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Luiz Fernando Reis

Clonagem humana: alcances e limites
Mayana Zatz

Clonagem e reprodução humana
Roger Abdelmassih

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Clonagem e reprodução humana

Cético da clonagem humana, o especialista em reprodução assistida, Roger Abdelmassih diz que essa técnica, bem como outras empregadas na fertilização artificial, tem muito ainda o que evoluir. Ele é dono de uma das clínicas mais requisitadas no País, localizada no Bairro dos Jardins, em São Paulo. Em dez anos, dos oito mil bebês de proveta nascidos no Brasil, aproximadamente, 2,6 mil foram gerados na sua clínica, entre eles os gêmeos de Pelé. O aluno da primeira turma de médicos da Unicamp acredita que a universidade parou no tempo e que os altos investimentos em tecnologia, em laboratório, garantem o sucesso, que ele traduz em resultados. Criticado por algumas atitudes, como interferir na definição do sexo de bebês, o médico se defende dizendo que nunca deixa de consultar o Conselho Federal de Medicina sobre assuntos de ética médica. Sua mais recente preocupação é com o projeto de lei do senador Tião Viana, do PT do Acre, que impõe limites à reprodução assistida. Para Abdelmassih, isso será um caos.

Com Ciência - O anúncio da clonagem do primeiro embrião humano gerou muitas críticas. A Advanced Cell Tecnology, que desenvolveu o projeto, disse que não pensou na clonagem com fins reprodutivos. Na sua opinião, foi essa mesmo a intenção?
Abdelmassih
- Em primeiro lugar, eu queria dizer que essa empresa quis marcar presença e, obviamente, criar condições, para amanhã se favorecer em algum aspecto econômico- financeiro. O uso da clonagem humana reprodutiva está muito distante de ser seguro e por isso não tem sentido fazê-la. Como se viu, o embrião clonado não se desenvolveu. Ele parou rapidamente. Qualquer técnica, em medicina, tem, em primeiro lugar, que ter eficiência para que possa ser aplicada em humanos e a técnica da clonagem ainda não tem eficiência. Mesmo que já se tivesse conseguido, seria uma absoluta inconseqüência e temeridade se fazer isso no aspecto reprodutivo. Você vai ter uma criança (se é que ela nascerá) com amplas possibilidades de anormalidade e sem saber como isso pode acontecer. Por quê? Porque não há estudos em nível animal suficientes para isso. É uma aberração se pensar em fazer uma técnica em que você não tem uma avaliação animal primária. Esses dois aspectos inviabilizam qualquer idéia sobre clonagem humana. Só a TV Globo que consegue isso com uma qualidade ímpar.

Com Ciência – A clonagem não seria mais indicada nos casos em que outras técnicas de reprodução assistida sejam insuficientes ou ineficazes?
Abdelmassih
- As indicações seriam, exclusivamente, nos casos de mulheres que não têm mais óvulos. Então, seria clonada a própria mãe. Ou homens que não tivessem mais espermatozóides e se fizesse um clone do próprio marido, gestado pela mulher.

Com Ciência – O senhor falou de técnicas semelhantes à clonagem que foram desenvolvidas no Brasil. Quais são elas?
Abdelmassih
- O Brasil é o primeiro lugar no mundo em que se gerou um embrião humano para uma mulher infértil (que não produzia óvulos viáveis) através da técnica chamada de "haploidização" da célula somática. Foi tomado um núcleo somático diplóide (com 46 pares de cromossomos); utilizou-se óvulos de uma mulher, (tirou-se o núcleo) que ficaram "esvaziados" (que é o que é feito para a clonagem) e ficamos com óvulos "vazios". Injetou-se nessa célula o núcleo somático e houve a interação do núcleo com essas células vazias (como na clonagem). Em seguida, os óvulos foram fertilizados por espermatozóides, e começou a divisão em dois corpúsculos polares. Só que tiramos [foram expelidos quando da fertilização pelo espermatozóide] um corpúsculo (23 pares de cromossomos). O que são 23 pares dentro de uma célula germinativa? É um óvulo. Formamos um óvulo para uma mulher que não produzisse mais óvulos, injetamos o espermatozóide do marido e houve o primeiro embrião formado, que está congelado. Atualmente, a equipe da minha clínica, junto com o Dr. Visintin, da Faculdade de Veterinária da USP, faz pesquisas com vacas e também com camundongos. Também estamos trabalhando em parceria com a Universidade de Connecticut (EUA), que está fazendo a parte de camundongos conosco. A técnica foi desenvolvida pelo Dr. Peter Nagy.

