Entrevistas
Modelagem
e Epidemiologia
Cláudio Struchiner
Tomadas
de decisão são facilitadas com modelos matemáticos
Luiz Autran
Dinâmica
biológica de fragmentos florestais
Heraldo Vasconcelos
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Dinâmica
biológica de fragmentos florestais
Uma
floresta como a amazônica precisa, para manter o equilíbrio
de seu ecossistema, de uma determinada área em que não haja
grande perturbação ambiental. Se uma estrada corta a mata
e a floresta se fragmenta, algumas espécies podem encontrar dificuldade
de sobrevivência, o que pode afetar o equilíbrio ecológico.
Para estudar os efeitos desse tipo de perturbação ambiental
foi criado o Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais
(PDBFF), uma cooperação entre o Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia (Inpa) e o norte americano Smithsonian Institution.
No início
do ano passado, um trabalho do PDBFF foi o centro de uma polêmica
nos meios de comunicação ao prever os possíveis efeitos
do projeto de cunho desenvolvimentista Avança Brasil, do governo
federal. A partir de dados empíricos do impacto da abertura de
estradas no passado, calculou-se o estrago causado pelo programa. Acuado
pela repercussão negativa, o governo chegou a desautorizar o estudo.
Foi sobre casos como esse e sobre o duro, mas gratificante, trabalho na
Amazônia que o coordenador do PDBFF, Heraldo Vasconcelos,
falou com Com Ciência. Segundo ele, com exceção dos
trabalhos que geram repercussão na mídia, poucos estudos
são considerados pelas autoridades que fazem projetos para a Amazônia.
Com Ciência
- Em linhas gerais, quais são as atividades do Projeto Dinâmica
Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF) e qual a sua área
de atuação?
Heraldo Vasconcelos - O PDBFF é um projeto de cooperação
científica entre o INPA e o Smithsonian Institution. Este projeto
tem como objetivo central de pesquisa estudar os efeitos ecológicos
da fragmentação da Floresta Amazônica. Complementando
esses estudos existem pesquisas relacionadas com a biologia da extinção,
os efeitos de bordas de florestas, os processos de regeneração
de florestas e a genética de espécies tropicais em relação
a fragmentação. A pesquisa foi planejada para estudar comunidades
de plantas e animais nas florestas antes e depois do isolamento para a
criação de pastagens (isto é, antes e depois da fragmentação
florestal). Os resultados mostram que a dinâmica dos fragmentos
é fortemente influenciada pela presença de uma borda abrupta
entre a floresta e o ambiente ao redor, geralmente pastagem. Esse efeito
é conhecido na literatura científica como "efeito de
borda". Fragmentos menores têm mais borda e por isto são
mais afetados do que os fragmentos de maior tamanho. O tipo de vegetação
ao redor dos fragmentos, se uma pastagem, um cultivo, uma agrofloresta
ou uma capoeira, também determina quão isolado está
um determinado fragmento de outras áreas de floresta. Alguns tipos
de vegetação são mais "permeáveis"
e permitem a movimentação da fauna entre os fragmentos,
enquanto outros, especialmente a pastagem, atuam como verdadeiras barreiras.
Muitos pássaros e outros animais da floresta não são
capazes de atravessar mesmo uma pequena clareira aberta pelo homem. Os
efeitos da fragmentação florestal são bastante ecléticos,
afetando a riqueza, a abundância e a composição das
espécies, além de muitas vezes também afetar processos
ecológicos, como a decomposição e a polinização.
Além disto, os efeitos da fragmentação parecem interagir
sinergisticamente com outros problemas ambientais, como a caça,
incêndios e corte de madeira.
Com Ciência
- Um projeto como esse, que prevê o estudo de uma área bastante
ampla, muitas vezes apresenta dificuldades para que os pesquisadores possam
amostrar todo o território a ser estudado. Como isso é superado?
Vasconcelos - Na verdade nossos estudos de campo são todos
conduzidos dentro do Distrito Agropecuário da SUFRAMA, ao norte
de Manaus, numa área total de 20 x 50 km. Mesmo uma área
dessas, pequena se pensarmos nas dimensões da Amazônia, não
pode ser percorrida a pé. Para contornar o problema, construímos
uma série de acampamentos rústicos, que os pesquisadores
e estudantes usam como base. Temos 3 carros de tração nas
4 rodas que fazem o deslocamento das equipes entre os diversos acampamentos
(7 no total) além do transporte de ida e volta para Manaus. O grande
problema é que muitas das estradas de acesso são precárias.
Não só o transporte é lento mas a manutenção
dos carros é custosa. Além disto as vezes somos forçados
a investir dinheiro que poderia ser aplicado diretamente na pesquisa na
recuperação das estradas e, é claro, de nossos carros,
que "sofrem" com as condições do terreno.
