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Desafios para o futuro da ciência no Brasil
Lucia Melo

Tecnologia e inovação para o desenvolvimento empresarial

José Augusto Corrêa

Brito Cruz apóia investimentos no ensinoe na inovação tecnológica
Carlos Brito Cruz

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Na segunda parte da entrevista, Brito Cruz fala sobre a Conferência Regional de Ciência & Tecnologia e as iniciativas da Fapesp para a introdução de P&D nas empresas.

Com Ciência- Como o senhor avalia o resultado da Conferência Regional de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo?
Brito Cruz-
Eu acho que o resultado da conferência em São Paulo foi muito bom - e acho que será ainda melhor. Todo esse movimento da Conferência Nacional e das Conferências Regionais têm alguns objetivos em mente. Um deles é colocar a ciência e a tecnologia na agenda dos assuntos importantes para o Brasil. Esse objetivo já está sendo cumprido com a Conferência Regional: o que se falou de ciência e tecnologia no Brasil do mês de julho até agora provavelmente é mais do que se falou na história inteira do Brasil, exceto talvez os 6 meses em torno do Projeto Genoma da Fapesp. Mas ali o assunto era mais Genoma; agora está se falando de ciência e tecnologia, da sua importância para gerar riqueza, dos papéis da universidade e da empresa, como se fará para a ciência e a tecnologia contribuírem para o desenvolvimento social ao mesmo tempo que contribua para o desenvolvimento econômico... Tudo isso entrou na agenda e vemos os principais órgãos de imprensa falarem disso de maneira muito intensa e bastante qualificada, com matérias bem feitas, bem estruturadas. Eu acho que isso já um resultado muito bem sucedido dessa movimentação que aparece simbolizada na forma dessa Conferência Nacional e das Conferências Regionais.

Com Ciência- Esse interesse é um fenômeno muito recente?
Brito Cruz-
Na verdade, é uma movimentação que vem sendo orquestrada há algum tempo. A Fapesp tem feito isso em São Paulo e o Ministério da Ciência e Tecnologia, especialmente depois da gestão do ministro Sardenberg, entrou de cabeça nesse assunto. Uma característica importante, que já é um resultado importantíssimo da Conferência Regional, é a seguinte: quem foi na Conferência falar de ciência e tecnologia no Brasil não foi somente a Academia Brasileira de Ciências e a SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência]: foi a Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], o Sebrae [Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas], a Anpei [Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras], foram empresas, foi a Assembléia Legislativa... É uma nova configuração de atores preocupados com ciência e tecnologia, que expande aquele conjunto tradicional, constituído pelos atores mais relacionados com a Ciência acadêmica - a SBPC, a ABC, o Conselho de Reitores, etc. Agora, estamos tendo uma expansão e há um conjunto muito maior de atores interessados nesse assunto. Acho isso um resultado muito bom. E é preciso manter isso.

Com Ciência- O que mais a Conferência Regional trouxe de importante?
Brito Cruz-
Acho que um outro resultado muito interessante é o fato de que a Conferência Regional criou a chance de, além de se colocar o assunto na agenda, introduzir nela certas propostas que eu considero muito importantes para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Brasil. Uma delas é o conceito de que pesquisa é uma coisa que deveria acontecer tanto na universidade como na empresa. Derrubar aquela mitologia, que se construiu no Brasil, de que a pesquisa acontece na universidade e a universidade transfere tecnologia para a empresa. Está cada vez mais claro na opinião de todos os atores envolvidos que não é assim que funciona. Que esse sistema atrasado de transferir tecnologia da universidade para a empresa seria aquilo que, no ditado popular, seria "dar o peixe". E que a maneira virtuosa de tratar isso é, na verdade, ensinar a empresa a pescar, ou seja, pôr cientistas trabalhando dentro das empresas. Porque, desta forma, eles pescam o conhecimento que precisarem na hora que eles precisarem, no timing e na lógica da empresa. Isso é um conceito que vem entrando há algum tempo na agenda, mas, com a Conferência Regional, todo mundo está falando nisso. É um conceito que no Brasil ainda enfrenta obstáculos a serem vencidos, porque a História da Ciência no Brasil é muito centrada no ambiente acadêmico. Todo mundo cresce pensando que é só ali que se faz pesquisa. Se você chega para um brasileiro e fala "pesquisa", ele logo pensa "universidade". Enquanto que, se você chega para um americano e fala pesquisa, ele pensa na IBM, na AT&T, na Boeing, na Xerox, na Intel, na Microsoft... Temos então que avançar mais nisso, e a Conferência Regional já ajudou a avançar mais um pouco.

