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Proteoma situa Brasil no topo das pesquisas mundiais
Carlos Bloch
CGEN quer criminalizar a biopirataria
Cristina Maria do Amaral Azevedo
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Proteoma
situa Brasil no topo das pesquisas mundiais
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O avanço provocado pela descoberta do genoma acabou
por determinar que o próximo passo nas pesquisas é
desvendar os segredos das proteínas, cuja composição
e estrutura tem importância fundamental para o futuro da humanidade.
O estudo do proteoma possibilitará ao homem, no futuro, alterar
e mudar os rumos da estrutura do organismo humano. Nessa perspectiva,
sob a coordenação da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Laboratório
Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e a Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) firmaram convênio,
no qual está sendo montado um laboratório especializado
na pesquisa do proteoma. Situado nas instalações do
LNLS, está sendo organizado pelo pesquisador da Embrapa Carlos
Bloch Jr., biólogo pela UnB com pós doutorado em físico-química
de macro-moléculas na Inglaterra (UCL). A revista ComCiência
entrevistou o pesquisador para saber sobre a montagem do laboratório
e a situação atual das pesquisas sobre proteoma no
Brasil e no mundo.
Comciência
- O que significa proteômica?
Bloch - Historicamente
as coisas começaram com o genoma, uma forma de estudar todos os
genes de um determinado organismo. Quando se notou que o material genético
não era suficiente para entender o que estava acontecendo com esse
organismo, surgiu a necessidade de se estudar o que realmente atua sobre
ele, ou seja, as proteínas. Por exemplo, podemos citar as diferenças
que existem entre o ovo, o pinto e o galo. Todos eles têm o mesmo
genoma, porém, apresentam diferentes estágios de expressão
gênica, em outras palavras, o conjunto de proteínas que esta
presente em cada um dos estágios de vida dessa espécie é
diferente. Portanto, uma das definições mais aceita de proteoma
é a que se refere ao estudo global das proteínas presentes
em um determinado evento ou momento metabólico, isto e', durante
as diferentes fases de crescimento da ave, diversos genes são "ligados"
enquanto outros são "desligados", indicando assim que
determinados conjuntos de proteínas param de ser expressos, enquanto
outros começariam a ser sintetizados. Como acontece com o ser humano
quando chega a puberdade; uma série de hormônios vai surgir
resultando, por exemplo, no aparecimento de barba, seios, enfim, é
tudo isso que eu chamo de momento ou padrão metabólico.
No caso de uma célula cancerosa, ela possui um padrão metabólico
diferente da célula normal e, com isso, uma expressão de
genes diferente da observada em uma célula normal. O estudo dessas
diferenças pode revelar o gene ou os genes envolvidos nessas diferenças,
oferecendo assim uma indicação precisa dos alvos metabólicos
a serem estudados.
Comciência
- Em quantos laboratórios se pesquisa o proteoma?
Bloch - Já existe uma rede formada no Rio de Janeiro que trabalha,
entre outros, com o que se chama de proteoma de veneno de uma espécie
de jararaca, se não me engano a Bothrops insulares. Existem
também outros grupos que já iniciaram alguns trabalhos com
técnicas proteômicas, especialmente dentro das Universidades
Federais. Normalmente, quando se fala em trabalhar com proteoma, a forma
mais desejável é ter o genoma completo da espécie
a ser estudada disponível, como foi feito aqui no estado de São
Paulo com a Xylella fastidiosa e a Xanthomonas citri, alem
de outros que estão surgindo por aí. Muitas vezes quando
você está estudando o proteoma você precisa dos bancos
de dados de genes, porque muita coisa é desconhecida ou se encontra
disponível nos bancos de dados públicos, então você
precisa referir-se aquilo que já foi feito na parte do genoma da
espécie de seu interesse. Isso é o que é desejável,
mas não quer dizer que não existam outras iniciativas que
partam necessariamente desse principio.
Comciência
- Como você classifica o estágio atual das pesquisas em proteoma
no Brasil e qual a comparação com o nível mundial?
Bloch - Se há alguma coisa em que o Brasil pode dizer que esteja
muito próximo do que está sendo feito no mundo da pesquisa
conhecida como Life Science, é o proteoma. Todo mundo está
no início. Existem, obviamente, iniciativas no exterior que já
estão bem mais avançadas sob o ponto de vista de equipamentos
e recursos humanos, mas não com resultados espetaculares, como
o rascunho do genoma humano. A razão disso é muito simples,
trabalhar com proteínas envolve muito mais etapas do que com ácidos
nucléicos e as técnicas de química de proteínas
e espectrometria de massa utilizadas para os estudos de proteomas, quando
comparadas ao que se desenvolveu para DNA, podem ser consideradas quase
que artesanais. Contudo, com essa nova instrumentação que
agora teremos a disposição no nosso laboratório aqui
no LNLS, em laboratórios no Estado de são Paulo, Embrapa
e outros, poderemos sair dessa condição e nos aproximarmos
muito dos melhores institutos de pesquisa da área. Nós recebemos
equipamentos de última geração, e estamos montando
um primeiro laboratório que possuirá o estado-da-arte em
proteoma, laboratório esse que é fruto de uma parceria entre
a Fapesp e os fabricantes desses equipamentos. Já adquirimos dois
equipamentos topo de linha que serão dedicados em tempo integral
para treinamento e para projetos de proteoma. Poucos são os grupos
no mundo que possuem esses aparelhos.
