Entrevistas
Pesquisador
critica MST, mas diz apoiar sem terra
Zander
Navarro
Dirigente
do MST defende plano nacional para RA
Gilmar Mauro
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Pesquisador critica
MST, mas diz apoiar sem terra
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Agrônomo
de formação, com doutorado em sociologia pela Universidade
de Sussex, Inglaterra, e pós-doutorado no Massachusetts Institute
of Technology (MIT), nos Estados Unidos, Zander Navarro participou, durante
praticamente toda a década de 1980, da Associação
Brasileira de Reforma Agrária como seu representante regional e
esteve, nesse período, aliado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST). Na época, Navarro também montou um centro
de documentação sobre as lutas sociais no campo gaúcho,
que funcionou na ocasião, dentro da secretaria estadual do movimento,
em Porto Alegre. Ele esteve presente também em diversas ações
de pressão realizadas pelo MST, das marchas às ocupações
de prédios públicos, dos comícios e bloqueios de
estradas às ocupações de terra.
Atualmente, como professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Navarro tem publicado, em artigos científicos, uma série
de críticas ao MST. Durante entrevista concedida à ComCiência,
ele ressaltou que, apesar das críticas, não deixou de apoiar
as lutas sociais dos sem-terra, mantendo suas posições anteriores
de solidariedade às famílias rurais pobres.
ComCiência:
Durante um determinado período o senhor esteve bastante próximo
do MST. O que o senhor detectou a partir dessa experiência?
Zander Navarro: Sendo exageradamente sintético, existem dois
resultados sociais e políticos de maior amplitude, um positivo
e um negativo. Primeiramente, o fruto principal da emergência dos
pobres do campo na cena política foi a desenvoltura com a qual
setores sociais, antes silenciados pela dominação histórica
das elites, gradualmente se tornaram atores de crescente ativismo, aprendendo
acerca do funcionamento de nosso sistema político e, dessa forma,
sendo capazes de organizar suas demandas sociais, e por elas pressionar.
Ou seja, suas condições de vida puderam ser aprimoradas
ao longo desses anos, como resultado de muitas reivindicações
que foram concretizadas. Já o lado negativo, refere-se à
matriz ideológica formadora de tais movimentos, inclusive o MST,
uma simplória convergência da Teologia da Libertação,
pois todos são oriundos do recrutamento e da formação
da Igreja progressista, e de um marxismo que sequer chega a ser vulgar,
de tão banal que é a sua utilização. A compreensão
de mundo resultante é muitas vezes trágica, pois soma o
mais aberrante voluntarismo, um persistente antiintelectualismo, formas
de radicalismo freqüentemente infantis e, principalmente, uma quase
completa incapacidade de perceber o desenvolvimento de nossa sociedade,
em especial o processo de democratização experimentado pelo
país nas últimas duas décadas, o qual, malgrado seus
tantos limites, valoriza a liberdade e, crescentemente, os direitos civis,
sociais e até os republicanos. O Brasil é hoje, talvez,
uma das nações mais democráticas do mundo, e muitos
dirigentes daquela primeira geração, e mais ainda, aqueles
formados posteriormente, a "segunda geração",
por adolescentes recrutados em diversas regiões e submetidos a
deplorável processo de doutrinação nas escolas de
formação do MST, ainda não perceberam tais mudanças,
agindo como se ainda estivéssemos durante os anos de chumbo da
dominação militar.
ComCiência:
Qual o papel e a representação do MST no sistema político
atual? Como isso difere das bases que eclodiram o movimento ou de outros
momentos do MST?