Com Ciência- Discutiu-se na Conferência sobre como avançar nisso?
Brito Cruz-
Sim, a terceira coisa mais importante na Conferência Regional é justamente que foram colocadas em pauta algumas propostas concretas sobre como envolver a empresa mais intensamente na atividade da pesquisa. Essas propostas fazem parte de uma categoria de ações baseadas em apoio do estado à pesquisa na empresa - que também, de alguma maneira, tira debaixo do tapete uma expressão que no Brasil há muito tempo tem sido maldita: "subsídios do Estado" à empresa. É algo que tem que existir, todo mundo faz. O governo dos EUA dá subsídio à empresa para que faça pesquisa. O governo da Inglaterra faz isso, o governo da França faz. O governo do Brasil tem que fazer também, se quiser ter empresa competitiva. Esses três resultados da Conferência Regional vão se intensificar na Conferência Nacional, inclusive do ponto de vista de concretização, de realização.

"Pelo menos 10% das exportações brasileiras são diretamente relacionadas com ciência e tecnologia, da mais sofisticada que você possa encontrar."

Com Ciência- A grande pergunta para quem acompanha essa recente discussão sobre pesquisa na empresa que o senhor aponta é justamente como fazer. Como o senhor mesmo diz em um de seus artigos, formamos muitos doutores, temos uma ciência razoavelmente avançada, comparável, segundo alguns parâmetros, com países como a Coréia do Sul, mas não conseguimos revertê-la em produtos com algum valor agregado, produtos de alta tecnologia. A questão é justamente como fazer para reverter essa situação... fale um pouco mais sobre isso.
Brito Cruz-
Isso passa pela palavra subsídio e pelo apoio do Estado. E, na verdade, não é algo que temos que inventar: o ponto de partida aqui é perceber que a gente não precisa nem olhar para fora do Brasil, basta olhar para dentro. Aqui há exemplos importantíssimos e extremamente relevantes, mesmo do ponto de vista do utilitarismo econômico, de conhecimento virando riquezas: a Embraer, a soja e os seus derivados da Embrapa, as comunicações ópticas em Campinas, a Central Telefônica Trópico, desenvolvida pelo CPqD, a extração de Petróleo da Petrobrás - a auto-suficiência brasileira em petróleo, vem sendo feita na base de tecnologia, não na base de fazer buracos no chão e achar petróleo por acidente. E todos os exemplos são medidos em unidades de bilhão de reais por ano - é coisa grande. Se você quiser concretizar mais, pense na balança de exportações brasileira. Os dois principais itens são os aviões a jato da Embraer - US$ 2 bilhões por ano - e soja e seus derivados - US$ 3 bilhões por ano. Somado, dá US$ 5 bilhões. O total de exportações do Brasil neste ano foi de US$ 48 bilhões. Então, 10% das exportações brasileiras são diretamente relacionadas com ciência e tecnologia, da mais sofisticada que você possa encontrar. Então bastaria verificarmos como é que essas coisas deram certo e ver o que temos que fazer para repetir [esses desempenhos].

Com Ciência- E por que elas deram certo?
Brito Cruz-
As primeiras coisas que você encontra em todos os casos é apoio do Estado. A Embraer virou o que é por causa desse apoio. Nunca teria sido possível criar uma empresa de aviões no Brasil, que hoje é a quarta ou terceira principal empresa de fabricação de aviões do mundo, se não tivesse havido um enorme apoio do Estado brasileiro no início da Embraer. E apoio de que forma: através de encomendas, para garantir vendas para aquela empresa. A Força Aérea, o Exército compram aviões. Assim garante-se que você vai comprar daquela empresa e não vai comprar de outros, viabilizando aquela empresa a investir. A soja, da Embrapa - hoje os produtores de soja não são estatais, são privados - mas quem é que fez a semente, quem é que fez a semente boa para a soja funcionar no Maranhão? Há 20 anos atrás, todo mundo, não só no Brasil, pensava que soja era para ser plantada no Rio Grande do Sul. Nunca imaginariam que se poderia ter uma plantação no Maranhão. Hoje, a soja brasileira é a mais produtiva do mundo, mais produtiva do que a norte-americana. Quem planta é o produtor privado, mas quem desenvolveu a tecnologia da soja foi a Embrapa: apoio do Estado brasileiro. A Central Trópico - CPqD junto com empresas - é outro exemplo. Então, o apoio do Estado para fazer desenvolvimento tecnológico é essencial. Nós vimos e estamos vendo isso no Brasil, e os outros países todos vêem. Nos EUA, o governo federal dirige 25 bilhões de dólares por ano para subsidiar atividades de pesquisa e desenvolvimento da empresa. Na Inglaterra, um número um pouco menor (pois a Inglaterra é menor), mas é uma fração grande.

