Entrevistas
Desafios
para o futuro da ciência no Brasil
Lucia Melo
Tecnologia e inovação para o desenvolvimento empresarial
José Augusto Corrêa
Brito
Cruz apóia investimentos no ensinoe na inovação tecnológica
Carlos Brito Cruz
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Brito
Cruz apóia investimentos no ensino e na inovação
tecnológica
Presidente
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp), diretor do Instituto de Física Gleb Watagin, da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Carlos Henrique de Brito
Cruz falou para a Com Ciência, sobre os esforços da Fapesp
para manter o apoio à pesquisa no estado, atuando em três
frentes que se integram: recursos humanos, avanço do conhecimento
e programas especiais voltados principalmente em estimular a parceria
universidade-empresa.
Na segunda
parte da entrevista, o professor de física da Unicamp, que foi
também o coordenador da reunião regional preparatória
para a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação
faz um balanço do evento, comenta a participação
de novos atores, entre eles a empresa, no cenário da Ciência
e da Tecnologia no país e aborda ainda a participação
da Fapesp na mudança do conceito de investimentos em C&T.
Com Ciência
- Como é dividido o orçamento da Fapesp entre as diversas
pesquisas?
Carlos Henrique de Brito Cruz- Hoje, o esforço da Fapesp para
apoiar a pesquisa no Estado de São Paulo é composto de três
focos de atuação quase iguais em tamanho, ou seja, é
destinado praticamente um terço do orçamento da Fapesp para
cada um deles. Cada terço recebe mais ou menos 140 milhões
de reais. O primeiro foco é a formação de recursos
humanos, ou seja, as bolsas de estudos, principalmente de mestrado e doutorado.
Embora a maior parte seja de mestrado e doutorado, tem havido um crescimento
- que temos estimulado e que estamos interessados em estimular - nas bolsas
de pós-doutorado, porque consideramos que essa é uma maneira
de trazermos para São Paulo pesquisadores excelentes para contribuírem
nos projetos de pesquisa aqui no estado. Outro terço vai para a
pesquisa motivada pela curiosidade do pesquisador, ou seja, a pesquisa
na qual a Fundação não diz qual assunto é
importante. A pesquisa que compete, na base, no seu mérito intrínseco
para o avanço do conhecimento. Na Fapesp consideramos importantíssimo
dar apoio a esse tipo de pesquisa, pois garante a manutenção
e o estoque do conhecimento disponível no estado de São
Paulo. A curiosidade do cientista é que faz a ciência avançar.
Com Ciência-
E o terceiro foco?
Brito Cruz- O terceiro vai para aquilo que a Fapesp chama de programas
especiais. É aí que a Fapesp concentra todas as suas ações
voltadas a apoiar ou a desenvolver certas áreas do conhecimento
ou certos temas especiais. Por exemplo: o Programa Genoma é um
programa criado pela Fundação, com o objetivo de desenvolver
em São Paulo a capacitação para a biologia molecular
e genômica. O Genoma é um evento do programa que teve como
foco um assunto, uma área do conhecimento. Ao seu lado, dentro
dos programas especiais, há os que têm por objetivo certos
temas. Por exemplo, pesquisa na empresa. Temos o programa PIPE (Inovação
Tecnológica para Pequenas Empresas). Para este programa não
interessa qual é a área em que a pesquisa está sendo
feita, se é Física, Química ou Engenharia, mas sim
que é pesquisa feita dentro da pequena empresa. Nós já
temos 170 pequenas empresas sendo apoiadas.
Com Ciência-
Nesses casos, a Fapesp não decide a área?
Brito Cruz- Não. Eu estou ilustrando para você que há
alguns dos programas especiais nos quais nós escolhemos a área
(Biologia Molecular e Genoma, o Biota, etc.). Há outros nos quais
nós definimos um tema: pesquisa na empresa, por exemplo. Há
outro programa de natureza temática, o PITE (Parceria para Inovação
Tecnológica), relacionado com a parceria universidade-empresa.
Há também, entre os programas especiais, aqueles de natureza
horizontal, ou seja, que contribuem para toda atividade de pesquisa no
Estado de São Paulo. Por exemplo, a rede ANSP - a Internet para
todas as instituições acadêmicas -, ou o Programa
de Bibliotecas Eletrônicas (Probe).
Com Ciência-
Foi assim desde o início, os três focos com orçamentos
quase iguais?
