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Luiz Fernando Duarte

USP cria curso para formar bioinformatas
Wilson Araújo da Silva Júnior

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USP cria curso para formar bioinformatas

Nem biólogo, nem cientista de computação. O bioinformata, profissional formado pelo curso de graduação inaugurado este ano na Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, deverá ter um conhecimento amplo, tanto em biologia como em informática. O curso, oferecido pelas Faculdades de Medicina e de Filosofia, Ciências e Letras da USP, oferece 40 vagas e se estende por quatro anos. Wilson Araújo da Silva Júnior, geneticista e um dos idealizadores do curso, falou à ComCiência sobre as perspectivas e sobre o mercado de trabalho para o profissional da área de bioinformática. O professor reforçou a existência de um grande mercado de bioinformática no Brasil, mas afirmou que faltam incentivos governamentais para estimular o que ele chamou de "demanda reprimida".

ComCiência - Como surgiu a idéia de uma graduação em informática biomédica?
Wilson Araújo da Silva Júnior -
A idéia da graduação surgiu com o plano de expansão de cursos da USP. Todas as faculdades foram convocadas a criar cursos novos e no nosso caso, na Faculdade de Medicina pensamos: que curso fazer? Com a questão do projeto genoma e da bioinformática, percebemos que havia a necessidade de ter um profissional capaz de transitar em duas áreas aparentemente distintas, mas que dependem uma da outra, que são a informática e a biologia. Não temos uma pessoa que transite bem nessas duas áreas. Temos, sim, uma pessoa de informática, que fez curso de análise de sistemas ou de ciências de computação e que é colocada no laboratório de biologia para desenvolver um trabalho de bioinformática. Essa pessoa com um ou dois anos começa a entender conceitos de biologia, porque isso é importante, mas leva um tempo, porque a área de exatas é diferente da biologia. Na biologia não existe lógica como nas exatas.

ComCiência - Por que o nome "informática biomédica"?
Silva Júnior -
O nome inicial era "informática médica", que seria original no Brasil, mas que já existe no Canadá. Temos uma tradição de cursos multidisciplinares de biológicas e exatas, como por exemplo a biofísica, que é a física médica, também um curso de graduação. Nesse curso formam-se alunos da física para trabalhar na área médica. No nosso caso, houve a junção da Faculdade de Filosofia com a Faculdade de Medicina, e isso é inovador: duas faculdades administrando o mesmo curso. Isso para nós é pioneiro e acreditamos que vai dar certo, mas era preciso saber qual seria o mercado para esses profissionais. Tivemos dúvida se haveria mercado em informática médica. Por que não criar outro curso? Surgiram essas questões, inclusive em relação ao nome, por causa do "médica e resolvemos então mudar para informática biomédica, para atingir uma área maior.

ComCiência - Qual o perfil do aluno formado no curso de informática biomédica?
Silva Júnior -
O curso vai formar um profissional que transita entre as duas áreas da ciência, mas ele não é nem um biólogo, nem um cientista da computação. Estamos tentando definir como "bioinformata". É um nome que ainda precisa ser trabalhado. Será um profissional que pode ser da informática com um bom fundamento da biologia, ou um biólogo com formação também na informática. Isso porque 60% da carga horária do curso é só informática, como se o aluno estivesse em um curso de informática normal, ou seja, os alunos vão trabalhar com cálculo, matemática, todas as linguagens dadas em um curso de informática. Os outros 40% do curso são voltados à área de biológicas. Então eles vão ter aulas sobre biologia celular, histologia, anatomia geral, anatomia radiológica, fisiologia, genética molecular, genética básica, ou seja, os principais cursos da área biomédica.

ComCiência - É fácil optar por um curso que não é biologia e nem informática?
Silva Júnior -
Imagine um aluno de colegial chegando para o pai e dizendo: "vou prestar informática biomédica". O pai vai se assustar: "O que é isso? Será que meu filho vai ter trabalho?" Eu acredito que isso se esclareça com o tempo. Talvez ele nem precise trabalhar com bioinformática necessariamente, pois pode trabalhar como um biólogo, mas com grande conhecimento em informática. Ou em informática, com grande conhecimento em biologia. O importante é que esses estudantes terão essa formação mais ampla. Se ele for trabalhar numa empresa, eu não sei se vai receber o mesmo tratamento de um aluno do curso de análise de sistemas ou de ciências de computação, mas o embasamento é o mesmo. Se ele vai receber menos ou mais, também não sei. Acredito que a tendência hoje é que o piso salarial se dê pelo perfil do profissional, do conhecimento que traz e não pelo diploma. Há biólogos ganhando muito mais do que médicos por terem agregado, ao longo da carreira, atributos que o tornaram um profissional habilitado a dirigir um centro de saúde, por exemplo. Dominando duas áres do conhecimento, o profissional sabe o que é preciso para em um ou dois anos ter um grupo montado. Há uma tendência em se trabalhar dentro do conceito de mutidisciplinariedade.

