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Clonagem
humana é totalmente desnecessária
Luiz Fernando Reis
Clonagem
humana: alcances e limites
Mayana Zatz
Clonagem
e reprodução humana
Roger Abdelmassih
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Para biólogo clonagem
humana é absolutamente desnecessária
Luiz
Fernando Reis é biólogo molecular, foi membro da Comissão
Técnica Nacional de Biosegurança (CTNBio) e um dos coordenadores
do Projeto Genoma do Câncer e atualmente trabalha no Instituto Ludwig
de Pesquisa sobre o Câncer, de São Paulo. Reis é absolutamente
contra a clonagem humana com fins reprodutivos e acredita que os avanços
da bioengenharia deverão suprir a demanda por órgãos
a ponto de tornar também a clonagem humana com fins terapêuticos
dispensável. O biólogo no entanto é a favor do uso
de células-tronco de embriões depositados em clínicas
de fertilização para utilização em tratamentos.
Uma de suas pesquisas envolve a manipulação de células
embrionárias (ou células-tronco) em camundongos, com o objetivo
de criar modelos experimentais para estudos de respostas inflamatórias.
Com Ciência - O Instituto Ludwig
desenvolve pesquisas com células-tronco de camundongos com que
finalidade?
Luiz Fernando Reis - Estamos interessados em descobrir os mecanismos
que regulam a resposta inflamatória. Para isso extraímos
células-tronco de camundongos, que são multiplicadas em
laboratório, depois são alteradas geneticamente e são
colocadas de volta no embrião. Como são células-tronco,
essas células geneticamente alteradas vão dar origem a um
camundongo geneticamente alterado. Com isso podemos estudar o papel de
algumas proteínas da resposta inflamatória. Se descobrirmos
o mecanismo que faz com que uma reação inflamatória
seja aumentada ou diminuída, poderemos criar drogas para melhorar
essa resposta inflamatória. Os experimentos são feitos com
células-tronco de embriões de camundongos fecundados naturalmente.
Com Ciência - Essa técnica
pode ser usada para pesquisas em humanos?
Reis - Essa é uma técnica que já está
sendo muito utilizada na pesquisa com seres humanos, e que tem obtido
sucesso. Eu particularmente acho que é uma maneira mais eficiente
de se obter células-tronco e que dispensa por completo clonagem
em seres humanos. Eu não vejo nenhuma razão para se fazer
clonagem reprodutiva.
Com Ciência - O senhor fez parte
da Comissão Técnica Nacional de Biosegurnaça (CTNBio).
O que a legislação brasileira prevê em relação
à clonagem?
Reis - Legalmente no Brasil, ela é proibida. Em 1997, logo
depois da clonagem da ovelha Dolly a CTNBio criou uma instrução
normativa que proíbe a clonagem reprodutiva em humanos. A Comissão
chegou à conclusão de que não vale a pena correr
o risco da clonagem humana, o que eu particularmente acho que é
fato. A técnica descrita pelo grupo de pesquisadores da Advanced
Cell Technology, nos EUA, no dia 25 de novembro é absolutamente
proibida aqui, independentemente da discussão ‘emocional’. Quanto
à penalidade para quem infringir a lei, cabe à polícia
determinar.
Com Ciência – De que maneira isso
afeta as pesquisas com células-tronco?
Reis - Existem duas maneiras de se obter células-tronco. Uma
delas é por clonagem. A outra é através dos embriões
disponíveis em clínicas de fertilidade (que seriam descartados),
dos quais é possível se obter células-tronco e fazer
pesquisa no sentido de obter esse tipo de células. Mas há
uma outra maneira, mais interessante, de se obter células com capacidade
de regenerar órgãos. Pesquisas em animais mostraram que,
células extraídas da medula óssea se desenvolveram
com as características de um neurônio e outras também
reconstituiram áreas lesadas do tecido cardíaco. É
claro que existe uma discussão ética enorme em relação
à utilização de células-tronco de embriões,
na qual eu não quero me envolver, que diz respeito à própria
definição de "embrião". Alguns acham que um embrião
é um ser vivo outros acham que não é. Eu acho que
se trata simplesmente de uma massa celular, que ainda não tem nem
função definida.
Com Ciência - A partir de que
momento essa massa celular passa a ser um organismo vivo?
Reis - Existem pessoas defendendo a idéia de que a partir do
momento em que as células-tronco de um embrião se desenvolvem
a ponto de começarem a formar os tecidos (depois portanto do estágio
de blastocisto), se pode falar de um ser vivo. Este é o estágio
em que se tira as células-tronco. Já a Igreja defende que
a partir do momento em que é feita a fecundação,
já há um ser vivo. Por isto ela é terminantemente
contra à clonagem.
