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Inventário
mostrará emissões brasileiras
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Inventário
mostrará emissões brasileiras
Nos dias
13, 14 e 15 de agosto, serão apresentados os resultados do primeiro
Inventário Brasileiro de Emissão de Gases de Efeito Estufa,
que vem sendo elaborado desde 1997, em cumprimento ao estabelecido na
Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança
do Clima. O Inventário constitui um dos principais capítulos
da Comunicação Nacional que o Brasil deverá entregar
ao Secretariado da Convenção ainda este ano, além
do relato das providências tomadas até agora pelo país
para implementar a Convenção. Nesta entrevista, o Coordenador
Geral de Mudanças Globais do Ministério da Ciência
e Tecnologia (MCT), José
Domingos Gonzalez Miguez, adianta alguns resultados do Inventário,
fala sobre a metodologia utilizada e atenua a contribuição
dos países em desenvolvimento para as emissões de gases
de efeito estufa.
Gonzalez
Miguez é economista e engenheiro eletrônico. Engenheiro sênior
da Petrobrás desde 1987, foi também Chefe da Divisão
de Racionalização Energética do Departamento Nacional
de Desenvolvimento Energético do Ministério das Minas e
Energia, em 1992, membro do Comitê Organizador do Balanço
Energético (COBEN) e participou de diversas comissões de
planejamento energético. Desde 1994 no MCT, participa, como membro
da Delegação Brasileira, das reuniões científicas
internacionais do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima
(IPCC), onde é membro do Grupo Tarefa sobre Inventários.
"O
inventário brasileiro confirma que as emissões brasileiras
de gases de efeito estufa originárias do setor energético
são relativamente pequenas, devido ao grande uso de fontes
de energia renováveis"
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ComCiência:
Quais são os principais resultados e conclusões do Inventário
Brasileiro de Emissão de Gases de Efeito Estufa?
Gonzalez Miguez: O inventário brasileiro confirma que as emissões
brasileiras de gases de efeito estufa originárias do setor energético
são relativamente pequenas, devido ao grande uso de fontes de energia
renováveis, em especial hidrelétrica, álcool carburante
e bagaço-de-cana. Confirma, ainda, que as emissões brasileiras
são muito menores que as dos países maiores emissores, como
Estados Unidos, Japão e Alemanha. É bom lembrar que o inventário,
no âmbito da Convenção do Clima, cobre todas as emissões
por fontes e remoções por sumidouros, de origem antrópica,
de gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal.
Os principais gases são o gás carbônico (CO2), metano
(CH4), óxido nitroso (N2O), hexafluoreto de enxofre (SF6) e duas
famílias de gases: os perfluorcarbonos (compostos completamente
fluorados) e os hidrofluorcarbonos (conhecidos como HFCs). Ou seja, somente
são consideradas as emissões que se originam de atividades
humanas (não se consideram, nos inventários para a Convenção,
as emissões que sempre ocorreram na natureza e não podem
ser atribuídas às atividades humanas) e apenas os gases
de efeito estufa que não são controlados no âmbito
da Convenção de Viena e de seu Protocolo de Montreal (esta
Convenção controla os gases que destroem a camada de ozônio,
que no caso das famílias de gases conhecidos como clorofluorcarbonos
- CFCs e HCFCs - também são gases de efeito estufa).
ComCiência:
Como será dada seqüência ao Inventário Brasileiro?
Gonzalez Miguez: Este Inventário é o compromisso inicial
brasileiro na Convenção do Clima e deverá ser atualizado
periodicamente. As diretrizes da Convenção para preparação
da Comunicação Nacional dos países em desenvolvimento
estabelecem que o inventário inicial desses países terá
como base o ano de 1994. O Inventário Brasileiro procura apresentar
as séries de emissões antrópicas, por fontes, e remoções
antrópicas, por sumidouros, de gases de efeito estufa, sempre que
possível, desde 1990.
ComCiência:
Como foi organizado o trabalho de pesquisa e qual a metodologia utilizada
pelo Brasil?
Gonzalez Miguez: O trabalho foi descentralizado e buscou-se a coordenação
do inventário dos diversos gases e setores por entidades e especialistas
com maior conhecimento do setor ou da emissão/remoção
específica. A metodologia adotada é a do IPCC (revisada
em 1996), que estabelece uma metodologia específica para cada fonte
emissora (gás e setor) e sumidouro principais. As diretrizes do
IPCC dividem a metodologia de estimativa de emissões por fontes
e remoções por sumidouros de gases de efeito estufa do inventário
em 6 setores principais: Energético, Industrial, Solventes, Agropecuário,
Mudança do uso da terra e florestas e, finalmente, tratamento de
resíduos. Os principais setores do Inventário, no caso brasileiro,
foram coordenados pela COPPE/UFRJ (setor energético, baseado em
informações do Balanço Energético do Ministério
das Minas e Energia), EMBRAPA (setor agropecuário, mudança
do uso da terra e floresta), FUNCATE (no caso de emissões por desmatamento)
e FBDS (no caso de remoções por florestas plantadas) e CETESB
(setor de tratamento de resíduos).
ComCiência:
Dos setores controlados quais representam maior problema?
Gonzalez Miguez: As emissões brasileiras são relativamente
pequenas comparadas ao território brasileiro, população
brasileira e tamanho da economia brasileira. Dentre as emissões
antrópicas brasileiras de gases de efeito estufa, as principais
emissões de gás carbônico são provenientes
do desmatamento e do setor energético e as principais emissões
de gás metano são provenientes da pecuária (fermentação
entérica de gado ruminante).
ComCiência:
Quais os compromissos do Brasil a partir do Inventário?