Com Ciência
- Como o sr. vê a contribuição da matemática
para os estudos biológicos, em especial de áreas de preservação?
Quais os limites dessa interação?
Vasconcelos - Os modelos matemáticos geram predições
que então tem de ser validadas com dados empíricos. Na verdade
foi para testar o modelo desenvolvido por Robert MacArthur e Edward Wilson,
conhecido como Teoria de Biogeografia de Ilhas, é que nasceu o
PDBFF. Este modelo, desenvolvido na década de 60, faz predições
do número de espécies em função do tamanho
do habitat e do seu grau de isolamento. Assim, acreditávamos ser
possível identificar um tamanho mínimo de floresta tropical
para a manutenção da toda a diversidade de espécies
da floresta. Embora nosso experimento, que previa o estudo de fragmentos
florestais variando em tamanho de 1 até 10 mil hectares, não
tenha sido totalmente completado, (apenas fragmentos de 1 até 100
ha estão até o presente sendo estudados), temos agora claras
evidências de que o modelo de MacArthur & Wilson não
pode ser totalmente validado e que outras variáveis são
tão ou mais importantes que o tamanho em si para explicar o número
de espécies num dado fragmento de floresta.
Com Ciência
- A Amazônia é um centro de interesse nacional e internacional,
seja para a preservação (ou desenvolvimento sustentável),
seja para o uso econômico dos recursos naturais. Como é trabalhar
com uma área que recebe tanta atenção e é
tão importante?
Vasconcelos - Para um biólogo, trabalhar na Amazônia
é muito gratificante. Freqüentemente se descobre algo novo
mesmo em áreas já intensivamente estudadas como é
o caso da região de Manaus. Ao mesmo tempo a responsabilidade é
enorme, pois querendo ou não temos de nos engajar na luta para
a conservação e desenvolvimento sustentável da região.
Nesse sentido, grande parte dos nossos estudos tem de ser aplicados.
Com Ciência
- No início do ano passado, um trabalho do PDBFF que previa os
efeitos degradantes do programa Avança Brasil (do governo federal)
publicado na revista Science, foi o centro de uma polêmica. Autoridades
federais chegaram a questionar o trabalho. Como é feito esse tipo
de previsão e quais são os seus limites?
Vasconcelos - A previsão de quanta floresta será desmatada
ou degradada com a abertura de novas estradas na Amazônia foi em
grande parte baseada no que aconteceu, no passado, ao redor de outras
estradas existentes na Amazônia. Tendo esses dados, e usando mão
de ferramentas como o Sistema de Informação Geográfica,
foram desenvolvidos modelos que ajudaram a prever o quanto da floresta
vai ser degradada caso todos os projetos de infraestrutura para a Amazônia
sejam implantados. Como toda previsão, há um razoável
grau de incerteza. O que aconteceu na Belém-Brasília, por
exemplo, pode não ocorrer em novas estradas cortando o Amazonas
ou Amapá. Entretanto é certo que os projetos do governo
vão causar danos ambientais. O que é preciso aqui é
avaliar bem o retorno econômico e especialmente social. Não
é ético destruir um patrimônio da humanidade se só
alguns privelegiados vão ser beneficiados.
Com Ciência
- Nesse caso, o resultado do trabalho contrariava claramente os interesses
do governo federal. Estudos que fazem previsões sobre efeitos futuros
são mais difíceis de serem defendidos institucionalmente?
Vasconcelos - Não. Na verdade esse estudo em particular foi
muito bem aceito pela comunidade acadêmica do INPA, não só
pela qualidade dos dados mas também porque o trabalho abriu uma
discussão - antes restrita a alguns setores do governo - para a
sociedade como um todo.
Com Ciência
- O sr. acha que os novos projetos de desenvolvimento da Amazônia
têm incorporado os dados e as informações fornecidos
por estudos como os do PDBFF? Há algum avanço se comparados
com as iniciativas desenvolvimentistas do passado?
Vasconcelos - Não, à exceção de quando
- como no caso do trabalho publicado na Science - o trabalho gera controvérsia
e recebe atenção da mídia. Não deveria ser
assim, e esse não é um problema específico do nosso
projeto. Precisamos melhorar a comunicação entre o Governo
- especialmente dos setores responsáveis por projetos desenvolvimentistas,
e portanto com grande potencial de impacto sobre o meio ambiente - e a
comunidade científica. Neste ponto não creio que houve muito
avanço em relação ao passado. Desenvolvimento e Meio
Ambiente, em geral, ainda são tratados de forma separada.
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