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Desafios para o futuro da ciência no Brasil

O mês de setembro será marcado por um evento único no panorama da ciência e da tecnologia brasileira, a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia & Inovação. A organização do evento foi realizada pelo ministério de Ciência e Tecnologia, e foi precedida por uma séria de conferências regionais.

Da sua sala no Ministério da Ciência e Tecnologia, em Brasília, a engenheira química e secretária-executiva adjunta do MCT, Lúcia Melo, falou sobre a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que acontece de 18 a 21 de setembro na capital federal. Ela é uma das coordenadoras da Conferência e também do Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação para os Próximos Dez Anos.

Segundo ela, a Conferência é apenas o início de um processo de de consulta à sociedade para a elaboração de diretrizes para o setor. Com isso, espera-se colocar a ciência, a tecnologia e a inovação na ordem do dia para os políticos, a sociedade civil. a imprensa e o cidadão.

Com Ciência - Como foi a preparação para a Conferência Nacional que, por sua vez, deverá levar à publicação de outro documento, o Livro Branco de Ciência , Tecnologia & Inovação?
Lúcia Melo -
A discussão deveria ter um caráter amplo o suficiente para envolver o máximo da sociedade com relação ao tema. Foram realizados, no ano passado, cinco workshops, um em cada tema, para pautarmos inicialmente o processo de discussão - avanço do conhecimento, qualidade de vida, desenvolvimento econômico, desafios estratégicos e desafios institucionais. Esses temas abarcariam toda a complexidade da evolução da ciência e tecnologia, os benefícios que poderiam trazer para a sociedade brasileira em termos de qualidade de vida, desenvolvimento econômico, geração de renda e competitividade industrial. Como a ciência e a tecnologia podem contribuir para a superação ou o desbravamento de nossas fronteiras brasileiras, a exploração conveniente dos ecossistemas dos mais diversificados, do mar, do espaço, algumas questões que podem se tornar vulnerabilidades, como a dos fármacos, a questão do potencial de exclusão digital e o enfrentamento da organização da nova sociedade de informação. São desafios estratégicos. Os desafios institucionais no campo da ciência e tecnologia passariam por marco legal, arranjos institucionais diferentes, envolvimento de atores, além da participação da comunidade científica nos processos de definição de estratégias, de alocação de recursos para ciência e tecnologia, principalmente em função da criação dos fundos setoriais, que trazem, no âmbito do Ministério de Ciência e Tecnologia, uma nova organização, que envolve o setor empresarial, a academia, agências reguladoras, ou seja, a sociedade regulando... E aí buscar uma nova pauta de discussão com relação a prioridades e estratégias. O fomento que era, antes, exclusivamente voltado para a oferta de ciência e tecnologia, portanto relacionado com os produtores do conhecimento, precisa ter um equilíbrio entre demanda e oferta, ou seja, quem oferta conhecimento e quem demanda esse conhecimento.

Com Ciência - Quando se fala nessa regulação vinda da sociedade, como isso se daria? E, nas reuniões regionais, vocês sentiram algum interesse da sociedade?
Melo -
Nós sentimos. O interesse é cada vez maior. Evidentemente que estamos em um processo em construção e também de aprendizagem. Tínhamos um sistema que era voltado exclusivamente para a academia e passamos a ter um sistema - que tem que ter a academia com um peso extremamente importante, que precisa ser ampliado - mas há o setor produtivo, ou seja, as empresas que produzem produtos e processos, aquelas que empregam, que usam a tecnologia para a geração de riqueza. Esso é um segmento que a estamos incorporando. Mas tem-se também que incorporar os segmentos daqueles que utilizam a tecnologia na sua forma final, que são os cidadãos. Esse envolvimento do cidadão é um processo ainda muito mais complexo e muito mais difícil de ser implementado, não tenho a menor dúvida. Estamos trazendo, no âmbito da conferência, uma mesa sobre a questão do terceiro setor, as organizações não-governamentais, dentro do sistema de ciência e tecnologia. Pensamos também na questão da divulgação da ciência. Quanto mais você tiver uma população informada sobre o papel da ciência, ela terá uma maior compreensão e demandará de uma forma mais concreta a seus representantes quais são suas prioridades. E o parlamento, que é a interface com a sociedade, está sendo também fortemente envolvido. Mais de 50 parlamentares sentaram-se conosco para explicarmos qual é o processo, o que se pretende fazer, como organizamos essa agenda de ciência e tecnologia para que ela entre de uma forma mais permanente na pauta política, independente do contexto partidário, independente de governo. Cada parlamentar tem que ter a compreensão do que é ciência e tecnologia. Se for incorporado no discurso e na agenda, aos poucos você vai conseguindo fazer com que também a sociedade, ao se expressar, seja melhor entendida por quem legisla.