ComCiência - Quais as áreas de atuação do bioinformata?
Silva Júnior -
Definimos três grandes áreas que esses alunos deverão optar no quarto ano para fazer sua monografia. A primeira é a análise de imagens. Tudo o que se faz em ressonância magnética, por exemplo, tem um bom profissional na programação para fazer a análise dessas imagens e indicar a situação do paciente. Ou seja, ele vai tratar a imagem e tirar dela informações que tenham um significado biológico. A segunda área de atuação do bioinformata é na parte de epidemiologia, em que é possível simular uma endemia ou uma epidemia avaliando os dados no computador. Através de uma simulação, é possível saber os cuidados necessários no caso de uma epidemia ou de uma endemia. Para fazer essas simulações é preciso conhecer a biologia do parasita, o ciclo de vida dele, quais são os períodos em que ele se desenvolve mais, além de conceitos de saúde pública. É uma área importante, na qual o governo está investindo. A terceira área é a genômica. Apesar do seqüenciamento ter sido finalizado, agora é que o trabalho vai de fato começar, pois é preciso fazer o genoma funcionar, e só quem faz isso é a bioinformática. Tem o proteoma também, que é a modelagem da proteína baseada na estrutura tridimensional dela. Essas grandes áreas vamos tentar desenvolver durante o curso. Não sabemos se o curso vai dar certo, pois é o primeiro ano, primeiro curso, primeira turma. Só o futuro vai dizer.

ComCiência - E como é hoje o mercado de trabalho para o bioinformata no Brasil?
Silva Júnior -
Existe um esforço do governo em aplicar recursos em biotecnologia no país. Se for criado um pacto de biotecnologia, será preciso investir também em recursos humanos para trabalhar e, nessa área, tem que ter um profissional como o bioinformata.

ComCiência - Os cursos de pós-graduação em bioinformática não atendem o mercado atual?
Silva Júnior -
Atendem, mas se você compara um aluno que foi formado num curso de biologia ou informática e um já com formação em bioinformática e colocar os dois na pós-graduação, eu não tenho dúvida de que o bioinformata vai se sair melhor. Inclusive a pós-graduação vai ser muito mais light para o bioinformata. Eu me pergunto: "se fosse dono de uma empresa de biotecnologia, quem eu contrataria, um informata ou um bioinformata? É lógico que eu vou avaliar o currículo, mas eu optaria por uma pessoa que tenha conhecimento nas duas áreas. Não sei se todos os formados serão absorvidos, mas mercado vai ter. Tem hospitais desenvolvendo uma área científica e absorvendo esses profissionais. Na Faculdade de Medicina da USP tem um físico no departamento de clínica médica, desenvolvendo ferramentas para análise de resultados de pacientes. Existe mercado, tanto que hoje uma pessoa que tem informática e tem conhecimento em biologia é rapidamente absorvida. Agora imagine uma pessoa formada, já com conceitos bem sedimentados nas duas áreas. Ela pode criar projetos importantes em bioinformática.

ComCiência - Tem se observado, nos últimos anos, uma tendência de implantação de cursos multidisciplinares em muitas universidades brasileiras. Quais as dificuldades para implantar um curso assim?
Silva Júnior -
Não é uma tarefa fácil, mas conseguimos sensibilizar as duas faculdades, a de medicina e a de filosofia. Na realidade, as duas faculdades estavam dispostas a investir nessa empreitada. Em geral, não tivemos grande resistência. Existiam focos de dúvida e estamos resolvendo alguns probleminhas naturais. A graduação em informática biomédica começou a ser pensada no final de 2001, início de 2002. Tivemos um ou dois meses para montar a grade curricular, a proposta do curso e mandar para a USP. Começaram então as reuniões, o projeto foi passando de comissão em comissão e na última, na USP, é que houve o questionamento sobre o mercado de trabalho para esses profissionais que seriam formados no curso. Mas, se observarmos uma revista como a Nature ou a Science, ali sempre tem chamada de profissionais para essa área. Foi um período curto, tanto que a aprovação do curso saiu cerca de dois meses antes do vestibular da Fuvest, e nem entrou no manual, foi incluído depois, como um adendo, no material disponibilizado na Internet. Não podíamos colocar no manual sem estar aprovado. Mas mesmo assim a procura foi grande. Tivemos oito candidatos por vaga.

ComCiência - A divulgação do projeto genoma contribuiu para essa procura pelo curso?
Silva Júnior -
Sim, mas o genoma contribuiu também para aumentar a concorrência no curso de biologia. A maioria dos grupos de bioinformática no mundo é formada por biólogos que tiveram formação em informática e conseguiram se desenvolver bem. Dificilmente você vê uma pessoa da área de informática que montou um grupo de bioinformática. Nós temos na USP de Ribeirão um laboratório de bioinformática que apóia essa área de genômica. Conseguimos umas pessoas da área de informática para trabalhar lá, mas se eu tivesse um conhecimento maior de informática, os dois anos que eu levei para montar o grupo teria sido apenas um. Os alunos que sairão do curso vão ajudar muito a estabelecer esses grupos de bioinformática. Mesmo as próprias faculdades, os laboratórios de química, de genética, estão entrando nessa área de genoma, ou começaram a olhar para os dados do genoma que estão depositados nos bancos de dados. Se eles têm pretensão de usar esses dados, eles têm que montar um grupo de bioinformática, e poderão usar esses profissionais. Além da área empresarial, parte desses profissionais pode entrar para a área acadêmica. Eles serão muito bem aproveitados, isso é certo.

