Entrevistas
Clonagem
humana é totalmente desnecessária
Luiz Fernando Reis
Clonagem
humana: alcances e limites
Mayana Zatz
Clonagem
e reprodução humana
Roger Abdelmassih
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Clonagem humana: alcances
e limites
A
clonagem tem inspirado histórias literárias, filmes e furores
documentados pela imprensa. No Brasil, a emissora Rede Globo não
poderia ter escolhido melhor momento para exibir a novela O Clone,
cuja trama aborda a polêmica clonagem humana. Nesta entrevista,
a geneticista e consultora da novela, Mayana Zatz, do Instituto de Genética
do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP), comenta a
abordagem dada pela novela ao assunto e sua opinião sobre o programa.
Zatz é uma cientista que acredita que as pesquisas sobre clonagem
podem nos levar a importantes descobertas e a salvar muitas vidas. Em
2001, ela foi a ganhadora latino-americana do Prêmio Loréal,
que tem como principal objetivo promover as mulheres na ciência.
O prêmio, dedicado a cientistas mulheres que se destacam em seu
continente, é promovido pela Unesco.
Com Ciência: A senhora considera
a novela O Clone uma maneira eficaz de fazer divulgação
científica?
Mayana Zatz: Não. Existe uma série de erros e a novela
perdeu uma oportunidade única de estar educando o povo. Eu posso
dar alguns exemplos. Não assisti a todos capítulos, mas
entre os que assisti, algumas coisas me chamaram a atenção.
A primeira foi uma das personagens grávida, que estava esperando
uma filha, e a governanta, que disse para ela comer o que tinha vontade
por que senão o bebê sairia "aguado". E o povo acredita nisso!
Eu acho que tinha sido uma oportunidade única de a grávida
dizer "olha, não é bem assim, não sai com cara de
sorvete, não sai com cara de morango...", porque é isso
que ouvimos das pessoas que têm um nível cultural baixo.
Esta seria a primeira oportunidade de passar um conceito certo. A segunda
coisa foi [o episódio] da pinta. Dificilmente gêmeos idênticos
têm uma pinta no mesmo lugar, mas os dois gêmeos da novela
tinham. E o clone também. A gente sabe que a pinta normalmente
é uma espécie de manifestação somática,
que surge durante a vida do indivíduo.
Além disso, quem conhece gêmeos sabe que a pinta é
o que distingue um gêmeo do outro, não é? Então
dois gêmeos e um clone com pinta no mesmo lugar seria praticamente
impossível. A terceira coisa é a herança da pinta,
que seria uma herança que vinha da mãe, passada para os
filhos homens e ligada ao cromossomo X. Se esta é uma herança
dominante, ligada ao cromossomo X , a filha gêmea dela deveria ter
também a pinta. Mas poderia ser uma herança recessiva, daquelas
que só homem tem e a mulher não. De qualquer maneira, não
conhecemos nenhuma característica ligada ao X que seja para a produção
de pintas. Poderia ter sido dado um exemplo real, como o daltonismo, e
aproveitar para educar a população sobre o que é
uma herança recessiva. Outra oportunidade que se perdeu. Finalmente,
outra coisa que me chamou a atenção, e pode trazer problemas
éticos, foi o fato de se repetir na novela que o menino que nasceu
da Deusa [personagem negra] é muito branco para ser filho dela.
Sabemos que um casal negro ou mulato, pode perfeitamente ter um filho
branco, assim como ter um filho negro! A minha preocupação
é que esse tipo de comentário interfira no relacionamento
de muitos casais mulatos ou negros que têm filhos brancos. Os coitados
dos maridos vão começar a achar que aquele filho não
é dele! Essa é uma situação que vemos muito
em casos de albinismo, que são mais comuns em casais da população
negra do que da branca. Infelizmente na novela se perdeu uma oportunidade
de ensinar conceitos reais.
Com Ciência: Na edição
de novembro de 2001, o Jornal da Ciência, da SBPC (Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência) fez um levantamento sobre o que alguns
telespectadores de O Clone achavam que era clonagem. Uma destas
pessoas respondeu "É infinito". O que a senhora acha desta afirmação?
