Entrevistas
Inventário
mostrará emissões brasileiras
José Miguez
Valoração
econômica da proteção ambiental
Márcio Santilli
Futuro
da Humanidade passa por uma solução pactuada
Washington Novaes
Entrevistas
anteriores
|
Futuro
da humanidade passa por uma solução pactuada
|
Crédito:
Otacílio Jr. |
O jornalista
Washington Novaes foi repórter, editor, diretor ou colunista em
várias das principais publicações brasileiras: Folha
de S. Paulo, Jornal do Brasil, Última Hora, Correio
da Manhã, Veja e Visão. Atualmente é
colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Popular (de
Goiânia, onde vive).
Na televisão, foi durante sete anos editor-chefe do Globo Repórter
e editor do Jornal Nacional, da Rede Globo. Comentarista de telejornais
das Redes Bandeirantes e Manchete, além do programa
Globo Ecologia. Realizou em 2001 para a TV Cultura a série
de cinco programas Desafio do lixo, gravada em 9 países
e 10 estados brasileiros, além do documentário Primeiro
mundo é aqui, sobre biodiversidade.
Foi consultor
do Primeiro Relatório Brasileiro para a Convenção
da Diversidade Biológica, dos Relatórios sobre Desenvolvimento
Humano da ONU, de 1996 a 1998, e sistematizador da Agenda 21 Brasileira
- bases para a discussão.
Nesta entrevista,
ele aponta que o caminho da construção da sustentabilidade
progressiva e ampliada, definida pela Agenda 21, é a explicitação
de conflitos que necessitam ser encarados e a pactuação
de compromissos.
ComCiência:
A questão do meio ambiente, no Brasil, já saiu do discurso
para a prática ou ainda falta muito?
Washington Novaes: Ela já saiu do discurso para a prática
em várias coisas, mas ainda falta muito. As chamadas questões
ambientais terão ainda muito que caminhar, mas certamente, precisam
ocupar lugar no centro e no início de todas as políticas
públicas. Cada planejamento de governo ou de empresa deveria ter
essas questões como princípio, porque elas acontecem concretamente,
no solo, na água, no ar, entre os seres vivos. É preciso
saber as repercussões dos atos, não deixar para cuidar só
no final. É necessário também, avançar muito
na contabilização dos custos de cada ação,
para que cada responsável arque com a sua parte. É o princípio
do poluidor-pagador.
ComCiência:
A que o senhor atribui a deficiência da regulamentação
ambiental brasileira, à morosidade dos procedimentos, à
burocracia?
Washington Novaes: São muitas razões, só recentemente
é que se avançou na conscientização dessas
questões. É muito difícil definir os conflitos e
pactuar soluções a partir deles. Este, talvez, pode vir
a ser o grande avanço da Agenda 21: a explicitação
de conflitos que necessitam ser encarados. O Brasil tem uma certa tendência
a fugir dessa explicitação de conflitos, porque isto é
sempre muito doloroso, desgastante, e envolve sempre a absorção
de custos ambientais, dos quais todo mundo tenta fugir. Mas não
há outro caminho. É preciso explicitar os conflitos, sentar
na mesa e definir pactos. Este é o caminho da construção
do que a Agenda 21 chama de sustentabilidade progressiva e ampliada.
"Os
que são contrários à homologação
também têm uma crença absoluta de que novas
tecnologias serão capazes de resolver esta questão.
É uma aposta muito arriscada, o tempo é que vai dizer."
|
ComCiência:
Tendo em vista a recusa dos Estados Unidos em ratificar
o Protocolo de Quioto, em que medida isto pode influenciar na redução
das emissões? O senhor acredita que os EUA vão acabar aderindo
ao Protocolo?
Washington Novaes: A não adesão dos Estados Unidos
é extremamente grave, ele já está 13% acima de 1990
[em relação às emissões de gases-estufa],
então, teria que reduzir em torno de 20% pelos termos da Convenção
de Mudanças Climáticas. Exatamente o maior emissor se recusa
a ratificar a Convenção, sob a alegação do
governo Bush de que isso teria efeitos muitos danosos sobre a economia
norte-americana, na medida em que ela depende de uma matriz energética
que está baseada fundamentalmente no uso de combustíveis
fósseis (petróleo e carvão mineral) e mudar esta
matriz energética seria pagar um preço muito alto. Recentemente,
a Academia Nacional de Ciências confirmou que a ameaça de
mudança climática é muito grave e recomendou que
os EUA tomem providência. A decisão do governo americano
foi aconselhar vários setores da economia a se preparar para uma
adaptação a isso, mas sem assumir nenhum compromisso de
redução. O que vai acontecer dentro dos EUA depende da evolução
da sociedade norte-americana que está dividida nesta questão.