ComCiência - Como foi a implantação dos laboratórios para o curso?
Silva Júnior -
Isso não foi um "problema" tão grande. Já existia o laboratório de imagem da USP, o laboratório de epidemiologia e os grupos de epidemiologia e de bioinformática. O que fizemos foi aproveitar as instalações e os grupos que já estavam formados, por isso usamos as duas faculdades, porque uns grupos estão na faculdade de medicina e outros na faculdade de filosofia. Agora estamos construindo um laboratório de bioinformática para dar apoio ao aluno. O que vem com o curso são novos profissionais. Tivemos concurso para professor de bioinformática, professor de epidemiologia, professor de informática, ou seja, ganhamos vagas. Os professores que já tínhamos estão sobrecarregados. Damos aulas para medicina, biologia, terapia ocupacional, todos os cursos que já existem além dos cursos novos, como a informática biomédica e fomos obrigados a contratar novos professores.

ComCiência - Houve participação de algum órgão de fomento na criação do curso?
Silva Júnior -
Os profissionais contratados começarão a desenvolver projetos junto com os alunos e aí entrarão os órgãos de fomento para financiar essas pesquisas, tais como o CNPq, a Capes e a Fapesp. Mas o ideal é que se crie convênios, parcerias. A USP está estimulando a relação entre universidade e empresa, para desenvolver projetos conjuntos na área de biotecnologia e de bioinformática. Já há duas incubadoras de base tecnológica que vão lá para produzir kits ou para trabalhar com algo relacionado à biotecnologia. Essas empresas estão sendo incubadas na USP. Muitos professores estão envolvidos nessas parcerias e todas as empresas que estão sendo incubadas já contam com algum docente dando suporte científico. O curso acaba contribuindo para o desenvolvimento da área, da USP e da região. Estamos nos esforçando ao máximo para isso. Entraram 40 alunos este ano, se 30 se formarem já vai ser um grande sucesso.

ComCiência - Qual o estágio do Brasil no desenvolvimento tecnológico em bioinformática?
Silva Júnior -
Não é qualquer computador que pode fazer uma análise de dados nessa área. Você tem alguns artifícios, um deles é o que se chama de cluster, que é colocar alguns computadores em série e fazer com que eles executem, rapidamente, alguma função que demoraria semanas. A nossa máquina é importada, mas há algumas iniciativas, como a da Itautec - uma empresa nacional -, que desenvolveu um cluster também. Há outra empresa que não é nacional, mas que está no Rio Grande do Sul e a demanda nessa área evidentemente pode atrair mais empresas. Existe uma demanda reprimida no Brasil em muitas áreas, e todo mundo sabe disso. Por reserva de mercado, pela nossa política de juros... Uma coisa chama a outra. É a mesma coisa de se montar uma fábrica de automóveis. Com ela vêm uma série de empresas de montagem de peças e auto-peças. Se tiver um mercado, se empresas de biotecnologia forem implantas no Brasil, as empresas de bioinformática vão também se criar no Brasil. As coisas vêm ligadas. O mais importante no Brasil é dominar esse conhecimento. E o governo tem que dar condições para que empresas sejam implantadas para desenvolver conhecimento e não importá-lo. O Brasil hoje perde milhões de dólares com coisas que poderiam ser desenvolvidas aqui, pois temos matéria-prima, que é beneficiada fora, e volta como produto de alta tecnologia com valor agregado. E isso é que dá dinheiro: produtos de alta tecnologia. Precisamos de investimentos. Se o Brasil não quiser mais ser um país de terceiro mundo, tem que investir em conhecimento, tem que dominar certas áreas que precisamos controlar.

ComCiência - Além da graduação, o senhor montou também um curso online de bioinformática. Como é esse curso?
Silva Júnior -
Eu montei alguns roteiros para ajudar uma pessoa que trabalha num laboratório de biologia molecular. Os alunos são da área de saúde, biólogos, farmacêuticos, médicos, e as ferramentas de bioinformática estão aí para resolver os problemas que podem ser encontrados nos laboratórios. Eu criei cinco roteiros para situações de laboratório que o aluno encontra. Para análise de expressão diferencial entre células tumorais e células normais, identificação de mutações pontuais (ou SNPs, que podem identificar o marcador que dá predisposição para um câncer), análise de uma mutação num laboratório, caracterização de genes novos, entre outras situações. Temos um roteiro para cada um desses casos. A minha surpresa é que a demanda foi grande e eu pensava que não seria. Eu abri 20 vagas e logo o primeiro curso teve 35 candidatos. Outras faculdades se interessaram pelo curso. Estive em Porto Alegre, para uma semana de curso. A vantagem é que só preciso ir até lá para exolicar aos alunos como o curso funciona e eles já começam a trabalhar. Tem uma avaliação de desempenho do aluno durante o curso. Isso também tem um pouco de bioinformática, são coisas que um bioinformata pode também fazer.

Atualizado em 10/08/03

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