasileira é
bastante associada a visões estereotipadas. Qual sua opinião
sobre isso?
Araújo - Isso é muito complicado no Brasil, que é
um país que sempre age por estereótipos. Busco justamente
sair disto, dessa coisa estereotipada da mulata, do jogador de futebol.
Quando pensamos em Cruz e Souza, em sua poesia, ou quando se reflete sobre
a música de alguns importantes músicos como Anacleto de
Medeiros, Pixinguinha, Cartola, Machado de Assis e outros, vislumbramos
uma imensa riqueza literária e musical, artística e criativa.
Então, caímos no estereótipo por opção.
Temos inúmeros exemplos importantes a ser seguidos, vistos, examinados,
pesquisados, como um editor como Paula Brito, que foi o primeiro editor
brasileiro que lançou a obra de Machado de Assis, ambos afro-descendentes.
Também na academia ou na pintura do século dezenove, com
alguns artistas fundamentais como Estevão Silva, João Timótheo
da Costa, Aleijadinho, que foi o maior escultor do século XVIII
no Brasil, ou Chagas, na Bahia, ou o pintor Teófilo de Jesus. Então,
porque sempre caímos no estereótipo? É uma opção
e é a forma mais perigosa e tendenciosa do preconceito. A exposição
Negras Memórias, Memórias de Negros busca dissipar, desmanchar
essa idéia preconceituosa do estereótipo.
Crianças
negras
- Obra de Emmanuel Zamor
ComCiência
- O que falta para a valorização da cultura negra estender-se
para a sociedade como um todo?
Araújo - Temos que olhar para nós mesmos e pararmos
de achar que o outro lado do Atlântico é mais importante.
Isso vale não apenas para a cultura afro-brasileira, mas para a
cultura brasileira. Essa cultura, que é miscigenada, deve ser valorizada
por nós mesmos, aqui dentro. Voltamos à questão da
auto-estima. A construção dos personagens e heróis,
a identidade do negro foi construída de que maneira? De que maneira
o negro se inseriu numa sociedade que lhe rechaçou, explorou, e
explora? E de que maneira essa gente que foi escravizada conseguiu contribuir
não apenas para a música, mas para a literatura, vocábulos
para a língua, hábitos e costumes, para o que existe de
africano ou de afro-brasileiro na cultura brasileira? A busca das nossas
raízes, não apenas trata da inclusão, mas também
trabalha com a auto-estima. Na hora que tivermos dados fundamentais para
nossa valorização, a questão do estereótipo
se acabará.
ComCiência
- O senhor foi convidado pelo ministro da cultura para ser curador da
exposição do Brasil na França em 2005. Como está
sendo desenvolvido esse projeto?
Araújo - A França faz, ao longo dos 10 últimos
anos, a eleição de alguns países que possuem ligações
culturais fortes com o país. O ano de 2005 será o ano do
Brasil e o último ano em que esse projeto vai acontecer. É
um projeto muito amplo, em que a cultura do Brasil será tema. O
projeto é uma ampla exposição, simultânea em
vários museus franceses, sobre a invenção do Brasil
e estará integrada a outros acontecimentos já existentes
na França, como por exemplo, o Festival de Dança de Lion
e o Festival de cinema de Cannes. A trajetória da exposição
vai desde Catarina Paraguaçu, quando começa o trânsito
de pau-brasil para a França, e a presença dela e de Caramuru
na Festa de Rouen, na França, até a arte contemporânea,
que é a invenção do futuro. A exposição
também contará com o barroco do século XVIII, não
o barroco dourado, chamado nacional português, que já esteve
na França há dois anos atrás, mas o barroco dos primeiros
tempos do Brasil, chamado barroco jesuítico. Com isso será
integrado não apenas uma vertente dos jesuítas, mas dos
escultores beneditinos, que são Frei Agostinho da Piedade e Frei
Agostinho de Jesus, em contrapondo aos jesuítas das missões
da Bahia, e das missões do Pará. A exposição
abordará também a missão francesa do século
XIX, porque a exposição visa também a relação
entre o Brasil e a França. Pintores românticos da França,
que estiveram aqui na Academia da Missão Francesa. Há uma
outra vertente ainda que trata dos franceses na época que estiveram
na Universidade de São Paulo, na década de 40, como Roger
Bastide e Levi Strauss. É um Brasil visto através do olhar
dos franceses, assim como haverá a visão de fotógrafos
franceses como Pierre Verger e Marcel Gautherot, sobre o Brasil. Os modernistas
na França, Vicente do Rego Monteiro, Tarsila do Amaral, Cícero
Dias e outros, também serão parte da exposição.
Haverá uma alusão a esses artistas.
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