Zatz: Eu acho que a clonagem pode ser realmente a ilusão de
não morrer. Achar que se está perpetuando através
da clonagem. Você vai se clonando e aí continua a vida. Mas
isto é uma ilusão, obviamente, porque um clone nunca vai
ser a mesma pessoa.
Com Ciência: A novela expõe
a imagem de um cientista (Albieri) que está muito interessado em
realizar sua experiência de clonagem, mas não se importa
muito com as conseqüências. A senhora acredita que esta imagem
afeta negativamente a imagem dos cientistas?
Zatz: Se afetar negativamente eu acho ótimo! Aliás,
acho que existe um pouco desta imagem de cientista trancado em um laboratório,
pouco se importando com o que acontece à sua volta. Mas não
é isso que eu acho que está acontecendo, porque já
me contaram que tem gente que encontra o ator que interpreta o Dr. Albieri
na novela e pede para ele clonar um filho que morreu. E eu acho que esta
é a pior situação, porque emocionalmente eu posso
entender uma pessoa que sofre por um filho que morreu! A pior coisa que
pode acontecer com alguém é perder um filho. Tentar substituir
este filho é muito aceitável. O personagem Albieri tem uma
imagem antipática, anti-ética, mas isto a novela está
mostrando de forma fiel.
Com Ciência: Como foi a sua consultoria
dada à equipe da novela O Clone?
Zatz: A consultoria que eu dei foi sobre aspectos éticos, não
técnicos. Quando eu fui procurada para falar sobre os aspectos
éticos, a novela já estava escrita e eu não falei
absolutamente nada sobre aspectos genéticos. Reforcei a importância
de que a novela teria de estar educando o povo sobre este assunto, mas
infelizmente isto não aconteceu. E esse foi o ponto que eu mais
enfatizei.
Com Ciência: O público
da novela O Clone compreende melhor a divulgação,
pela empresa norte americana Advanced Cell Technologies, sobre o primeiro
embrião humano clonado devido às informações
transmitidas na novela?
Zatz: Na minha opinião, não. Ainda continuam as mesmas
dúvidas sobre a clonagem.
"Desde o colegial, me apaixonei pela genética, na época
em que ela ainda não era moda. Os avanços que
estamos vendo hoje, eram coisa com que não podíamos
nem sonhar. Acho fundamental que os debates éticos
sejam abertos a toda a população". Mayana
Zatz
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Com Ciência: Qual seu posicionamento
com relação a clonagem humana?
Zatz: Sou contra a clonagem humana reprodutiva, mas totalmente a favor
do uso de embriões para uso terapêutico. O que foi mostrado
[pela ACT] foi um exagero. Na realidade, o que eles fizeram foi transferir
o núcleo de uma célula já diferenciada para um óvulo
sem núcleo, que se dividiu até seis células. Só
que ter se dividido até seis células, e não oito
(que era o esperado), já nos mostra uma falha. De qualquer maneira,
o máximo que eles poderiam ter anunciado era que conseguiram uma
transferência de um núcleo de uma célula somática
para um óvulo. Eu acho que existe um exagero de chamar [resultado
da ACT] de clone humano, um exagero enorme da imprensa contra isso. O
limite, enquanto se está fazendo essas pesquisas no laboratório,
é implantar [o embrião] no útero! Em clonagem terapêutica,
nunca vai haver implantação do embrião em um útero.
O que as pessoas não estão entendendo direito é o
que chamamos de "clonagem terapêutica". As pessoas acham na clonagem
terapêutica será formado um embrião, do qual vamos
tirar o fígado, o coração... Várias pessoas
já me disseram que é isso o que elas entendem por clonagem
terapêutica. Tanto é que um dia desses eu vi num jornal um
esquema para explicar a clonagem terapêutica com o desenho de um
feto de 3 ou 4 meses. Eu disse: "pelo amor de Deus! Tira essa imagem daí
e põe meia dúzia de células, pois é disto
que estamos falando!" Quando as pessoas vêem um monte de células,
ninguém se impressiona...
Com Ciência: Muitos acreditam
que quando se utiliza um embrião para fins terapêuticos se
está matando uma pessoa ... Seria importante definir quando é
que a vida humana começa a existir.