Com Ciência- E de que formas o governo pode apoiar?
Brito Cruz-
Esse apoio acontece de duas formas. Uma são as encomendas tecnológicas: o Estado usa o seu poder de compra para viabilizar o desenvolvimento de tecnologia. De novo, temos exemplo interessante e recente no Brasil, que está nos jornais todo dia: os remédios contra a Aids. O poder de comprar do Ministério da Saúde viabilizando o desenvolvimento de tecnologia feito na Fiocruz para produzir esses remédios. Ou o caso dos genéricos, que, no caso, são produzidos por laboratórios privados, mas no Brasil. O segundo mecanismo, que é o segundo mais utilizado no mundo inteiro, são as isenções fiscais, a renúncia fiscal, as chamadas leis de incentivo. Por exemplo: na Espanha, numa empresa que fizer um investimento em pesquisa e desenvolvimento, para cada dólar investido ela pode descontar 30 centavos no imposto que ela tem a pagar. Então o custo da empresa é reduzido em 30%. Assim, por exemplo, fica mais fácil para a asa do avião da Embraer ser fabricada na Espanha do que em São Paulo. É por isso que a asa é feita na Espanha... Esses mecanismos de subsídios e de isenção fiscal são tão relevantes no Primeiro Mundo que, no acordo Trips [Agreement on Trade-Related Aspects of Intelectual Property Rights] da Organização Mundial do Comércio (OMC) - o acordo da OMC sobre o que o Estado pode fazer e o que não pode, esse no qual o Brasil foi processado por ajudar a Embraer - um dos poucos subsídios que é mencionado explicitamente no acordo como aceitável é o subsídio a atividades de pesquisa e desenvolvimento industrial, desde que não ultrapasse 75% do custo da pesquisa. Por que está escrito isso no acordo da OMC? Porque os EUA querem fazer isso, a Inglaterra quer, a França quer, a Alemanha quer. Então temos que fazer isso aqui no Brasil também. Esse é o jeito de se ter empresas que fazem pesquisas.

Com Ciência- O senhor falou que nessa conferência apareceram novos atores, que são justamente as empresas... O que aconteceu para que esses atores tenham começado a se interessar por esses assuntos?
Brito Cruz-
Acho que aconteceram três coisas. Primeira: a abertura da economia brasileira expôs a empresa brasileira a uma competição internacional violentíssima, o que fez e está fazendo-a perceber que um dos ingredientes importantíssimos da competitividade é a capacidade própria de desenvolver tecnologia. Ou seja, aquilo que o Brasil costumava fazer nos anos 70 e 80, que era comprar pacotes tecnológicos prontos para um mercado fechado, tornou-se impossível agora. Segundo ingrediente importantíssimo: estabilização da economia brasileira a partir de 1994. Por mais que existam todos os problemas que todo mundo conhece e que aparecem nos jornais todo dia, é mais estável hoje do que era há 10 anos atrás: a inflação não é de 2000 por cento, etc. Essa estabilização da economia fez com que a empresa pudesse passar o seu foco de preocupação, antes dirigido para a instabilidade macroeconômica, para o fim mesmo da empresa, que é a produção. Por exemplo, depois da estabilização, as empresas no Brasil se preocuparam muito com a questão da qualidade. Houve uma época em que era impossível abrir uma revista sem ver a expressão ISO 9000 ou ISO 14000. As empresas no Brasil desenvolveram qualidade muito bem. Depois de desenvolver qualidade, o próximo passo natural é desenvolver a tecnologia. Aperfeiçoa-se o processo de fabricação até onde dá para ir e então chega-se num ponto em que se diz: agora eu quero ter o que fabricar. E tem-se isso quando se faz desenvolvimento em ciência e tecnologia. Há um terceiro fator, que é, na verdade, mundial: relaciona-se com o advento da Internet, da facilidade das comunicações. É o fato de que a velocidade do avanço da tecnologia se tornou muito rápido. Então, a única maneira de você conseguir se manter competitivo é ter a capacidade de criar tecnologias. Não dá mais para esperar que você vá comprar isso de alguém, porque ou não vendem ou, quando vendem, é coisa velha.