Com Ciência – Por que então
tem havido tanta polêmica quanto à clonagem?
Reis - O argumento que se usa para fazer a clonagem reprodutiva, com
o qual eu particularmente não concordo, é a questão
da rejeição. O argumento é que se eu precisar de
um coração ou fígado novo, não adianta existir
células-tronco de um outro indivíduo, porque eu vou rejeitar
o transplante. Este, então, teria que ser feito com as minhas próprias
células. Eu tenho dois argumentos contrários a isso. O primeiro
é que não existe a menor indicação de que
isso funcione. Funcionou em alguns animais e eu não acho que estejamos
preparados para investigar no humano quais são as conseqüências
disso. Nós temos indicações, por exemplo, de que
a ovelha Dolly tem problemas de envelhecimento precoce. Não dominamos
ainda este tipo de tecnologia. O segundo argumento é que nós
vamos resolver o problema da rejeição muito mais rápido
do que entender todo esse mecanismo de clonagem. Vamos entender muito
mais os mecanismos celulares estudando a biologia molecular. Nós
vamos resolver o problema da rejeição de uma maneira muito
mais eficiente do que a clonagem, a um custo muito mais viável.
Para a produção de órgãos, será muito
mais fácil utilizar órgãos do que estamos chamando
de "porco humanizado". São porcos transgênicos que expressam
algumas das proteínas de superfície do homem. Não
há nada de errado em você usar essa tecnologia. É
claro que existe a questão de segurança. Será que
não vamos trazer patógenos (vírus) do suíno
para o homem? Mas esta é uma questão científica que
pode ser resolvida. Eu não tenho dúvida nenhuma de que daqui
a cinco, seis anos, mais ou menos, nós vamos ter um coração
100% artificial.
Com Ciência - E a questão
de quantidade de órgãos? Nós sempre vemos filas de
espera por órgãos para transplantes. A clonagem não
serviria para este fim?
Reis - Eu vejo um esforço grande dentro da chamada bioengenharia,
na tentativa de cobrir essa falta de órgãos para transplantes.
Há muitas pessoas trabalhando nisso. Mas uma coisa é você
ter a função celular. Eu posso ter uma garrafa de células
onde todas as células que estão ali dentro vieram de um
fígado, mas aquilo está longe de ser um fígado, porque
não tem a estrutura desse órgão. Mas talvez seja
possível fazer uma estrutura de teflon, por exemplo, na forma de
um fígado, que revestido com hepatócitos funcione como um
fígado.
Com Ciência - Qual é a
diferença entre usar a célula-tronco da medula e a de um
clone de embrião?
Reis - Existe uma diferença fundamental. Não sabemos
ainda se as células-tronco da medula têm a mesma capacidade
de gerar outras células como as células-tronco do embrião.
Sabemos que as células-tronco embrionárias têm a capacidade
de gerar qualquer célula do organismo. Temos evidências de
que as células da medula guardam um grande poder de diferenciação,
que são capazes de diferenciar neurônios, de diferenciar
células do coração, mas não podemos garantir
que ela guarda a mesma pluripotência ou totipotência da célula
embrionária.
Com Ciência - Existe diferença
entre a célula-tronco de um embrião clonado a partir de
material genético mais velho e a de um embrião fecundado
naturalmente?
Reis - Existe porque o DNA de uma pessoa adulta acumula mutações
durante a vida. A toda hora as nossas células estão acumulando
mutações. Eventualmente essas mutações são
corrigidas. Quando não são corrigidas podem acontecer duas
coisas: a célula pode morrer, ou a célula pode viver com
aquela mutação sem muita alteração. O problema
é que se ela tem uma alteração hoje, outra amanhã
e outra depois de amanhã, isso pode se transformar num câncer.
Por esta razão eu acho muito importante pesquisar a ovelha Dolly,
por exemplo, para determinar qual a exata idade dela ao nascer. Ela é
uma ovelha recém-nascida ou do ponto de vista genético ela
já é uma ovelha que tem um envelhecimento precoce? Parece
que há sinais de envelhecimento precoce.
Com Ciência - Seria possível
dizer que a Dolly tem tantos anos hoje quanto o doador da célula
que deu origem a ela?
