Entrevistas Agricultura
como meio e não como fim Pesquisador
aposta no modelo agroecológico |
Pesquisador aposta no
modelo agroecológico Ademar Ribeiro Romeiro é professor do Instituto de Economia da Unicamp na linha de pesquisa "Economia Agrária, Meio Ambiente e Recursos Naturais", é o atual chefe-geral da Embrapa Monitoramento por Satélite e coordena o projeto de pesquisa "Diagnóstico Ambiental da Agricultura em São Paulo: bases para um desenvolvimento rural sustentável", iniciado em julho de 2003, com financiamento da Fapesp. Romeiro, apesar de avaliar positivamente a legislação ambiental brasileira, afirma que falta crédito e assistência aos produtores rurais que queiram substituir as práticas predatórias. Para o pesquisador, o modelo ideal é o agroecológico. Nesta entrevista, ele fala sobre os novos caminhos possíveis para a agricultura no Brasil, sustentável do ponto de vista ambiental e social. Para isso, contudo, seriam necessários mais investimentos e mais pesquisas.
Não há a possibilidade de fazer uma agricultura agroecológica sem o mínimo de biodiversidade, não se pode falar em equilíbrio ecológico com a monocultura. Mas isso deve ser compatível com a mecanização, pois não queremos voltar ao tempo da enxada. É preciso, entretanto, considerar que a pesquisa agropecuária é ainda quase toda voltada para a agricultura convencional e que, à medida que isso mude, a produtividade do trabalho certamente vai aumentar. ComCiência
- Como é possível fazer isso? Essa complementaridade seria um dos princípios da agroecologia e dá uma idéia de como a agricultura agroecológica é complexa. Falei somente de um aspecto, que é a biodiversidade, o ideal seria que, além da rotação de culturas, houvesse também a criação animal integrada. Ao longo da história houve uma especialização. Antes, na Europa, tudo era feito no mesmo lugar: a produção animal e a produção vegetal de modo integrado: os animais se alimentavam com a produção que não ia para o mercado e o esterco era compostado [colocado para decompor e formar adubo orgânico] e usado como o adubo. O advento do fertilizante químico "libertou" os agricultores da necessidade de criar animais - digo "libertou" porque para os agricultores melhor posicionados no mercado, que tinham as melhores terras, ter que criar animais era tido como escravidão, porque o animal não tem sábado, domingo ou feriado. É claro que, para que a produtividade do trabalho não caia, é preciso que a pesquisa avance em busca da mecanização de um sistema mais complexo. De qualquer modo, eu não diria que a produtividade do trabalho num sistema complexo alcançaria a produtividade do trabalho num sistema de monocultura, mas ainda temos que fazer uma conta: a menor produtividade do trabalho num sistema complexo tem como benefício uma proteção a longo prazo do meio ambiente, a sustentabilidade do ecossistema agrícola. Isso é que hoje não está na conta dos preços dos produtos agrícolas. No entanto, se colocarmos nos preços que se paga hoje pelo milho ou pela soja cultivados convencionalmente, o desgaste do solo pela erosão, a contaminação química, tudo o que está embutido de negativo ambientalmente, os preços seriam muito maiores. ComCiência
- Quais as vantagens da agroecologia? A especialização na agricultura seguiu uma lógica comercial-econômica que fazia sentido do ponto de vista do produtor. Aqueles que tinham maior potencial de produção podiam aproveitar melhor esse potencial só para um produto, a monocultura; a divisão do trabalho beneficiou aqueles que tinham as melhores terras e que se especializaram nas atividades que rendiam mais dinheiro e os que tinham menos terras se especializaram no que dava menos dinheiro e mais trabalho. Uma agricultura agroecológica liquidaria um pouco esse sistema e o benefício seria ter uma agricultura sustentável a longo prazo. Mas ela não
é boa apenas para o ecossistema agrícola, ela é favorável,
também, aos consumidores. Um alimento produzido de modo correto,
na agricultura agroecológica, é um alimento que tem um valor
