Entrevistas
Modelagem
e Epidemiologia
Cláudio Struchiner
Tomadas
de decisão são facilitadas com modelos matemáticos
Luiz Autran
Dinâmica
biológica de fragmentos florestais
Heraldo Vasconcelos
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Modelagem
e epidemiologia
Quando
é necessário controlar uma doença através
da vacinação, algumas perguntas são inevitáveis:
Qual a cobertura e os grupos epidemiológicos a serem vacinados?
Se houvesse uma vacina para malária, será que deveriam ser
vacinados todos aqueles que viajam para áreas endêmicas ou
só os moradores? Para Aids, como combinar uma possível vacinação
com o programa de tratamento universal oferecido no Brasil?
Em busca
dessas respostas, cada vez mais, vem sendo aplicada a modelagem matemática.
A pesquisa Desenvolvimento de Métodos Epidemiológicos,
Matemáticos e Estatísticos para o Estudo de Doenças
Infecciosas, que envolve pesquisadores de diversas áreas do
conhecimento e instituições, é um exemplo. Coordenada
por Cláudio José Struchiner - pesquisador titular
do Departamento de Endemias Samuel Pessoa e coordenador do Programa de
Computação Científica da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz) - a pesquisa tem o objetivo de desenvolver modelos matemáticos
e estatísticos de análise que possibilitem a avaliação
de programas de controle de doenças infecciosas, principalmente
malária e Aids.
Graduado
em Medicina (Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ); mestre em
Matemática Aplicada (Instituto de Matemática Pura e Aplicada
- IMPA); doutor em Saúde Pública e Medicina Tropical (Harvard
University); e docente da Escola Nacional de Saúde Pública,
Cláudio Struchiner trabalha com métodos matemáticos
aplicados à saúde pública desde 1977.
Com Ciência:
A que problemas de epidemiologia a modelagem matemática pode ser
aplicada?
Cláudio Struchiner: Praticamente a todos. Acredito que possam
ser citados exemplos de modelagem matemática em todas as áreas.
Entretanto, um dos usos mais interessantes se dá na área
da vigilância sanitária, onde se procura responder a perguntas
como qual a cobertura vacinal necessária para o controle das doenças
imunizáveis e em que grupos de risco devemos concentrar nossos
esforços, qual o risco de urbanização da febre amarela,
qual a densidade de mosquitos necessária para viabilizar a transmissão
da dengue, qual a melhor estratégia para evitar o aparecimento
de resistência entre os usuários de terapia anti-retroviral,
quais são as combinações de fatores ambientais que
predispõem ao aparecimento de quadros respiratórios, etc.
Com Ciência:
A integração da biologia à matemática e à
ciência da computação possibilitará o melhor
acompanhamento dos programas de controle de doenças infecciosas?
Struchiner: Sim, na verdade esta integração já
acontece há muito mais tempo. Os primeiros trabalhos de modelagem
matemática em doenças infecciosas datam do início
do século com os trabalhos de Sir Ronald Ross em malária.
Este pesquisador se notabilizou pela identificação do mosquito
como vetor da doença, contribuição esta que lhe valeu
o prêmio Nobel. Além dos aspectos entomológicos, Ross
utilizou modelos matemáticos para discutir as principais propriedades
da dinâmica de transmissão da malária. Já nos
anos 50, outro pesquisador inglês, G. MacDonald, valeu-se de modelos
matemáticos para discutir as bases do controle da malária
e da esquistossomose. No caso da malária, estes modelos tentavam
demonstrar que o uso de inseticida seria o modo mais eficaz para o controle
da doença. Atualmente, ainda utilizando a malária como exemplo,
os modelos matemáticos comparam as várias eficácias
relativas dos instrumentos de controle da doença como o tratamento
de infectados, o controle biológico, ou através do uso de
inseticidas, de vetores, as diversas estratégias de desenvolvimento
de vacinas, e até mesmo o uso de mosquitos modificados pela engenharia
genética. Esta última estratégia de controle procuraria
modificar a estrutura genética de vetores de tal forma que estes
se tornassem resistentes à infecção ou passassem
a expressar antígenos vacinais na saliva e desta forma vacinar
contra a doença os indivíduos por eles picados.
Com Ciência:
O seu grupo de pesquisa propôs um modelo matemático para
descrever as características básicas de um programa de intervenção
em saúde. Quais as vantagens deste modelo em relação
às abordagens anteriores? Há alguma restrição
para sua aplicação?