Uma parte coloca prioritariamente as questões do crescimento econômico
e do desemprego e por isso prefere a não homologação
do Protocolo de Quioto. Outra parte acha que os EUA têm que aderir,
reduzindo as suas emissões. Como é que isso vai se traduzir
no futuro é muito difícil de prever. Os que são contrários
à homologação também têm uma crença
absoluta em que novas tecnologias serão capazes de resolver esta
questão. É uma aposta muito arriscada, o tempo é
que vai dizer.
ComCiência
- Tem havido uma certa pressão para a mudança dessa postura,
tendo em vista a competitividade das empresas americanas no mercado europeu.
Já existe algum estudo que mensure se esta recusa dos EUA efetivamente
contribuiu para reduzir o índice de competitividade dessas empresas
no exterior?
Washington Novaes: Isto está começando a ser estudado.
Há uma diferença de situação entre empresas
americanas que têm unidades de produção em outros
países e empresas que não têm. Aquelas que têm,
vão ter que seguir as regras porque estão em territórios
de países que aderiram ao Protocolo de Quioto, senão, vão
perder competitividade. Este, portanto, é um fator que pode influenciar
para que os EUA mudem sua postura.
ComCiência
- Até que ponto a evolução das tecnologias energéticas
podem ser um paliativo nas emissões de poluentes?
Washington Novaes: As novas tecnologias poderão eventualmente
contribuir para uma redução. Por exemplo, já está
disponível tecnologia para reduzir de forma bastante acentuada
a emissão de poluentes de veículos nos chamados carros híbridos.
Mas a indústria automobilística não quer adotá-la
porque ela exigirá uma mudança completa para modelos bastante
menores e mais compactos e isso reduzirá brutalmente o nível
de lucratividade. Hoje mais de 50% do mercado norte-americano de automóveis
pertence aos utilitários esportivos, que são altos consumidores
de combustíveis. Há um confronto de forças e pode
ser que isso mude com o tempo, pois esta é uma questão que
vai colocando em jogo vários fatores: pressões sociais,
políticas e internacionais.
ComCiência:
Porque ainda não há penalidades para os países que
não cumprirem seus compromissos de baixar a emissão?
Washington Novaes: Porque tem uma questão complicada que
é a seguinte: os chamados problemas ambientais são praticamente
todos de âmbito planetário, eles não respeitam fronteiras
geográficas ou administrativas. Já o poder de decisão
tem limites. Não há órgãos internacionais
capazes de exercer este poder de coerção sobre os países
e nem eles querem conceder este poder a um órgão supra nacional.
Nós estamos hoje num impasse porque os grandes problemas são
globais, os padrões de produção de consumo são
insustentáveis, mas quem é que vai determinar uma mudança
nisso? Mesmo o Brasil tem posições que são muito
significativas. Desde 1992 se discute sobre a necessidade de uma Convenção
sobre Florestas, porque as florestas tropicais são a maior fonte
da biodiversidade e continuam desaparecendo, a cerca de 150 mil km²
por ano. No final de abril houve uma reunião na Holanda e essa
questão voltou a ser discutida intensamente. Mas o Brasil foi um
dos países que mais se opuseram a uma Convenção sobre
Florestas, exatamente sob a alegação que estabelecer sanções
ou restrições para o uso de uma parte do seu território,
implica renúncia à soberania e isso o país não
admite. Este é o típico exemplo do porquê não
se avança, ou seja, não tem como exercitar a obrigatoriedade
com sanções num plano internacional.
ComCiência:
Os organismos internacionais existentes são suficientes para levar
a cabo negociações desse tipo ou precisaria ser criada uma
outra estrutura?
Washington Novaes: Não há ainda nenhum órgão
com capacidade para enfrentar este tipo de problema. Existem muitos organismos
internacionais como o Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (Pnuma) e outros fóruns de negociação,
mas não existe um sistema capaz de analisar, propor uma regulação
e com poder de coerção. Agora, talvez se possa pensar que
enquanto existir necessidade de coerção vai ser difícil
avançar.
ComCiência:
Se os problemas são cada vez mais globais, então certos
conceitos como soberania teriam que ser modificados, senão a Rio+10
vai ficar novamente apenas na lista de boas intenções?
Washington Novaes: Esta é a grande questão de hoje.