Com Ciência – Essa pesquisa foi iniciada na sua clínica?
Abdelmassih
- Foi iniciada na minha clínica pelo Dr. Peter Nagy. Os australianos, mais recentemente, iniciaram uma pesquisa também com camundongos, tentando fazer um embrião sem precisar do espermatozóide. Esse é um caminho que vai resolver muitos problemas, porque as técnicas são muito semelhantes à da clonagem. Quando se dominar a clonagem, teremos dominado essa técnica. Mas por que fazer um clone humano? Não tem sentido. Hoje não aplicamos essa técnica porque não temos eficiência e não sabemos o que vem por aí. No momento em que tivermos eficiência e soubermos o que nasce do animal, talvez as indicações para a clonagem tenham já desaparecido. Sem dúvida, a clonagem terapêutica vai ser de grande importância para a população, porque vai dar condições a uma pessoa que precise de um órgão de obter um tecido que vai funcionar de maneira equivalente à do órgão lesado. Você está salvando vidas e isso é fantástico. Só que a técnica para desenvolver as células-tronco e chegar a tecidos não existe ainda. É uma história que vai ser desenvolvida e tem que andar para chegar no ponto final de uma condição de aplicabilidade. Não tem sentido fazer um clone com essa finalidade se nós não temos aquela outra ponta lá na frente. Então, eu entendo o seguinte: como não há necessidade de fazer o clone humano para fins terapêuticos nesse momento, o que tem que ser incentivado é fazer clones animais para fins terapêuticos, para desenvolver as célular-tronco e, no momento em que a técnica for absolutamente dominada, aí sim terá o absoluto valor para ser aplicada e se fazer a clonagem humana com finalidade terapêutica.

Com Ciência - O senhor não está ligado a universidade, a nenhum centro de pesquisa, a nada. Isso nunca lhe criou dificuldades?
Abdelmassih
- Existe sempre um pouco de dificuldade, é evidente. Mas eu acho que esses entraves são muito menores do que as dificuldades que a universidade oferece (veja artigo de Carlos Vogt). A universidade não dá nada. Ela cria um pouquinho mais de facilidade, mas é tudo muito demorado. Eu me lembro que quando eu estudava na Unicamp era problemática a história de querer fazer fertilização in vitro do jeito que eu achava que se devia fazer. E o projeto não andou. Quer dizer, era uma coisa primária que existia, e ainda existe, dentro da Unicamp, não obstante ela ser uma das melhores universidades do Brasil. Eu tenho orgulho de ter sido da primeira turma de medicina da Unicamp e ter trabalhado como professor assistente. Mas são ridículas as condições que a universidade dá ao profissional que queira fazer alguma coisa com uma certa rapidez. Principalmente, na reprodução assistida e na genética, em que as coisas estão avançando numa velocidade ímpar.

