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É tempo de incentivar a presença das mulheres na ciência
Fanny Tabak

Participação no Genoma garantiu sucesso à pesquisadora
Marie-Anne Van Sluys

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É tempo de incentivar a presença das mulheres na ciência

A ciência brasileira ainda é feita em grande parte pelos homens, mas o empenho de algumas instituições como a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e de pessoas que dedicaram muito tempo de suas vidas para mudar essa realidade está começando a produzir resultados. E exemplar nessa frente de batalha é o trabalho da pesquisadora Fanny Tabak, fundadora do primeiro Núcleo Acadêmico de Estudos sobre a Mulher (NEM), no final de 1980 na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Tabak publicou este ano o livro O laboratório de Pandora: estudos sobre a ciência no feminino, em que radiografa a condição das mulheres que fazem ciência no Brasil e alerta para a situação de desigualdade no mundo acadêmico que, segundo ela, só irá deixar de existir se forem tomadas medidas de incentivo à participação das mulheres na ciência. Por enquanto, lamenta que o Brasil esteja perdendo a oportunidade de poder contar com a inteligência e capacidade de muitas mulheres para o seu desenvolvimento. Mas, apesar de a Academia Brasileira de Ciências (ABC) ter demorado várias décadas para eleger a primeira mulher, Tabak aponta mudanças positivas para as mulheres cientistas brasileiras nas últimas décadas, e prevê um futuro melhor.

ComCiência - Desde quando e por que razão a senhora vem se dedicando ao estudo da participação das mulheres na ciência?
Fanny Tabak -
Eu trabalhei em diferentes temas do campo da Sociologia e da Ciência Política, durante muitos anos, mas comecei a me preocupar com a condição feminina, a baixa representação política das mulheres, a discriminação por motivo de sexo e temas afins, no começo dos anos 70, quando estava na FGV, no Rio. Como professora da PUC-Rio, nessa época, constatei os índices muito baixos de presença feminina nos cursos de engenharia, onde dei aulas de Sociologia do Desenvolvimento. O número de alunas era muito reduzido. Fiz uma grande pesquisa sobre o universitário brasileiro e sua imagem do processo de desenvolvimento nacional (da qual resultaria uma tese de livre docência - a de doutorado fora sobre outro tema). A preocupação com a lentidão desse processo e a consciência da necessidade de ampliar a massa crítica, de formar recursos humanos de alto nível, de poder utilizar a inteligência e a criatividade de mais e mais mulheres que se encontravam à margem desse processo, me fizeram ver a importância de incorporar essas mulheres ao processo, principalmente nas áreas cruciais da ciência e da tecnologia. Por outro lado, eu já vinha participando há muitos anos do movimento organizado de mulheres, de conferências e congressos internacionais e havia dirigido pesquisas patrocinadas pela Unesco sobre a condição da mulher. Na conferência da ONU em Copenhague, em 1980, ouvi pela primeira vez a expressão Women's Studies, numa série de sessões patrocinadas pela Fundação Ford. Passei a me dedicar especificamente ao estudo da participação da mulher na ciência nos últimos 15 anos, convencida de que é fundamental motivar mais e mais meninas para carreiras científicas. Há uma outra razão para o meu interesse: infelizmente, apesar da expansão do movimento feminista no Brasil e da importante contribuição teórica e metodológica dada por muitos pesquisadores, entre os temas que têm sido privilegiados para estudo e pesquisa por aqueles que atuam no meio acadêmico (mulheres e homens), a Ciência e a Tecnologia ainda não conseguiram despertar o interesse que me parece indispensável.

ComCiência - Foi após a sua participação na conferência da ONU em Copenhague, onde foi avaliada a primeira metade da Década da Mulher, que a senhora decidiu criar o Núcleo Acadêmico de Estudos sobre a Mulher na PUC-Rio?
Tabak -
Sim. Após participar dessa conferência, decidi criar o primeiro Núcleo Acadêmico de Estudos sobre a Mulher (NEM), em fins de 1980. Ele serviria de modelo para outros, criados juntos a universidades federais - o da Bahia está completando 25 anos.

