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Dinâmica biológica de fragmentos florestais
Heraldo Vasconcelos

 

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Dinâmica biológica de fragmentos florestais

Uma floresta como a amazônica precisa, para manter o equilíbrio de seu ecossistema, de uma determinada área em que não haja grande perturbação ambiental. Se uma estrada corta a mata e a floresta se fragmenta, algumas espécies podem encontrar dificuldade de sobrevivência, o que pode afetar o equilíbrio ecológico. Para estudar os efeitos desse tipo de perturbação ambiental foi criado o Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), uma cooperação entre o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o norte americano Smithsonian Institution.

No início do ano passado, um trabalho do PDBFF foi o centro de uma polêmica nos meios de comunicação ao prever os possíveis efeitos do projeto de cunho desenvolvimentista Avança Brasil, do governo federal. A partir de dados empíricos do impacto da abertura de estradas no passado, calculou-se o estrago causado pelo programa. Acuado pela repercussão negativa, o governo chegou a desautorizar o estudo. Foi sobre casos como esse e sobre o duro, mas gratificante, trabalho na Amazônia que o coordenador do PDBFF, Heraldo Vasconcelos, falou com Com Ciência. Segundo ele, com exceção dos trabalhos que geram repercussão na mídia, poucos estudos são considerados pelas autoridades que fazem projetos para a Amazônia.

Com Ciência - Em linhas gerais, quais são as atividades do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF) e qual a sua área de atuação?
Heraldo Vasconcelos
- O PDBFF é um projeto de cooperação científica entre o INPA e o Smithsonian Institution. Este projeto tem como objetivo central de pesquisa estudar os efeitos ecológicos da fragmentação da Floresta Amazônica. Complementando esses estudos existem pesquisas relacionadas com a biologia da extinção, os efeitos de bordas de florestas, os processos de regeneração de florestas e a genética de espécies tropicais em relação a fragmentação. A pesquisa foi planejada para estudar comunidades de plantas e animais nas florestas antes e depois do isolamento para a criação de pastagens (isto é, antes e depois da fragmentação florestal). Os resultados mostram que a dinâmica dos fragmentos é fortemente influenciada pela presença de uma borda abrupta entre a floresta e o ambiente ao redor, geralmente pastagem. Esse efeito é conhecido na literatura científica como "efeito de borda". Fragmentos menores têm mais borda e por isto são mais afetados do que os fragmentos de maior tamanho. O tipo de vegetação ao redor dos fragmentos, se uma pastagem, um cultivo, uma agrofloresta ou uma capoeira, também determina quão isolado está um determinado fragmento de outras áreas de floresta. Alguns tipos de vegetação são mais "permeáveis" e permitem a movimentação da fauna entre os fragmentos, enquanto outros, especialmente a pastagem, atuam como verdadeiras barreiras. Muitos pássaros e outros animais da floresta não são capazes de atravessar mesmo uma pequena clareira aberta pelo homem. Os efeitos da fragmentação florestal são bastante ecléticos, afetando a riqueza, a abundância e a composição das espécies, além de muitas vezes também afetar processos ecológicos, como a decomposição e a polinização. Além disto, os efeitos da fragmentação parecem interagir sinergisticamente com outros problemas ambientais, como a caça, incêndios e corte de madeira.

Com Ciência - Um projeto como esse, que prevê o estudo de uma área bastante ampla, muitas vezes apresenta dificuldades para que os pesquisadores possam amostrar todo o território a ser estudado. Como isso é superado?
Vasconcelos
- Na verdade nossos estudos de campo são todos conduzidos dentro do Distrito Agropecuário da SUFRAMA, ao norte de Manaus, numa área total de 20 x 50 km. Mesmo uma área dessas, pequena se pensarmos nas dimensões da Amazônia, não pode ser percorrida a pé. Para contornar o problema, construímos uma série de acampamentos rústicos, que os pesquisadores e estudantes usam como base. Temos 3 carros de tração nas 4 rodas que fazem o deslocamento das equipes entre os diversos acampamentos (7 no total) além do transporte de ida e volta para Manaus. O grande problema é que muitas das estradas de acesso são precárias. Não só o transporte é lento mas a manutenção dos carros é custosa. Além disto as vezes somos forçados a investir dinheiro que poderia ser aplicado diretamente na pesquisa na recuperação das estradas e, é claro, de nossos carros, que "sofrem" com as condições do terreno.