Com Ciência - Não é um contra-senso a vida ter sido transformada em comércio?
Abdelmassih
-Eu acho que nós temos que analisar essa questão pelo ângulo da medicina social em determinados países, como o Brasil. O governo não dá a menor condição para a medicina reprodutiva. Não existe apoio governamental. Eu tenho um projeto para atendimento do casal de baixa renda sem filhos e nunca consegui implantá-lo porque nenhum governante o viu com olhos absolutamente claros. Sempre vem à tona a idéia de que se estaria fazendo mais crianças pobres num país já pobre. Isso é um absurdo, um contra-senso, porque nós não vamos fazer 10, 12 , mas um, no máximo dois, e dar condições ao casal para isso. Na França e na Austrália o casal recebe três ciclos de medicamento, tudo de graça, para fazer tentativas de fertilização in vitro. Em Israel, faz quantas vezes quiser, desde que precise. O governo paga. Então, esse aspecto de comércio acaba não existindo em países onde se dá condições viáveis para o casal. O Brasil conseguiu aprovar uma lei dos planos de saúde, três anos atrás, e conseguiu não incluir o tratamento do casal sem filhos, que representa 20 % da população de casais. É outro contra-senso. Como vai se fazer uma coisa dessas? Nos Estados Unidos, o preço hoje de uma fertilização in vitro é de dez mil dólares. No Brasil é bem menos. Varia de seis a 13 mil reais. Por que essa variação? Porque o preço depende muito da tecnologia. Quanto mais tecnologia, mais resultados. Mas é evidente que a tecnologia que traz resultados também custa mais. Então, quando você vê um centro americano, com ótimo resultado, também tem um custo operacional alto e tem um resultado alto também. A minha clínica, por exemplo, prima por ter resultado. A minha ótica é resultado.

Com Ciência - A que o senhor atribui o fato de sua clínica estar entre as melhores do mundo e ser tão requisitada?
Abdelmassih
- Eu acho que a minha clínica é mais requisitada porque é onde nascem mais crianças e, obviamente, fazer nascer mais crianças é o testemunho vivo do resultado da clínica. Não adianta eu ficar falando que tenho um bom resultado e não tê-lo. Nós temos em torno de 2,6 mil bebês nascidos por fertilização in vitro, de um total, no Brasil, de 7,5 mil a 8 mil. Isso é um marco absoluto.

Com Ciência - Em quanto tempo a clínica chegou a esse resultado?
Abdelmassih
- Em dez anos. Quando eu comecei, tinha a idéia modesta de fazer em torno de sete ciclos por mês, que seriam uns 70 ciclos por ano, 80 ciclos, no máximo. No primeiro mês, eu fiz 14 e terminei o ano com 130. Depois, no segundo ano, foi a 250 ciclos e hoje eu faço 1,2 mil ciclos de fertilização in vitro por ano. É bastante. Qual é a razão disso? É o sucesso. Agora, o sucesso me custa muito caro, porque eu tenho que ter a maior tecnologia possível. Por exemplo, hoje eu tenho, além do Dr. Peter Nagy, pesquisadores trabalhando na clínica e para fazer alguma coisa, qualquer coisa que seja, você tem que ter um controle de qualidade muito bom. E, tendo um controle de qualidade muito bom, você tem um melhor resultado. Hoje, por exemplo, eu estou aqui com um pessoal trabalhando na área da biópsia do embrião. Nós já fazemos rotineiramente essa tarefa, mas é um trabalho em cima da aplicabilidade para todos os embriões e, com isso, podemos saber efetivamente qual é o bom e qual não é o bom, mesmo em mulheres jovens. São essas coisas que acabam valorizando e dando um melhor resultado à clínica. Eu acho que a razão de ela ser considerada de ótimo resultado em nível mundial é porque há um investimento violento e permanente, na estrutura laboratorial.

Com Ciência - E sua clientela vem de outros países ou a maioria é nacional ?
Abdelmassih
- É nacional. Tenho, obviamente, um percentual anual de cinco a dez por cento de pessoas que vêm do Japão, brasileiros ou brasileiras que se casaram com japonês e moram no Japão. Eu estou com três pessoas dos Estados Unidos. Uma de Miami, que tinha feito três tentativas lá. É uma descendente japonesa, que já saiu grávida. Estou com uma outra cliente, que é casada com americano e mora nos EUA há muitos anos. E estou com um casal de árabes. Ele é árabe, morando nos Estados Unidos, e ela é filha de libaneses daqui do Brasil. Morando nos Estados Unidos, vieram fazer o tratamento aqui.

Com Ciência – E compensa?
Abdelmassih – Para eles é melhor vir para cá porque tem-se um índice de sucesso e o valor é menos da metade do norte-americano. A minha média acaba sendo um valor entre 8, 9 mil a 13 mil reais.