Gonzalez Miguez: A Convenção sobre Mudança do
Clima estabelece o princípio das responsabilidades comuns porém
diferenciadas. Por este princípio, os países desenvolvidos
reconhecem que são os maiores responsáveis pelo aquecimento
global devido às suas emissões históricas desde a
revolução industrial e se comprometem a tomar a liderança
no estabelecimento de políticas e medidas de mitigação
das mudanças climáticas e no estabelecimento de metas e
cronograma de redução ou limitação de emissões
antrópicas de gases de efeito estufa. O Brasil, país em
desenvolvimento, não tem essas metas mas compromissos gerais, que
são comuns a todos os países, como por exemplo, o compromisso
inicial de apresentar um relatório nacional à Convenção,
denominado "Comunicação Nacional", que apresenta
o Inventário e as providências tomadas ou previstas no país
para implementar a Convenção. O Brasil não tem que
adotar medidas ou políticas de mitigação, mas tem
compromissos gerais, como por exemplo incluir o tema de mudança
de clima no planejamento de longo prazo.
"Compromissos
gerais vêm sendo implementados pelo país, em diferentes
estágios, como promoção e cooperação
em pesquisas científicas, desenvolvimento de tecnologias
que reduzam ou previnam as emissões antrópicas de
gases de efeito estufa"
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ComCiência:
Mas como saber se as medidas sugeridas serão cumpridas?
Gonzalez Miguez: A inclusão do tema de mudanças climáticas
em nosso planejamento de longo prazo, por exemplo, já foi realizada,
não apenas pela criação do Programa Mudanças
Climáticas no Avança Brasil, como também pela criação
da Comissão Interministerial sobre Mudança do Clima em 1999,
presidida pelo Ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg,
para a definição de políticas governamentais nesta
área. Outro compromisso do país na Convenção
refere-se a aumentar a conscientização do público
sobre o aquecimento global o que vem sendo feito pelo governo, não
apenas pela divulgação de todas as informações
sobre este tema no site do MCT
, como pela criação pelo Presidente da República
do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, em 2000,
que é por ele pessoalmente presidido. Todos os compromissos gerais
vêm sendo implementados pelo país, em diferentes estágios,
como promoção e cooperação em pesquisas científicas,
desenvolvimento de tecnologias que reduzam ou previnam as emissões
antrópicas de gases de efeito estufa e informações
sobre o sistema climático e promoção da gestão
sustentável, por exemplo.
ComCiência:
Que tipo de participação deverá ter a iniciativa
privada na redução das emissões de gases de efeito
estufa?
Gonzalez Miguez: O Protocolo de Quioto, instrumento subsidiário
da Convenção, adotado em 1997, estabelece metas quantitativas
de redução ou limitação de emissões
para os países desenvolvidos. Quando entrar em vigor, permitirá
uma participação mais ativa do setor privado na mitigação
da mudança do clima por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
Este instrumento inovador surgiu de uma proposta do governo brasileiro,
em maio de 1997, e foi adotado em Quioto. Infelizmente, a entrada em vigor
do Protocolo de Quioto depende ainda da ratificação por
uma maioria qualificada de países desenvolvidos, apesar de mais
de 70 países já o terem confirmado. No Brasil, o Protocolo
foi ratificado pelo Congresso em junho e a carta para depósito
junto à Secretaria Geral das Nações Unidas, confirmando
a ratificação pelo Congresso, foi assinada pelo Presidente
da República em 23 de julho.
ComCiência:
Por que se diz que é difícil ter uma visão geral
sobre as conseqüências dos gases de efeito estufa na atmosfera?
Gonzalez Miguez: Uma visão geral em termos de gases de efeito
estufa não pode ser feita, pois os diferentes gases se acumulam
e permanecem na atmosfera por períodos variados (dependendo do
gás) e têm poder de absorção de energia do
infra-vermelho diferente. Na verdade, temos de fazer essa soma em termos
de graus Celsius, ou seja da contribuição de cada gás
para o aumento de temperatura, que depende de sua concentração
inicial na atmosfera. Existe uma metodologia simplificada que utiliza
um fator de equivalência entre os diferentes gases, mas infelizmente
essa metodologia, proposta por cientistas americanos, superestima a contribuição
do gás metano, o que penaliza indevidamente os países em
desenvolvimento.
ComCiência:
E a comparação desses países, entre si?
Gonzalez Miguez: A comparação do Brasil com o resto
do mundo também não pode ser feita neste momento porque
a maioria dos países em desenvolvimento, com emissões significativas,
não apresentou o inventário (apenas 84 países em
desenvolvimento apresentaram o inventário, a maioria pequenos Estados
insulares e países menos desenvolvidos na África, Ásia
e América Central).
ComCiência: Qual a sua opinião sobre os estudos que minimizam
o problema das mudanças climáticas, sustentando inclusive
que a emissão e concentração de gases diminuiu nos
países desenvolvidos nas últimas décadas?
Gonzalez Miguez: O efeito estufa não é um problema de
poluição do ar e sim um problema físico. O aumento
da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera resulta
em um aumento de energia depositada na superfície da Terra. A gravidade
do problema já foi amplamente confirmada pelo Painel Intergovernamental
sobre Mudança do Clima, que reúne mais de 3000 cientistas
do mundo inteiro e que vem, desde 1990, apresentando relatórios
a cada 5 anos sobre o estado da ciência da mudança do clima.
O governo brasileiro, preocupado com as implicações da mudança
do clima tem desenvolvido estudos científicos específicos
nesse sentido, como modelagem a ser desenvolvida no âmbito do Inpe/CPTec
e propôs uma metodologia simplificada para estabelecimento de critério
objetivo de atribuição da responsabilidade dos países
em causar a mudança do clima, no âmbito das discussões
que levaram em 1997 à adoção do Protocolo de Quioto.
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