Com Ciência- O senhor acredita que esse interesse dos empresários é uma tendência que vai se manter?
Brito Cruz-
Parece-me que sim, porque eu acho que a estrutura da economia brasileira e da economia mundial está empurrando nesta direção. Ou se faz isso ou não se vai conseguir competir. Então, digamos, se tiver empresa no Brasil daqui a 20 anos, ela certamente será capaz de fazer desenvolvimento tecnológico.

Com Ciência- Como é que a Fapesp entra nesse esquema, como ela pode contribuir para isso?
Brito Cruz-
A Fapesp tem feito contribuições importantes. O primeiro programa que nós criamos para olhar para essa questão foi lançado em 1995, o Programa de Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), sobre a parceria universidade-empresa, na época em que esse assunto estava na moda no Brasil. O programa teve alguns sucessos importantes, mas logo percebemos que precisávamos fazer mais que isso. Uma das coisas que percebemos foi que, para acontecer a parceria, é absolutamente necessário que haja cientistas na universidade e também na empresa. Não há como fazer a parceria se do lado empresarial não há cientistas capazes de formular o problema da empresa. E percebemos que o pequeno número de cientistas na empresa era uma limitação importante. Com isso, a Fapesp passou para o segundo passo: foi criar o programa PIPE (Pesquisa Inovativa na Pequena Empresa). É um programa muito ousado, há poucos desses no mundo. Nele, a fundação vai apoiar a pesquisa diretamente dentro do ambiente empresarial. Uma das exigências importantes do PIPE é que o pesquisador principal tem que ser vinculado à empresa: a sua lealdade tem que ser com a empresa, o seu salário tem que vir da empresa. Aí ficamos muito surpresos, positivamente, com o fato de que tem havido sempre uma demanda muito interessante no PIPE, ao ponto de termos hoje 170 pequenas empresas no estado de São Paulo, onde há pelo menos um cientista liderando um projeto inovador, e empresas baseadas em conhecimento para fazer a sua competitividade.

Com Ciência- Quais empresas participaram desse programa?
Brito Cruz-
O programa começou em 1997. Uma das empresas que entraram no programa nessa época foi a AsGa Microeletrônica, aqui da região de Campinas. O dono da AsGa foi diretor aqui na Física, o Ripper [José Ellis Ripper Filho]. Foi a pessoa que trouxe a palavra "comunicações ópticas" para o Brasil em 1971. Pois bem, ele se aposentou e fez a AsGa. Em 1997, a AsGa faturou 6 milhões de reais e teve dois projetos apoiados pela Fapesp para desenvolver um produto em comunicações ópticas. Hoje, a AsGa vai faturar 100 milhões de reais. Ou seja, o apoio do Estado à empresa levou o faturamento da empresa de 6 milhões para 100 milhões. E estamos na expectativa de termos vários outros resultados desse tipo nesses próximos anos.

Com Ciência- O que virá a seguir?
Brito Cruz-
Esse foi o segundo passo que a Fapesp deu nessa direção. O terceiro passo será dado agora em setembro, quando lançaremos um programa estabelecido em parceria com o Sebrae. A gente vai aprendendo com o programa anterior. Assim, no PITE, aprendemos que tínhamos que colocar o cientista na empresa. No PIPE, pusemos o cientista na empresa. Mas no PIPE aprendemos que há várias pequenas empresas que precisariam ter o cientista, mas não o conseguem, porque não têm faturamento para isso. Então, no PIPE, nós já começamos a pagar, em alguns casos, bolsas para o cientista trabalhar em um projeto dentro da empresa. Agora, vamos criar um programa junto com o Sebrae para pagar bolsas para pesquisadores trabalharem em empresas, chamado "Pesq na Emp" ("Pesquisador na Empresa"). O Sebrae vai pagar um quarto do custo, e a Fapesp três quartos. Vamos colocar, na fase inicial, um número de 100 pesquisadores trabalhando em empresas. Pode ser com doutorado, com mestrado, com bacharelado, ou até estudante de iniciação científica, trabalhando num ambiente e numa lógica empresariais, num projeto de pesquisa que a empresa tenha apontado como importante para ela. O que mais vai acontecer pela frente não sei, porque a gente vai aprendendo com o ponto em que a gente está.

Com Ciência- Já há algum número para o orçamento do Pesq na Emp?
Brito Cruz-
Acho que estamos fazendo um orçamento de 8 milhões para 2 anos.

Atualizado em 10/09/01

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