Com Ciência – O senhor recebe críticas por definir o sexo dos bebês. Como responde a elas?
Abdelmassih
- Eu não faço isso. Quando a Veja me entrevistou, eu disse à repórter que a biópsia do embrião para determinar sexo é muito importante para detectar doenças. Ela perguntou: "E o senhor faz?". Eu falei: "Olha, eu vou te responder da seguinte forma: a ciência existe. Eu tenho um casal de árabes que tem quatro filhas mulheres e para eles é extremamente importante ter um filho homem, por aspectos familiares, uma série de coisas. Será que isso me impediria de eu fazer?". E ela não colocou que eu consulto o Conselho Federal de Medicina. E o pedido do casal? O grande problema é entender que embriões são vidas. Só que eu entendo, e a grande maioria dos cientistas hoje começa a entender também que a formação do embrião não é vida ainda. Quando começa a vida? Eu entendo que a vida começa quando o embrião "gruda" dentro do útero. Ali, quando houve a nidação, o "grude", digamos assim, do embrião no útero, começou a vida. Agora, quando isso ainda não ocorreu, não há vida. Existe uma outra teoria ainda, filosófica, que entende que a vida só começa depois de 14 dias, quando começa a estrutura nervosa do embrião. Então, essa discussão filosófica tem que ser, obviamente, respeitada e não absolutamente impingida. Eu sou católico praticante, apostólico, romano, etc., mas a igreja determina que a vida começa quando houve a fertilização. Só que o termo da Igreja é fecundação. Quando se dá a fecundação? É quando há o embrião, ou fecundação é quando há nidação? Eu entendo que fecundação é a nidação. Fertilização é a entrada do espermatozóide dentro do óvulo. Aí é uma história que vamos discutir horas e não vamos chegar a lugar nenhum.

Com Ciência - O senhor trabalha a partir do seu próprio ponto de vista?
Abdelmassih
- Não, eu respeito as condições legais. Eu não vou fazendo as coisas pela minha cabeça não. Eu sou muito respeitador ao Conselho Federal de Medicina e tenho muita preocupação com a lei do Lúcio Alcântara e do Tião Viana, que se for aprovada vai causar um desastre para a medicina reprodutiva brasileira porque os resultados vão piorar.

Com Ciência - O senhor acha que as técnicas de reprodução assistida evoluíram o bastante para realizar os sonhos dos casais?
Abdelmassih
– Elas têm que evoluir mais. Ainda temos que caminhar. Para você ter uma idéia, um ótimo embrião dá 20 % de gravidez. Quer dizer, quando eu ponho três ótimos embriões, eu tenho 50 %. Isso ainda é uma coisa que tem que ser melhorada. É preciso que, como para as vacas, haja 50 % de sucesso. Três tentativas hoje são 87,5% de chances, ou seja, em cada dez mulheres, oito a nove vão levar o filho para casa.

Com Ciência - Quando o senhor olha para o futuro, daqui a uns 30 anos, pode imaginar como estarão essas técnicas de reprodução?
Abdelmassih
- [Risos...] Não, porque eu, 20 anos atrás, não imaginava que estaria realizando as coisas que realizo hoje.

Com Ciência - Ao interferir no processo natural de criação da vida, o senhor diria que o homem está cada vez mais perto de Deus ou já o superou?
Abdelmassih
- Não, absolutamente. Eu acho que nós estamos cada vez mais necessitados de Deus e eu acho que o ser humano nunca precisou tanto de oração e de Deus quanto agora. O homem tem se tornado muito frio de uma forma geral. Na reprodução humana, eu me sinto um verdadeiro instrumento de Deus e eu tenho certeza de que os bons cientistas jamais pensariam em querer ser tão poderosos para poder decidir coisas que a vontade de Deus vai decidir. Eu sou um instrumento dele. (Sobre este assunto, veja artigo de Carlos Vogt)

(RB)

Atualizado em 10/12/01

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