ComCiência - Na sua opinião, atualmente a presença das mulheres nos cursos de engenharia é mais expressiva?
Tabak -
Apesar de ter aumentado de maneira muito expressiva a matrícula feminina nos cursos universitários do Brasil, o fato é que a imensa maioria continua a se encaminhar para cursos no campo da pedagogia, psicologia, enfermagem, nutrição, direito, medicina, comunicação e outros afins. Muitas das diferentes áreas da engenharia - fundamentais para acelerar o desenvolvimento nacional - continuam a revelar a ausência de mulheres ou uma presença inexpressiva. É o caso da mecânica e muitas das novas sub-áreas surgidas mais recentemente.

ComCiência - Como a senhora avalia o avanço dos estudos sobre a participação das mulheres brasileiras na ciência e qual o impacto dos mesmos?
Tabak -
Reconheço que houve um certo avanço, ao longo dos anos 90 - alguns dos núcleos acadêmicos criados junto a universidades federais e a alguns centros de pesquisa isolados realizaram pesquisas sobre o tema, promoveram seminários, organizaram sessões especiais em associações nacionais profissionais. Mas, em geral, o tema era tratado de maneira não diferenciada, ou seja, marginalmente, no bojo de um tema como educação. Uma contribuição expressiva tem sido dada pelas reuniões anuais da SBPC (onde realizei em 1995, em São Luís, uma mesa redonda sobre Mulher, Ciência e Tecnologia). Na reunião de 2003, em Recife, um fato auspicioso foi a realização de várias sessões para debater a participação da mulher na ciência. As reuniões da Associação Latino Americana de História da Ciência também contribuiu para o debate, ao escolher o tema como central na reunião realizada no Rio em 1998. Aliás, na SBPC, ainda em 1982 (Unicamp), realizei uma sessão sobre Estudos sobre a mulher. As várias conferências internacionais e regionais (iberoamericanas) - em fevereiro de 2004 será realizada a 5a., no México - também têm contribuído para aumentar o interesse das mulheres cientistas. É preciso destacar a extraordinária contribuição da Unesco, que vem demonstrando há várias décadas sua preocupação com a incorporação de mais mulheres ao campo da ciência. Não só financiando projetos, estudos e pesquisas, mas também promovendo um intenso intercâmbio e troca de informações, através da realização de seminários e conferências, regionais e internacionais. Cabe destacar o impulso que tais atividades promoveram em muitos países da Ásia e da África, e também na América Latina e Caribe.

ComCiência - Historicamente, como as mulheres passaram a fazer ciência? Quando elas começaram a ser reconhecidas como cientistas?
Tabak -
Os dados fornecidos pela história da ciência revelam que as mulheres faziam ciência muito antes de serem reconhecidas. Lucia Tosi escreveu vários artigos sobre a presença da mulher na ciência. O que não havia era o reconhecimento, mas pelo contrário, a discriminação, sob a denominação de "bruxas". Algumas morreram na fogueira. E muitas mulheres ficaram na sombra de seus "homens", que recebiam os louros. Marie Curie é um caso excepcional.

ComCiência - Quais são as diferenças na participação das mulheres na ciência nos países desenvolvidos e em desenvolvimento? Por que isso acontece?
Tabak -
Alguns países desenvolvidos registram uma presença bastante expressiva de mulheres em carreiras científicas "de ponta". Mas, apesar disso, o reconhecimento formal - o Nobel é o melhor exemplo, talvez - é difícil. O percentual de mulheres cientistas que mereceu esse prêmio é muito baixo. Alguns países se destacam - Finlândia, Inglaterra, Rússia (os antigos países socialistas tinham altas taxas de participação feminina nos diferentes campos da ciência). Mesmo nos Estados Unidos os índices são baixos e é freqüente ouvir queixas de discriminação. Por que isso ocorre? Acredito que é porque em muitos países não existe um interesse especial em reverter a situação. Creio que seria necessário um esforço consciente e direcionado no sentido de atrair mais meninas para essas carreiras, a partir da escola fundamental, despertando o interesse pela pesquisa, desenvolvendo a iniciativa, a curiosidade, a criatividade. O papel do professor é fundamental.