Zatz: Esta é uma questão filosófica. Biologicamente,
quando se forma o sistema nervoso há um feto. Quando se definiu
que a vida começava no momento da fertilização, tanto
na religião católica quanto na judaica, estava-se pensando
em um útero e a fecundação em um útero é
muito diferente da que é feita dentro de um laboratório.
É difícil chegar a um consenso sobre quando começa
a vida. Uma outra coisa que acho importante que as pessoas entendam é
a questão da destruição de embriões [em clínicas
de fertilização]. Se o embrião não for usado
para experiências, ele vai ficar congelado ou será descartado.
Então, em vez de ficar descartando embriões, porque não
usá-los para salvar vidas?
Com Ciência: Depois de retiradas
células, o embrião ainda poderia ser implantado em uma mulher?
Zatz: Sim, a extração de células de embriões
é uma técnica utilizada para fazer diagnóstico antes
da implantação de embriões em mulheres para saber
se o feto tem alguma doença genética. A retirada de uma
célula do embrião não impede que ele seja implantado.
Você procede exatamente assim: pega um embrião de 8 células
e tira uma célula para analisar, depois implanta este embrião
que ele vai para frente.
Com Ciência: Qual a diferença
entre a célula-tronco de um embrião clonado, de um embrião
oriundo de uma fecundação natural e de um indivíduo
adulto?
Zatz: Entre o embrião natural e o embrião clonado acho
que não há diferença. Agora, em relação
às células-tronco que existem já no corpo humano,
como no cordão umbilical, ainda não se sabe. O que sabemos
é que as células do embrião antes de serem feto são
totipotentes, ou seja, elas podem se transformar em qualquer tecido, mas
não sabemos se as células-tronco do corpo humano ou do cordão
umbilical são também totipotentes ou se são pluripotentes,
ou seja, se transformam em qualquer tecido ou só em algum tecido
específico. Se as células-tronco retiradas de cordão
umbilical, por exemplo, tiverem a capacidade de se transformar em qualquer
tecido, está resolvido o problema. Ninguém vai querer embriões
para esta finalidade. Mas eu acho que não podemos fechar portas,
porque hoje ainda não sabemos. Meu medo é que os mais afoitos
proíbam as pesquisas e fechem as portas.
Com
Ciência: A senhora considera o anúncio da ACT irresponsável?
Zatz: Acho que ele gerou uma reação contrária
enorme. Mas é uma ilusão achar que vamos parar esse processo
[da clonagem humana]. Ele não vai parar. É melhor aprová-lo
e fazer as pesquisas de forma controlada, do que proibir e as pesquisas
continuarem "por baixo do pano". Outra coisa é que existem muito
exemplos de avanços científicos que são usados para
o bem e para o mal. A energia atômica é uma delas. E daí
a questão: será que vale a pena correr o risco de termos
uma tecnologia que pode ser desenvolvida para a clonagem terapêutica,
mas pode ser usada também para a clonagem humana? Eu acho que vale
a pena a gente correr este risco porque diferentemente da energia atômica,
que pode causar um desastre geral, a clonagem reprodutiva nunca vai acontecer
em larga escala.
Com Ciência: Por que? O procedimento
é demasiado caro?
Zatz: É caro. A própria fertilização assistida
é uma coisa que nem todo mundo pode pagar. A gente sabe que é
uma tecnologia que nunca vai ser acessível a todos e nunca vai
ser feita em grande escala.
Com Ciência: Com a tecnologia
que existe hoje estamos próximo do clone humano?
Zatz: Eu acho que não. Agora, entre fazer um clone humano e
uma pessoa normal, isso sim é que é a grande pergunta. Eu
acho que mesmo hoje, o risco de se ter uma criança com problemas
ainda existem. Não vou nem falar em más-formações,
pois estas são detectadas logo nos primeiros meses de gestação.
O que eu acho mais preocupante são algumas doenças que podem
aparecer mais tarde e que podem ser muito graves. Nós, que trabalhamos
com doenças neurodegenerativas, sabemos que existem dezenas de
doenças que se manifestam depois do nascimento. O aspecto do bebê
é absolutamente normal, mas na realidade ele tem alguma mutação
gravíssima que o leva a morte na primeira década, ou na
segunda ou até um pouco mais tarde. Esse é o grande perigo.