Reis - Esta seria a conclusão simplista. Eu não sei
se podemos falar, mas esta é a linha de raciocínio. Sabemos
que a célula de um embrião vindo da clonagem seguramente
não vai ter as mesmas características genéticas de
uma célula embrionária obtida por fertilização
natural. Qual o impacto disto? Eu ainda não sei. Será que
foi por isso que o embrião desenvolvido pela ACT só duplicou
por 72 horas? Eu não sei. Seguramente em animais essa diferença
não foi tão impactante porque a Dolly e a Vitória
[bezerra clonada a partir de célula embrionária, na Embrapa,
em maio de 2001] nasceram.
Com Ciência - E a Dolly já
deu cria...
Reis - Mas existe uma diferença fundamental. Se você
fizer o clone a partir de células embrionárias, você
não tem problemas de senilidade, porque quem criou o embrião
também era uma célula muito jovem. Isso tem inclusive uma
importância muito grande na economia. Hoje o Brasil é dono
da maior genética bovina do mundo. Outro dia, uma vaca foi vendida
por R$ 1, 8 milhões. É possível cruzar essa vaca
com o melhor touro do mercado, pegar o seu embrião, produzir células
embrionárias deste animal e vamos cloná-lo. É a partição
embrionária, que o Brasil faz hoje com muito sucesso. Você
pega uma embrião jovem e o divide por dois. Se conseguirmos fazer
isso massivamente com as células embrionárias, é
possível aumentar a qualidade genética do rebanho tremendamente.
Geneticamente isso teria um impacto muito grande.
Com Ciência - Então, tecnicamente,
ainda não é viável fazer um clone humano?
Reis - O que foi descrito está longe de ser a criação
de um embrião. O que os pesquisadores da ACT criaram foi uma massa
celular, que morreu em 72 horas e do ponto de vista científico
qualquer revista de melhor impacto teria rejeitado o artigo. Eu não
tenho dúvida nenhuma disso. Eles tiveram uma publicação
bastante rápida e existe uma luta para se obter patentes sobre
isso e obviamente é uma empresa que deve estar querendo abrir capital
na bolsa e quer valorizar as suas ações.
Com Ciência - O senhor é
a favor do patenteamento de genes e de processos?
Reis - Existem duas coisas distintas. No Projeto Genoma do Câncer,
do qual eu fui um dos coordenadores, nós seqüenciamos um milhão
e cem mil seqüências de genes humanos. Nem o Instituto Ludwig
e nem a Fapesp [Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado
de São Paulo] patentearam nenhuma seqüência. Todas foram
depositadas em bancos de dados e qualquer pessoa tem acesso a esse material.
A outra coisa é pegar uma dessas seqüências e descobrir
uma função ou aplicabilidade. Nesse sentido eu sou absolutamente
favorável ao patenteamento. Eu acho que é a única
saída pra você ter ciência de verdade. É totalmente
fora da realidade acreditar que você vai fazer ciência de
verdade sem pensar em proteção intelectual. Agora, o que
se protege intelectualmente? Alguma coisa que é original. O simples
seqüenciamento do genoma humano não é geração
de conhecimento, mas sim geração de informação,
que não pertence a mim, nem a você ou a ninguém. Agora,
o que eu vou fazer com isso, é completamente diferente.
Com Ciência – O que acontece se
um país proíbe a clonagem humana e outro não? Sem
tocar nos aspectos éticos envolvidos, não se cria uma defasagem
científico-tecnológica?
Reis - Se você quiser ir para um lugar onde seja permitido fazer
clonagem, se você tiver dinheiro para isso, nada impede. Mas depois
da divulgação do trabalho da ACT, os países que são
contra estão tentando fazer com que a ONU [Organização
das Nações Unidas] faça uma reunião para proibir
a clonagem humana no mundo, mas também só vai valer para
os países signatários da ONU.
Com Ciência – Há alguma
discussão sobre o patenteamento diferenciado de produtos ou do
processo na clonagem?
Reis - Eu acho que você pode patentear o processo. Você
tem também duas coisas, ou o processo ou a utilização
do processo. Por exemplo, se eu descobrir como fazer sangue artificial,
eu posso patentear esse processo e licenciar para alguém produzí-lo.
Ou se eu patentear uma droga, eu posso proteger aquela droga. São
as duas coisas. Então é possível alguém patentear
um método de clonagem. Eu não sei se os pesquisadores que
criaram a Dolly patentearam o processo. A discussão de patenteamento
de um processo é muito complicada. Eu posso dizer que juntando
três trabalhos disponíveis na literatura era óbvio
que se chegasse a esse produto e aí isso não é mais
patenteável. Mas a Dolly não tem valor nenhum para ser patenteada.