ComCiência - Existe alguma forma de incentivo à participação das mulheres na ciência no Brasil, como por exemplo políticas públicas específicas? Se existem, como elas vêm sendo implementadas?
Tabak -
No Brasil, não há dúvida de que nos últimos 20 anos tem havido um avanço na divulgação científica, na realização de feiras, exposições, nos programas de apoio a jovens cientistas (a SBPC merece lugar de destaque e louvor), além de outras iniciativas igualmente meritórias. É significativo que a premiação independe do sexo do candidato e se verifica muitas vezes a presença expressiva de meninas e jovens alunas - o que demonstra que elas têm talento, criatividade e competência. Mas seria necessário um incentivo específico, direcionado, para começar a reduzir a enorme defasagem. As políticas públicas específicas deveriam ser de responsabilidade das associações profissionais, das secretarias (municipais e estaduais), das sociedades - o importante é haver uma conscientização de que se trata de tarefa necessária. As universidades e seus núcleos acadêmicos têm também um papel a desempenhar. Algumas sugestões têm sido apresentadas às agências públicas de apoio e fomento à pesquisa científica: CNPq, Capes e às fundações de amparo - por exemplo, cotas de bolsas para mulheres, de pesquisa, de pós-graduação, de participação em congressos internacionais etc.

ComCiência - A presença das mulheres na ciência varia em uma determinada área, conforme o nível de especialização? Por exemplo, existe diferença - em relação a gênero - na composição das turmas de graduação, mestrado e doutorado de determinado campo científico? Por que isso acontece? Existe diferença entre as diversas áreas do conhecimento?
Tabak -
Sem dúvida existe uma diferença entre as diversas áreas do conhecimento. Isso se constata na matrícula nos cursos universitários - a concentração de mulheres é muito maior nas ciências biomédicas, e da saúde, por exemplo, do que na matemática, física ou nas diferentes áreas da engenharia. Os dados referentes a isso são expressivos. Também nos níveis de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) mostram essa diferença. Ainda existe forte preconceito em relação a algumas áreas do conhecimento - "mulher não dá para matemática" - decorrente do próprio perfil de socialização das meninas, do condicionamento cultural ainda vigente na sociedade brasileira. Um outro fator que influi na escolha da profissão é o mercado de trabalho (favorável ou não) e uma visão deformada do que significa "ser cientista" ou "fazer ciência". Além de que algumas áreas são consideradas mais condizentes com a "condição feminina" (por exemplo, a medicina ou a biologia).

ComCiência - Como é manifestado o preconceito contra as mulheres cientistas? Quais são as principais dificuldades que estas mulheres encontram para manterem seus empregos na academia?
Tabak -
Não sei se existe propriamente um "preconceito contra a mulher cientista". Acho que a visão que muita gente ainda tem é que o cientista (mulher ou homem) é aquela pessoa demasiado séria, formal, chata, que passa o dia inteiro no laboratório diante dos tubos de ensaio etc, etc. E o resultado disso é que tais pessoas acreditam que a mulher cientista perde a sua "feminilidade", tem um tipo de vida totalmente diferente dos demais mortais, o que levaria a um certo distanciamento, isto é, a tratar as mulheres cientistas de maneira diferente. Quanto às dificuldades que elas encontram, muitas delas foram mencionadas no Laboratório de Pandora, no capítulo sobre os encontros realizados na PUC-Rio. Aí sim, existem preconceitos como o de que a mulher não teria a mesma capacidade e competência, de que pelo fato de ser casada e ter filhos estaria impossibilitada de viajar para participar de congressos, de que não poderia exercer cargos de chefia e direção, entre outros.

ComCiência - Quais são as perspectivas para o futuro da participação das mulheres na ciência no Brasil?
Tabak -
Acho que as perspectivas para o futuro da participação das mulheres na ciência no Brasil são boas, mas acredito que uma reversão do quadro atual vai demorar muito tempo, a menos que exista um esforço direcionado nesse sentido. Esse esforço implicaria em criar programas especiais para atrair mais meninas para as carreiras científicas, em dotar as escolas públicas, desde o ensino fundamental, com equipamentos, laboratórios, em utilizar os meios de comunicação de massa para difundir conhecimento científico e mostrar o encanto da ciência, produzir vídeos para serem apresentados nas escolas mostrando o trabalho de um cientista, levar as meninas a visitar laboratórios etc. Já existe um grupo de cientistas brasileiras interessadas em motivar mais mulheres - e também homens cientistas que apóiam a idéia - mas será indispensável intensificar o trabalho já realizado através de feiras de ciências, concursos, maratonas e olimpíadas, que já acontecem em alguns estados. Além disso, insistir junto às agências financiadoras - públicas e privadas - que destinem verbas e dotações especiais para aumentar o número de bolsistas e pesquisadoras do sexo feminino - em todos os níveis.


Saiba mais sobre O laboratório de Pandora: estudos sobre a ciência no feminino em http://cienciaecultura.bvs.br

Atualizado em 10/12/03

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