nutricional no sentido amplo da palavra. Isso é importante. Eu
vejo as pessoas falando que não há diferença entre
o milho produzido desse jeito ou de outro, que ambos tem a mesma quantidade
de aminoácidos, de proteínas. Mas não é só
isso que importa num alimento, se naquele produto há resíduos
de agroquímicos que fazem mal à saúde, isso faz muita
diferença. Você pode falar que isso depende do nível,
mas isso muda com o tempo, o que é aceito como "mínimo
tolerável" hoje não vai ser sempre assim. Tem problemas
outros que a Ciência não sabe avaliar totalmente como, por
exemplo, há uma mudança na composição dos
aminoácidos do trigo quando você usa uma adubação
química excessiva, desequilibrada. Isso é inócuo
para a alimentação humana? Não sei, ninguém
sabe. A qualidade do alimento produzido de uma forma ou de outra é
importante não apenas nutricionalmente, mas em longo prazo, para
a saúde humana. ComCiência
- E no Brasil, como são os incentivos para essas novas formas de
produção agrícola? A Embrapa tem uma unidade que trata disso hoje: a Embrapa-Agrobiologia, no Rio de Janeiro, que tem como missão estudar agricultura "alternativa". Outra, a Emabrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna (SP), procura avaliar os impactos da agricultura no meio ambiente. Ou seja, as instituições públicas de pesquisa vêm, nos últimos anos, incorporando essa questão ambiental a ponto de criar unidades específicas para tratar dessa questão e, também, com orientações gerais para todas as unidades para uma maior preocupação com o meio ambiente. Nos anos 1970-80 a Embrapa tinha relativamente pouca preocupação com a questão ambiental, a preocupação era realmente aumentar a produção, abrir o Cerrado, o que foi feito com enorme sucesso. Mas, a partir do final dos anos 1980 e início dos 1990, ela começou a refletir sobre a questão ambiental e foi criando unidades para isso, começando a pensar na redução dos impactos da agricultura convencional, em primeiro lugar, e também pensando em manter unidades que fazem estudos específicos sobre práticas ecológicas na agricultura, desenvolvendo tecnologias que um dia poderão ser utilizadas por outras unidades. Eu não acho que seja suficiente o que é feito, mas é um início muito importante. ComCiência
- E essas propostas incluem um trabalho com agricultura familiar ou há
a possibilidade de uma agricultura agroecológica em maior escala? O que a grande escala pode fazer é incorporar vários procedimentos agroecológicos, como a rotação de culturas. Alguns grandes agricultores já o fazem, com milho e soja, por exemplo, mas essa não é a rotação ideal. Para inserir outras culturas seria preciso um ajuste de mercado. O ideal seria ter uma regulação de forma a não destruir agroecossistemas equilibrados, além de uma política de proteção governamental para assegurar uma renda mínima ao produtor, um tipo de financiamento especial para a época de baixo valor da cultura. Seria preciso, também, que existissem alternativas no próprio sistema de produção para que, caso o preço de uma cultura caia, outra possa substituí-la. E alternativas de transição na forma de comercialização porque, quando há a monocultura, tudo na região fica voltado para aquele produto - em um sistema mais complexo, o sistema de comercialização também seria mais complexo. O agricultor agroecológico deve ter a sensação e a gratificação de ser um gestor da natureza, não simplesmente um produtor deste ou daquele produto. Ele é mais do que um agricultor, é o gestor de um ecossistema. Essa é a concepção que é cada vez mais predominante na Europa, embora infelizmente isso seja usado como argumento para justificar uma política de subsídios que prejudica os países pobres. ComCiência
- Nem mesmo essa existência de um mercado para produtos agroecológicos
fora do Brasil favorece a mudança ou a manutenção
do trabalho das pessoas que têm esse tipo de cultura? |
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Atualizado em 10/10/03 |
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