Com Ciência - Um dos temas da Conferência é o investimento em pesquisa e em novos talentos. Isso significa também mais verbas para a pesquisa?
Melo -
A primeira grande novidade nesse processo é que o sistema que anteriormente era dependente exclusivamente do Tesouro, do orçamento público, passa a movimentar recursos que são provenientes de contribuições do domínio econômico. Os fundos setoriais são contribuições do domínio econômico. Essa composição faz com que tenhamos recursos que são oriundos não diretamente do Tesouro, mas de renúncia fiscal e de outros mecanismos de contribuições associadas à produção. Por exemplo, de setores como o petróleo, as telecomunicações, a energia, os transportes, são fundos que estão contribuindo, como fundo verde e amarelo, que é o pagamento de royalties. Isso vai fazer com que um conjunto de recursos, que antes podia até ser destinado à ciência e tecnologia, vai ser orientado de forma que produza e reproduza o conhecimento no Brasil. Isso vai mais do que dobrar o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia. O fato de nós termos a possibilidade real, porque os fundos já foram aprovados, de ter recursos além dos do Tesouro, recursos oriundos de setores produtivos. Significa que temos que ter uma nova formatação de prioridades com esses setores que são parceiros.

Com Ciência - A preocupação de investir em novos talentos atinge o país todo?
Melo -
Um dos desafios estratégicos brasileiros é promover um maior equilíbrio da competência científica e tecnológica instalada. Grande parte dos fundos setoriais, senão quase todos eles, destinam uma fração dos recursos prioritariamente para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Com isso, temos que ter clareza de que o desenvolvimento nacional tem que ser equilibrado e passa por uma desconcentração da base de ciência e tecnologia. Isso está dentro do debate com muita intensidade.

Com Ciência - Um dos temas da Conferência é o avanço do conhecimento. Como falar sobre isso num país em que o acesso à educação é tão limitado?
Melo -
Vamos debater um dos pontos importantíssimos, que é a questão da educação para a ciência, tecnologia e informação. Quais são as transformações se tem que ter, como é se pode educar, promover a educação tecnológica e científica desde a base? Como se redefine a questão do ensino das engenharias no Brasil, se promove o ensino voltado para o desenvolvimento da criatividade dos jovens e das crianças, como superar os desafios da educação básica em termos das exigências que o mundo da microeletrônica exige? Outra questão na pauta dos desafios do avanço do conhecimento está relacionada aos desafios regionais, à desigualdade. Como se pode promover uma incursão da exploração mais conveniente das riquezas da Amazônia e que se mobilize as competências nacionais em função desses problemas regionais ou como criar competências e fixá-las nas regiões? Depois vem a questão da divulgação científica. Como informar melhor a população sobre os aspectos relacionados à ciência, todos esses debates sobre transgênicos, clonagens, internet, sistemas abertos, como é que a população pode entender melhor isso? É preciso divulgar mais intensamente, ter um jornalismo científico mais atuante. A questão da ciência está dentro da pauta da formação do jornalista. Outra questão é como a universidade se organiza e se estrutura para o avanço do conhecimento associado à inovação tecnológica. E, depois, a perspectiva para a ciência brasileira na próxima década. Como é que, nessas fronteiras do conhecimento, o Brasil tem chances de participar dessa corrida mundial para o avanço do conhecimento, com as nano tecnologias, os novos sistemas biológicos, e aí temos uma quantidade grande de temas.

Com Ciência - Em que vocês pensaram ao eleger, para debate, o tema qualidade de vida?
Melo -
Tudo está relacionado à qualidade: transporte, comunicação, renda, emprego, educação... A questão da saúde pública, das Ciências Sociais. Como é que as Ciências Sociais podem contribuir para a construção da Sociedade do Conhecimento, promovendo melhor entendimento e maior subsídios às políticas públicas voltadas para a qualidade de vida? Também é importante a questão dos impactos e mudanças globais associados a tempo e clima, qualidade de vida no meio rural. O Brasil ainda é um país que tem uma atividade agrária forte. Como aprimorar isso, a questão das cidades brasileiras do século XXI?

Com Ciência - Quando você fala do desafio institucional, é o que cabe apenas a cada instituição?
Melo -
O institucional não tem nada com a instituição. Uma parte é, por exemplo, como gerir, estrategicamente, esses novos recursos, como gerar marcos e instrumentos legais para impor a inovação, a questão das empresas de tecnologia avançada. Como você pode ter instrumentos que privilegiem o investimento privado em inovação, capital de risco? Como é que os estados e municípios se organizam e se relacionam com os governos federais? E como se faz a prospecção, a avaliação do sistema? São todos desafios institucionais, em que pode-se gerar uma nova institucionalidade, um novo formato de instituto de pesquisa.

Com Ciência - Planeja-se, com essa Conferência, a definição de uma agenda de ciência e tecnologia para daqui a dez anos. Mas o país passará por mudanças de governos. Como resolver isso?
Melo -
Esse é um ponto extremamente relevante. O que se pretende é iniciar um processo no Brasil, que não existia antes. Cada mudança de governo é absolutamente legítima e tem uma revisão de prioridades. O que estamos construindo é uma agenda de ciência e tecnologia, que vai além de um período de governo, que se inicia como uma forma nova de prioridades. Então, se essa conferência se repetir daqui a cada dois anos, três anos, eu acho que teremos cumprido uma finalidade. Haverá revisões. É algo muito dinâmico e o processo político exige essa dinâmica. Tenho clareza de que isso não é uma tentativa de pautar governos que vêm na frente, pelo contrário, acho que é uma tentativa de mobilizar a sociedade e construir coletivamente a partir de agora. Mas dificilmente a partir de um processo desses você vai construir diretrizes de gabinete.

Atualizado em 10/09/01

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