Com Ciência - Como o sr. vê a contribuição da matemática para os estudos biológicos, em especial de áreas de preservação? Quais os limites dessa interação?
Vasconcelos
- Os modelos matemáticos geram predições que então tem de ser validadas com dados empíricos. Na verdade foi para testar o modelo desenvolvido por Robert MacArthur e Edward Wilson, conhecido como Teoria de Biogeografia de Ilhas, é que nasceu o PDBFF. Este modelo, desenvolvido na década de 60, faz predições do número de espécies em função do tamanho do habitat e do seu grau de isolamento. Assim, acreditávamos ser possível identificar um tamanho mínimo de floresta tropical para a manutenção da toda a diversidade de espécies da floresta. Embora nosso experimento, que previa o estudo de fragmentos florestais variando em tamanho de 1 até 10 mil hectares, não tenha sido totalmente completado, (apenas fragmentos de 1 até 100 ha estão até o presente sendo estudados), temos agora claras evidências de que o modelo de MacArthur & Wilson não pode ser totalmente validado e que outras variáveis são tão ou mais importantes que o tamanho em si para explicar o número de espécies num dado fragmento de floresta.

Com Ciência - A Amazônia é um centro de interesse nacional e internacional, seja para a preservação (ou desenvolvimento sustentável), seja para o uso econômico dos recursos naturais. Como é trabalhar com uma área que recebe tanta atenção e é tão importante?
Vasconcelos
- Para um biólogo, trabalhar na Amazônia é muito gratificante. Freqüentemente se descobre algo novo mesmo em áreas já intensivamente estudadas como é o caso da região de Manaus. Ao mesmo tempo a responsabilidade é enorme, pois querendo ou não temos de nos engajar na luta para a conservação e desenvolvimento sustentável da região. Nesse sentido, grande parte dos nossos estudos tem de ser aplicados.

Com Ciência - No início do ano passado, um trabalho do PDBFF que previa os efeitos degradantes do programa Avança Brasil (do governo federal) publicado na revista Science, foi o centro de uma polêmica. Autoridades federais chegaram a questionar o trabalho. Como é feito esse tipo de previsão e quais são os seus limites?
Vasconcelos
- A previsão de quanta floresta será desmatada ou degradada com a abertura de novas estradas na Amazônia foi em grande parte baseada no que aconteceu, no passado, ao redor de outras estradas existentes na Amazônia. Tendo esses dados, e usando mão de ferramentas como o Sistema de Informação Geográfica, foram desenvolvidos modelos que ajudaram a prever o quanto da floresta vai ser degradada caso todos os projetos de infraestrutura para a Amazônia sejam implantados. Como toda previsão, há um razoável grau de incerteza. O que aconteceu na Belém-Brasília, por exemplo, pode não ocorrer em novas estradas cortando o Amazonas ou Amapá. Entretanto é certo que os projetos do governo vão causar danos ambientais. O que é preciso aqui é avaliar bem o retorno econômico e especialmente social. Não é ético destruir um patrimônio da humanidade se só alguns privelegiados vão ser beneficiados.

Com Ciência - Nesse caso, o resultado do trabalho contrariava claramente os interesses do governo federal. Estudos que fazem previsões sobre efeitos futuros são mais difíceis de serem defendidos institucionalmente?
Vasconcelos
- Não. Na verdade esse estudo em particular foi muito bem aceito pela comunidade acadêmica do INPA, não só pela qualidade dos dados mas também porque o trabalho abriu uma discussão - antes restrita a alguns setores do governo - para a sociedade como um todo.

Com Ciência - O sr. acha que os novos projetos de desenvolvimento da Amazônia têm incorporado os dados e as informações fornecidos por estudos como os do PDBFF? Há algum avanço se comparados com as iniciativas desenvolvimentistas do passado?
Vasconcelos
- Não, à exceção de quando - como no caso do trabalho publicado na Science - o trabalho gera controvérsia e recebe atenção da mídia. Não deveria ser assim, e esse não é um problema específico do nosso projeto. Precisamos melhorar a comunicação entre o Governo - especialmente dos setores responsáveis por projetos desenvolvimentistas, e portanto com grande potencial de impacto sobre o meio ambiente - e a comunidade científica. Neste ponto não creio que houve muito avanço em relação ao passado. Desenvolvimento e Meio Ambiente, em geral, ainda são tratados de forma separada.

Atualizado em 10/10/01

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