Com Ciência: Com relação
à legislação brasileira, a senhora acha que ela está
adequada?
Zatz: Ela está radicalizando [o assunto]. Quer dizer, é
absolutamente contra a clonagem reprodutiva (o que eu acho que também
está acontecendo internacionalmente). Agora já estão
querendo proibir qualquer pesquisa com células embrionárias.
Há uma proposta de lei que diz que se depois de 5 anos um casal
que tivesse embriões em uma clínica e não os quisesse
mais, os embriões ficariam sob responsabilidade da clínica,
mas nunca poderiam ser usados para experiências, embora possam ser
usados para adoção. Quer dizer... tratam de um amontoado
de células como tratam de uma criança! Quem tem um filho
com uma doença genética está desesperado para que
as pesquisas [com células-tronco] realmente possam acontecer. O
que está faltando é o que eu disse para os membros da associação
contra a atrofia muscular que fundei: "Vocês como pessoas, como
pais de filhos afetados, como pessoas que têm essa doença
na família, precisam buscar a ajuda da imprensa, precisam mostrar
para o pessoal que faz as leis que esta tecnologia pode salvar vidas!"
Existem inúmeras doenças genéticas que poderiam ser
curadas com a tecnologia [de células-tronco]... Eu acho que falta
a imprensa conversar com as pessoas que convivem com pessoas afetadas,
ouvi-las e parar para pensar: "Puxa, eu não pensei nisso! Se eu
tivesse um filho com um problema desses eu faria qualquer coisa!"
Com Ciência: Existem outras técnicas,
que substituam a clonagem de embriões para a obtenção
de células-tronco?
Zatz: Há. O que eu acho hoje mais promissor é o uso
de células-tronco de cordão umbilical. Da medula também
é possível, embora dela seja mais dificil de se obter [células-tronco]
do que do cordão umbilical.
Com Ciência: O material genético
do embrião clonado de uma célula de um adulto pode ser considerado
"velho"? A qualidade das células-tronco deste embrião é
a mesma daquelas vindas de uma fecundação natural?
Zatz: Isto não sabemos.
Com Ciência: Parece que hoje há
tantas perguntas, que ainda não podemos afirmar quais são
as técnicas eficientes ou não.
Zatz: Temos que responder ainda muitas perguntas. Pode ser que daqui
a trinta, cinqüenta anos, a gente possa afirmar que não é
seguro fazer clonagem humana. Ou então poderemos afirmar que não
há risco genético, o problema é só ético.
E aí vai da cabeça de cada um, ninguém tem nada a
ver com isso.
Com Ciência: Qual a idade real de
um animal clonado a partir de um adulto? É a idade de seus genes?
Zatz: Esta é uma outra questão em aberto. Ainda não
sabemos responder. A idade de um animal é medida pelo tamanho dos
telômeros, que ficam na pontinha dos cromossomos. Sabemos que eles
diminuem de tamanho conforme a célula vai envelhecendo. O que aconteceu
na ovelha Dolly foi que ela tinha os telômeros
diminuídos desde que nasceu.
Aí se conclui que ela já tinha uma idade mais avançada.
Mas em outros modelos animais, de bezerros clonados, por exemplo, não
foram observados telômeros diminuídos.
Com Ciência: Se as respostas são
diferentes para as espécies, é possível utilizar
a técnica de clonagem testada em animais para humanos?
Zatz: Eu acho que inicialmente deveriam ser clonados macacos, pois
são mais parecidos com a gente. Clonaríamos, por exemplo,
mil macacos, que seriam comparados, durante a sua vida, com outros mil
macacos nascidos na mesma época, por reprodução sexuada.
E aí analisaríamos as diferenças e detalharíamos
os impactos. Já foi realizada a primeira transferência de
núcleo em macacos, mas até agora não se chegou a
embriões. Também é estranho porque não deu
certo. Eu acho que, talvez, quanto mais complexo for o animal na escala
evolutiva, mais difícil será a clonagem.
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