O produto de uma clonagem vai ter um valor comercial apenas. Não
é um produto aplicável. Mas eu acho que, em princípio,
poder-se-ia pensar na patente da tecnologia para clonagem.
Com Ciência - O senhor poderia
comentar a reunião do Superior Tribunal de Justiça que discutiu
a questão da clonagem humana no Brasil?
Reis - Foi uma audiência pública. O problema é
que, infelizmente, essa discussão é 99% emocional. Por mais
que eu respeite a senadora Marina Silva, fico ansioso ouvindo-a discutir
aspectos absolutamente tecnológicos numa reunião de ética
do Senado, porque ela não tem idéia do que está falando.
Não estou questionando se ela é boa ou se é ruim,
se é competente ou se não é, mas ela não tem
a menor formação para falar se a clonagem é segura
ou não. Por isso se criou uma comissão técnica. Todas
as pessoas dessa Comissão deveriam ter formação técnica
para subsidiar as decisões do governo. Agora, se a CTNBio toma
uma decisão e o Greenpeace diz que ela não é segura
e o Senado e a Câmara dos Deputados e os juízes encampam
a idéia, fica difícil. O problema em relação
à clonagem, é que eu duvido que a razão vá
prevalecer, porque eu não consegui enxergar, quando fazia parte
da CTNBio, o bom senso nas pessoas para discernir que uma coisa é
discutir a questão de segurança e a outra coisa é
discutir os aspectos econômicos.
Com Ciência - Já que o
senhor tocou na questão econômica, a clonagem é um
bom negócio?
Reis - Eu disse no programa do Paulo Henrique Amorim que se eu fosse
o presidente da ACT, teria mandado todos aqueles cientistas embora porque
ele está perdendo dinheiro, é absolutamente ineficiente
do ponto de vista econômico. Eu estaria investindo em isolar células-tronco
de sangue, em células do sistema central, em pesquisas com células-tronco
obtidas naturalmente, isso sim vai dar dinheiro, porque existe uma demanda
enorme. Não adianta você desenvolver um produto que a sociedade
não vai aceitar. Se a discussão é econômica
é preciso ser prático.
Com Ciência - Em relação
aos avanços científicos, o senhor acredita que a ciência
deve se desenvolver livremente?
Reis - Eu acho que a ciência não deve ter adjetivos.
A ciência não deve ser chamada de boa, de ruim, de perigosa.
O conhecimento científico é sempre desejável. Agora,
os fins não justificam os meios. Qual a razão pra eu utilizar
determinada metodologia? Aí é uma questão de ética,
que eu acho que tem que haver. Mas isso não tem nada a ver com
o desenvolvimento do conhecimento. Por exemplo, em algum ano se tentou
cruzar o homem com o macaco. Que tipo de informação pode
trazer para a gente? No meu entender é o tipo de experimento que
não deveria ser permitido. Mas é a sociedade que tem que
criar mecanismos de regulamentação para isso. Há
30 anos, quando surgiu o primeiro bebê de proveta, foi um absurdo,
mas a sociedade digeriu isso, analisou, viu o que essa era uma coisa normal.
Com Ciência - Apesar dos embriões
que ficam abandonados nas clínicas?
Reis - Essa é a conseqüência. Agora a sociedade
terá que resolver o que vai fazer com esses embriões. Eu
já dei a minha opinião. Se a sociedade aceita doação
de órgãos e se considera o embrião um ser vivo, por
que esse ser vivo não pode doar um órgão, que é
a célula embrionária? Eu acho que quem determina a ética
é a sociedade naquele momento. É possível que daqui
a trinta ou quarenta anos a gente aceite a clonagem, porque a sociedade
resolveu aceitar. A clonagem só vai ser aceita pela sociedade se
a comunidade científica provar que é seguro, que é
justificável e que vai trazer um benefício. Quem paga isso
tudo é a sociedade. Eu como cientista acho que eu devo satisfação
para quem está pagando aquilo que eu estou usando. Eu não
acho justo fazer um experimento para o meu diletantismo. Clonagem humana
para mim é um diletantismo pessoal. Independente se isso é
bom ou ruim, eu acho que é errado.
Com Ciência - Tem gente que vê
na técnica de clonagem justamente a possibilidade de se perpetuar.
Reis – Daqui a algum tempo o homem vai viver até trezentos
anos e eu acho que eu não teria paciência para viver tanto.
Mas eu posso estar errado. Pode ter alguém que queira viver trezentos
anos. Mas isso é falta de informação, porque você
vai poder clonar o seu físico, mas não o seu intelecto,
seu espírito, sua personalidade. Isso vai ser diferente.
(SP)
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