Struchiner: A principal fonte de informação para
o monitoramento da evolução de uma doença é
a velocidade com que novos casos vão surgindo. Vários fatores
contribuem para que esta informação não seja diretamente
disponível. Em primeiro lugar, torna-se muito dispendioso o acompanhamento
de um grande contingente de indivíduos por um longo período
de tempo para se detectar aqueles que adoecem. Por outro lado, para muitas
doenças com longo período de incubação, como
a AIDS, os casos que são diagnosticados no presente foram infectados
muitos anos antes. Assim, as estatísticas de notificação
de casos da doença fornecem um quadro de como era a dinâmica
da doença no passado e não como ela se dá na atualidade.
O modelo que utilizamos permite reconstituir a dinâmica presente
a partir dos casos de infecção observados em um único
momento no tempo, fazendo com que o monitoramento de algumas doenças
infecciosas possa ser feito de uma maneira muito mais econômica
e rápida. A principal dificuldade na aplicação deste
método está na perda da cicatriz imunológica que
acontece em algumas doenças, isto é, os indivíduos
foram infectados no passado mas essa experiência foi apagada do
seu sistema imunológico. Isto não acontece no caso das viroses
outrora comuns na infância, como rubéola e sarampo, e no
caso das hepatites. Estes métodos são apropriados para o
monitoramento destas doenças.
Com Ciência:
Quais as estimativas alcançadas, no caso dos estudos da Aids, a
partir da modelagem matemática?
Struchiner: Os modelos matemáticos são construídos
a partir de premissas que precisam ser validadas através de informações
empíricas. Muitas destas informações são difíceis
de serem obtidas para doenças como AIDS, por exemplo. Estudos sobre
comportamento sexual apontam para uma diversidade muito grande em parâmetros
como o número de parceiros sexuais ou de utilização
de preservativos. De qualquer forma, as informações empíricas
e os modelos teóricos são consistentes em apontar que o
número de parceiros sexuais e o uso de camisinha são fatores
de risco importantes na transmissão da doença. Há
vários outros fatores que estamos procurando avaliar no momento.
Por exemplo, é sabido que o uso de anti-retrovirais leva a uma
diminuição da carga viral no sêmem e nas secreções
vaginais. Portanto, para se avaliar o impacto na transmissão da
infecção de uma política de controle da AIDS que
oferece acesso universal ao uso de medicamentos, como no Brasil, torna-se
necessário conhecer em que medida os anti-retrovirais diminuem
esse risco de transmissão. A modelagem mátemática
torna-se bastante útil neste contexto.
Com Ciência:
Que resultados a modelagem matemática pode trazer para as análises
de estratégias terapêuticas para a Aids?
Struchiner: Como disse anteriormente, é esperado um impacto
importante da estratégia de tratamento adotada no Brasil no que
se refere ao risco de transmissão da doença. Entretanto,
há vários outros fatores a serem considerados. É
sabido que os vírus evoluem muito rapidamente quando submetidos
a pressões, como o tratamento, no sentido de desenvolverem mecanismos
de evasão, que se traduzem em resistência aos vários
anti-retrovirais. Os modelos matemáticos permitem uma discussão
dos fatores mais importantes nesse processo e o desenho de estratégias
de utilização dos medicamentos que minimizem o aparecimento
de resistência.
Com Ciência:
Sobre que aspectos da epidemia/Aids os modelos matemáticos se concentram?
Struchiner: No início da epidemia os modelos procuravam fazer
projeções futuras do incremento do número de infectados.
Num segundo momento, os modelos evoluíram e se sofisticaram passando
a incluir informações sobre o comportamento sexual e as
redes de transmissão da infecção, como entre usuários
de drogas venosas. Mais recentemente, os modelos têm procurado abordar
os aspectos moleculares relacionados à resposta imunitária
e à alta taxa de mutação do vírus levando
a padrões evolutivos característicos.
Com Ciência:
Qual a expectativa de que os resultados de seus estudos possam contribuir
para a redução das doenças infecciosas no Brasil?
Struchiner: Procuramos desenvolver ferramentas que nos permitam entender
os vários fatores que determinam os padrões de transmissão
de doenças e nos permitam, então, identificar estratégias
ótimas de intervenção. Na atualidade, estamos presenciando
uma enorme evolução no arsenal de possibilidades para o
controle das várias epidemias, em particular, no controle de vetores,
nos mecanismos de funcionamento das vacinas e no desenvolvimento de drogas
que atuam nas várias etapas do ciclo de vida dos parasitas. Cada
um desses elementos precisa ser cuidadosamente combinado para maximizar
o impacto final e diminuir a possibilidade de conseqüências
indesejáveis destas ações.
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