Exatamente essa contradição entre o caráter planetário
das questões e a dificuldade de encontrar meios de implementação,
porque existem limites geográficos e políticos. Eu acho
que a Rio+10 vai se realizar no auge do impasse. A Rio 92 foi o grande
momento do avanço da consciência planetária em relação
ao meio ambiente, mas não se conseguiu avançar quase nada
em matéria de mudanças climáticas, nem da biodiversidade,
que foram as duas grandes convenções estabelecidas. A Agenda
21 Global também ficou no plano das intenções. Esse
impasse vai ser colocado sobre a mesa em Joanesburgo. O rumo que as coisas
vão tomar dependerá muito de como cada país vai interpretar
as suas pressões internas. Mesmo na Convenção da
Biodiversidade, foram estabelecidas metas para os países, na reunião
da Holanda, mas não há sanção para quem deixar
de cumprir.
"O
nível de consumo está maior que a capacidade de sustentação
e de reposição da biosfera." |
ComCiência
- Essa é uma tarefa gigantesca para Joanesburgo porque, a partir
do que o senhor diz, entende-se que é necessário praticamente
mudar os padrões civilizatórios em curso?
Washington Novaes: É exatamente disso que se trata. Todos
os últimos relatórios internacionais falam na insustentabilidade
que nós estamos vivendo. O nível de consumo está
maior que a capacidade de sustentação e de reposição
da biosfera. O WWF - World Wildlife Fund- fala em 20% a mais. O
Edward Wilson, que é o papa da biodiversidade, repete isso no último
livro dele O Futuro da Vida, registrando que da forma como nós
estamos, se todos os habitantes da Terra consumirem como os norte-americanos
ou europeus, nós precisaríamos de três planetas iguais
a Terra para sustentar este nível de consumo. O que se vai fazer,
deixar 1/3 da humanidade na miséria absoluta? Mas se aumentar o
nível de consumo dessas pessoas dentro dos padrões atuais,
fica muito mais insustentável. É preciso reinventar os nossos
modos de viver.
ComCiência: Não é uma questão simples, sobretudo,
porque este parodoxo perdura à séculos, não é?
Washington Novaes: Mas ele vem sendo agravado com o aumento da população
e com os padrões de consumo cada vez mais elevados e mais desperdiçadores.
Você tem que lembrar o seguinte, em menos de dois séculos
a população do mundo se multiplicou por seis. Em 1830 se
chegou a 1 bilhão de habitantes. Em pouco menos de um século,
em 1927, dobrou, chegou a 2 bilhões. Para chegar ao terceiro bilhão,
em 1960, bastaram 33 anos. Para chegar ao quarto, em 1974, foram somente
14 anos. O quinto bilhão aconteceu em 1987 e o sexto em 1999. É
um espaço de tempo cada vez menor para se ter mais 1 bilhão
de pessoas e ainda vai ter pelo menos mais 2 bilhões e meio até
2050.
"As
pessoas precisam ter consciência de que elas não são
apenas cultura, elas são natureza também. (...)A natureza
não é apenas como alguma coisa a serviço da espécie
humana, nós somos apenas mais uma entre milhões de espécies
que estão aí." |
ComCiência:
O futuro da humanidade depende mais da ciência e da técnica
ou da sustentabilidade ambiental?
Washington Novaes: Depende
de todas as coisas, principalmente de uma reformulação de
nossos padrões de viver e de algumas mudanças muito importantes.
A primeira delas é as pessoas terem consciência de que elas
não são apenas cultura, elas são natureza também.
Em 1997, o Ministério do Meio Ambiente fez uma pesquisa nacional
junto com o ISER, cujo resultado mostrou que 2/3 das pessoas se consideram
fora da natureza, então, elas não percebem que o que acontecer
na natureza acontecerá no corpo delas, porque o corpo é
feito de água, minerais, etc. A segunda mudança é
que esse consumo insustentável e o abate à biodiversidade
têm conseqüências em muitas outras coisas que nós
nem percebemos, como nos chamados serviços naturais: a fertilidade
do solo, a qualidade da água, o regime hidrológico, a composição
química do ar. Todos os serviços que a natureza presta teriam
um valor muito superior ao PIB mundial, se este fosse contabilizado tomando
por base o que custaria repor um desses elementos por ações
humanas. Acho que é preciso mudar também a própria
postura do ser humano diante da natureza. Não ter a natureza apenas
como alguma coisa a serviço da espécie humana, nós
somos apenas mais uma entre milhões de espécies que estão
aí. Precisamos também reformular nossa postura para que
se recupere a relação com o sagrado. Quem não quiser
ir tão longe, pode talvez pensar que tudo o que existe em nosso
planeta, inclusive os seres humanos, é feito de elementos que vêm
de bilhões de anos da história e se ligam a tudo o que existe
no universo. A terra se desprendeu de algum lugar, então, nós
somos uma espécie de memória cósmica do universo.
É assim que é preciso olhar para se relacionar de uma forma
respeitosa com o meio ambiente.
|