Brito Cruz- Não. Em 1993 ou 1994 havia pouca atenção
para esse terceiro foco, de programas especiais. Fomos aumentando-o na
medida das oportunidades identificadas e da capacidade da Fundação
de apoiá-lo sem prejudicar os outros dois focos. Quando criamos
um programa na classe dos programas especiais, uma consideração
importante na Fundação foi não prejudicarmos o financiamento
das bolsas e da pesquisa para o avanço do conhecimento [o segundo
foco], e, ao mesmo tempo, usarmos e aproveitarmos oportunidades que se
colocam à nossa frente. Por exemplo, o último grande programa
especial que criamos foi um no qual apareceu uma oportunidade (nesse caso
tratava-se de uma área do conhecimento): o Programa Parceria para
Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespaciais, ou
PICTA, uma versão do PITE feito para a área espacial, motivado
justamente pelo fato de que o estado de São Paulo é o lugar
no Brasil onde acontece quase tudo relacionado com essa área. Há
a Embraer, o Centro de Tecnologia Aeroespacial, o Instituto de Pesquisas
Espaciais... Criamos então esse programa, para estimular as relações
entre empresas e universidades/institutos de pesquisa na área de
tecnologia espacial. Ele, inclusive, foi muito importante para ajudar
a manter no estado de São Paulo a segunda planta que a Embraer
está fazendo agora em Gavião Peixoto, perto de Araraquara.
Com Ciência-
O senhor disse que, no primeiro foco (bolsas), o investimento em bolsas
de pós-doutorado cresceu muito ao longo dos últimos anos.
Ao mesmo tempo, os estudantes estão preocupadíssimos com
a questão das bolsas e parece que nesse item a instituição
está se sobrecarregando. É possível falar num deslocamento
dos recursos da Fapesp em Educação, saindo dos primeiros
estágios em direção aos estágios mais avançados
(pós-doutorado e pesquisas feitas por pesquisadores independentes)?
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Brito
Cruz mostra um gráfico comparativo do número de concessões
de bolsas de mestrado da Fapesp, comparado às concessões
da Capes e do CNPq em São Paulo
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Brito
Cruz- Não. De 1994 para cá houve um aumento explosivo
na quantidade de bolsas de mestrado e doutorado lançados pela Fapesp.
Em 1995, a Fapesp tinha 485 bolsas de doutorado. Hoje, tem 3500 - ou seja,
em 5 anos, o número de bolsas de doutorado foi multiplicado por
8. Tínhamos, em 1995, 828 bolsas de mestrado, e hoje temos 3000.
O número foi, portanto, multiplicado por 4. Usemos o caso da Unicamp.
Em 1994 a universidade tinha, com a Fapesp, 115 bolsistas de mestrado.
Em 2000, teve 567. Um fator 5. No doutorado, em 94, a Fapesp tinha 58
bolsas de doutorado na Unicamp. No ano 2000, teve 776. O crescimento foi
de mais de 13 vezes. Então, a ênfase dada pela Fapesp na
formação de recursos humanos tem sido enorme. Há
6 anos, o nosso orçamento de bolsas era muito menor do que um terço
do orçamento da Fundação. Por outro lado, [o número
de bolsas] do CNPq e da Capes caiu. Então todo mundo fica olhando
para a Fapesp e dizendo: "A Fapesp precisa dar mais bolsa para nós".
Mas veja esses dados e me diga quem precisa dar mais bolsas: no mestrado
da Unicamp, houve 1000 bolsas do CNPq em 1994, e hoje há menos
do que 400. Já houve, em 97, seiscentas e tantas bolsas de doutorado
[do CNPq]; hoje há quinhentas e tantas. O trabalho da Fapesp na
área de bolsas de estudos está cada vez mais intenso.
Com Ciência-
Mas o investimento em alguns programas especiais de grande porte, como
o Projeto Genoma, não podem distorcer esse equilíbrio?
Brito Cruz- O Projeto Genoma nunca investiu mais do que 6% do orçamento
da Fapesp. O que é importante ter em mente aqui é o seguinte-
muitas vezes, num programa especial, uma quantia limitada de recursos
produz um efeito gigantesco. Porque, às vezes, a capacidade no
estado de São Paulo está quase pronta para produzir um resultado
espetacular. Desta forma, põe-se mais 20 milhões e aquilo
produz um resultado sensacional. Para fazer o Projeto Genoma, onde há
200 PhDs, provavelmente 600 alunos de pós-graduação,
equipamentos, etc., o grande custo, na verdade, foi pago ao longo dos
últimos 40 anos: foi a formação dessas pessoas. Depois
de fazer todo esse investimento, põe-se mais 20 milhões
e aparece esse negócio espetacular que apareceu. Assim, fazer um
programa especial que dê resultados notáveis, visíveis
e relevantes não custa necessariamente 500 milhões.
"O
Genoma e a capa da Nature sinalizam uma outra fase para a
ciência brasileira...está deixando de ser um empreendimento
'familiar' para tornar-se um empreendimento 'profissional'"
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Com Ciência-
O Projeto Genoma teve uma visibilidade enorme.