Comciência
- Qual o prazo de funcionamento pleno desse laboratório?
Bloch - Eu penso que até o final de abril os equipamentos já
estejam todos montados e prontos para o funcionamento.
Comciência
- Qual o interesse das agências de fomento e do governo brasileiro
nesse projeto?
Bloch - O interesse é total. O esforço que a Fapesp
fez ao financiar os vários projetos Genoma no Estado resultou numa
massa invejável de dados muito interessantes tanto do ponto de
vista cientifico, quanto do tecnológico. não podemos deixar
que todo esse patrimônio saia daqui indo parar em grupos de pesquisa
em proteoma no exterior, só porque nós ainda não
pudemos nos preparar satisfatoriamente para realizar essa tarefa. Essa
é a continuidade natural do investimento, feito nos vários
projetos genoma, só que agora com o proteoma, o efeito multiplicador
é muito maior devido a multidisciplinaridade do tema. O nosso laboratório
aqui no LNLS quer receber físicos, químicos, biólogos,
farmacêuticos, médicos, agrônomos, veterinários
e tantas especialidades quantas forem necessárias para oferecer
suas contribuições e responder suas perguntas cientificas.
É importante lembrar que a contenção de despesas
que temos testemunhado, que Faps, órgãos de fomento a pesquisa
e a política cientifica em geral vem sofrendo, impede que mais
recursos sejam destinados a projetos desse tipo por todo o país,
num primeiro momento. O interesse por parte das autoridades, assim como
a necessidade, é bem conhecida, mas existem situações
políticas e econômicas que não permitem que os mesmo
modelos de financiamento feitos para os projetos genoma de 3 ou 4 anos
atrás sejam re-implantados no proteoma; o mundo mudou de lá
para cá e com ele o nosso país. O que está acontecendo
de muito interessante agora é que os fabricantes de instrumentação
cientifica, vendo a nossa necessidade, a credibilidade da Fapesp e todo
o lastro científico que esse tipo de projeto já demonstrou,
decidiram investir e formar uma parceria conosco.
Comciência
- Qual é o investimento em capacitação de recursos
humanos?
Bloch - Uma vez esses equipamentos instalados, o meu papel aqui será
transmitir o pouco que sei sobre espectrometria de massa e química
de proteínas aos novos estudantes e pesquisadores interessados,
ao mesmo tempo em que já estaremos trabalhando nos projetos. Vamos
fazer cursos periódicos e o primeiro deve acontecer em agosto próximo.
Obviamente currículos deverão ser analisados porque se trata
de um curso de imersão, onde o participante, além da parte
teórica, terá a parte prática. Cursos dessa natureza
costumam ter um número de participantes de no máximo uma
dezena de pessoas. Por isso, vários cursos terão que ser
realizados para atender toda a demanda que a gente imagina que haverá.
Comciência
- Por que empresas nacionais não participam desse projeto?
Bloch - Esse é um dos meus maiores desejos: mostrar às
empresas o que acontece e poderá acontecer aqui. Sei de empresas
com problemas imediatos que podem ser resolvidos, pois a capacidade que
essas máquinas têm em termos de velocidade de analise e de
processamento dos resultados é muito grande. Podem não só
comportar os problemas científicos falados anteriormente bem como
atender as necessidades das empresas. Eu tenho um interesse muito grande
na possibilidade de poder repetir o exemplo de muitos casos lá
de fora, onde os laboratórios de proteoma caminham com a iniciativa
privada (industria farmacêutica principalmente) porque o país
precisa dessa proximidade, que aqui parece que nunca chega. E hoje nós
já' possuímos condições reais para fazer isso.
Comciência
- Existe interesse de investimento por parte dos empresários brasileiros?
Bloch - O que eu observo, pelo menos por onde eu já passei,
é que ainda não existe essa cultura no país. Só
para dar um exemplo, na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
em Brasília, possuímos vários laboratórios
muito bem montados e com profissionais capazes de atender a uma serie
de demandas do setor privado, no nosso caso particular, sou também
responsável pelo laboratório de espectrometria de massa
de lá e o que se nota depois de cinco anos de funcionamento é
que somente agora o setor do agro-negócio está nos procurando,
devido a uma série de problemas de exportação que
eles estão tendo e que a gente já poderia vir trabalhando
conjuntamente para evitar que o problema chegasse ao ponto que chegou.
Resumindo, tanto aqui quanto na Embrapa, eu gostaria muito que o investimento
de milhões de dólares fosse compartilhado tanto pela academia
quanto pelo setor privado. O estado já fez o investimento maior,
o que precisamos é dar continuidade a esse investimento. Por isso
insisto na história da participação da iniciativa
privada, pois isso beneficiará a todos.
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