Brito Cruz- Eu acho que o caso do Genoma é muito notável,
justamente porque é um caso no qual a visibilidade foi completamente
desproporcional ao tamanho do investimento. É claro que o resultado
que se obteve no Projeto Genoma foi muito importante e muito notável
para a ciência brasileira. Nunca na história nossa ciência
teve uma capa da revista Nature. Nunca houve uma visibilidade internacional
tão grande para a ciência feita no Brasil. Já houve
para a ciência feita por cientistas brasileiros trabalhando fora,
como, por exemplo, quando o César Lattes foi trabalhar na Inglaterra
e participou da descoberta do méson - mas isso não foi feito
no Brasil. O Genoma e a capa da Nature sinalizam uma outra fase para a
ciência brasileira, uma fase em que o Brasil percebe que acumulou
um capital de conhecimento que pode realizar coisas nas quais o mundo
vai prestar atenção.
Com Ciência-
Qual a razão de toda essa repercussão no caso do Genoma?
Brito Cruz- Além do valor intrínseco do resultado, essa
visibilidade também aparece por causa de um fator extrínseco:
todo mundo se interessa pela palavra "genoma", mesmo que não
saiba o que significa - pois todo mundo tem uma vaga idéia de que
esse conceito poderá dizer se eu posso escolher se meu filho terá
olhos azuis ou castanhos. Assim, como todos se interessam por ela, a mídia
se interessa também. Hoje é impossível abrir o jornal
sem se deparar com algo sobre genoma. É um assunto que desperta
o imaginário popular. O programa genoma da Fapesp veio justamente
no momento em que esse assunto, no Brasil e no mundo, também se
tornou de interesse de todos, não só dos cientistas. O Brasil,
nos últimos anos, fez realizações científicas
e tecnológicas comparáveis a essa do Genoma. O Laboratório
Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, é uma realização
de ciência, tecnologia e engenharia que requer um esforço
até maior do que o Projeto Genoma da Xylella. É uma coisa
notável, o Brasil é o único país do hemisfério
sul que tem um laboratório desse tipo. E poucos países do
Primeiro Mundo têm. No entanto, o LNLS não desperta o imaginário
popular. Eu estou dizendo isso para destacar que, às vezes, você
põe 20 milhões em cima de outros 2 bilhões que foram
investidos ao longo de 40 anos, e aparece uma explosão de resultados
e uma visibilidade grande - e quem só olha pelos jornais pensa
que a Fapesp só está investindo nisso, porque é o
que parece.
Com Ciência-
O senhor mencionou há pouco a palavra "fase". O senhor
acha que esse sucesso caracteriza uma nova fase da ciência brasileira?
Brito Cruz- Sim. Outro dia eu fiz até um artigo que saiu no
caderno Mais! da Folha de S. Paulo (23/07/00) sobre isso. O meu argumento
é o seguinte: a ciência brasileira está passando,
nesses últimos 10 ou 15 anos, por uma mudança, que às
vezes eu chamo de forma simplificada de deixar de ser um empreendimento
familiar para tornar-se um empreendimento profissional. Quer dizer, está
deixando de ser uma empresa familiar, onde o pai cuida do caixa, o filho
fica no balcão e a mulher fica na cozinha, para ser uma coisa profissionalizada,
onde o tamanho dos resultados cresce muito. Isso pode ser visto claramente
na maneira como a produção científica brasileira
tem crescido: quintuplicou de 1980 para cá, foi o 2º país
do mundo onde a produção científica mais cresceu.
A gente vê isso, por exemplo, na capacidade de formar doutores:
são 5400 doutores por ano. Se considerarmos só as áreas
de ciências e engenharia, o país é o oitavo do mundo
que mais forma doutores. Isso é impressionante se compararmos com
os países vizinhos da América Latina, ou seja, os países
da mesma "categoria" que o Brasil. A Argentina forma 400 doutores
por ano. É algo completamente desproporcional, mesmo que você
leve em conta o tamanho da população. Essa mudança
de tamanho trouxe uma mudança na organização: a ciência
está ficando mais profissional. E essa mudança de tamanho
e de qualidade está trazendo justamente a possibilidade de se fazer,
no Brasil, coisas como o Projeto Genoma, o Laboratório Síncrotron,
os satélites do Inpe, a soja e as pesquisas agrícolas da
Embrapa... Há 30 anos, você nunca faria esse desenvolvimento
que a Embrapa fez em sementes de soja no Brasil. E a quantidade de gente
para dar conta disso... Hoje em dia tem. Então é uma mudança
de fase.
Veja, na
segunda parte da entrevista, a avaliação
de Brito Cruz sobre a conferência regional de São Paulo,
sua expectativa sobre a Conferência Nacional e a importância
da pesquisa & desenvolvimento nas empresas...
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