Navarro: É necessário considerar que há um histórico
de mais de vinte anos acumulado, englobando as diferenças regionais
e, para os pesquisadores, existem as dificuldades de informação
abrangente sobre as lutas sociais rurais, em um país gigantesco
como o nosso. Contudo é possível destacar que o MST nasceu
como um autêntico movimento social, fortemente apoiado por setores
significativos da Igreja Católica, e no Sul, pela Igreja Luterana,
e ampliou sua base social ao longo dos anos oitenta, com o apoio das estruturas
e das formas de recrutamento e convencimento das citadas igrejas, mas
também beneficiado pelo clima de "mudança" decorrente
da conjuntura da passagem dos anos finais do regime militar ao novo governo
civil instalado em 1985. Assim, o MST foi, ao longo daquela década,
conquistando o quase-monopólio da representação dos
sem-terra, e do tema da reforma agrária, competindo apenas no Nordeste
com a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura) e suas filiadas, que são fortes naquela região
e também pretendentes ao controle de tais demandas. Na virada dos
anos oitenta para a década de 1990, o MST passou por forte crise,
como outros movimentos sociais e suas organizações, decorrente
da "queda do muro" e das incertezas ideológicas que então
surgiram. Parecia fadado a se enfraquecer, mas ressurgiu com força
a partir de meados da década passada, em função de
algumas razões específicas, como o seu enraizamento em São
Paulo (Pontal do Paranapanema), os efeitos positivos de certas iniciativas
e fatos então ocorridos, como a novela "Rei do Gado",
ou o sucesso das exposições de fotografias de Sebastião
Salgado, e o crescente apoio de diversos setores sociais, sensibilizados,
por exemplo, pelas tragédias de Corumbiara e Eldorado dos Carajás.
E também, é claro, pelo crescimento do Partido dos Trabalhadores,
cujo campo político o MST integra, que igualmente cresceu no mesmo
período, multiplicando os espaços a partir dos quais os
militantes podiam difundir a organização e suas propostas.
É importante ressaltar ainda que a mudança de "movimento
social" para uma "organização formal" ocorreu
já na virada de 1985 para 1986, nascendo daí uma estrutura
centralizada e fortemente disciplinadora, seguindo um ideário proto-leninista,
que levou à perda do potencial democrático típico
dos anos iniciais, materializando uma organização de cunho
autoritário.
ComCiência:
Essa mudança influenciou a década seguinte?
Navarro: Ao reemergir com mais força e presença, em
meados dos anos noventa, tal feição tornou-se ainda mais
visível, quase patética. É isso que explica que,
nos anos recentes, a base social do movimento tenha se reduzido. Por outro
lado, a visibilidade pública tornou-se mais densa, sugerindo uma
organização muito mais forte do que de fato é. Essa
visibilidade e aparente pujança social decorrem, sobretudo, da
presença pública mais ostensiva de militantes em tempo integral
da organização, apoiados por crescentes setores radicalizados
de classe média e espaços políticos de esquerda ampliados,
quase sempre ligados ao PT, do que propriamente a "base social",
a qual foi sendo reduzida nesses anos recentes, afastada pela retórica
radical e a natureza transgressora das ações propostas pelos
dirigentes, pelas práticas organizativas internas, pela diminuição
da ação da Igreja Católica, que se afastou do ideário
da Teologia de Libertação, e também pela competição
ensejada por outras organizações populares do campo, inclusive
as novas que surgiram em algumas regiões. Essa radicalidade é
derivada do aprofundamento leninista que caracteriza o ideário
da organização e a formação de uma segunda
geração de militantes e dirigentes, que é ainda mais
empobrecida em sua visão política, pois lamentavelmente
submetida à doutrinação, no pior sentido da palavra,
nas escolas de formação política da organização.
Os anos mais
recentes, portanto, mostram essa curiosa dicotomia entre a maioria da
população, que não conhece a organização
e suas condições reais, o que inclui os meios de comunicação,
a maioria dos pesquisadores, entre outros, e que julga que o movimento
cresceu e é forte, e a realidade, que mostrou o estreitamento social
da base recrutada pelo MST, que passou a agir muito mais a partir de um
grupo disciplinado de militantes, que convence famílias mais pobres
para suas ações, especialmente as ocupações
de terra. Se alguém se desse ao trabalho de verificar, notaria,
por exemplo, que o número de famílias mobilizadas e presentes
em tais ocupações é atualmente, quase sempre, muito
pequeno em cada caso específico, não sendo mais necessário
realizar ocupações de terra com centenas ou milhares de
pessoas. Um pequeno grupo, duzentas a trezentas pessoas, "produz
o fato", ganha os jornais e multiplica a imagem de uma organização
que parece comandar muito mais força do que realmente tem. É
por tais razões que o MST deixou de ser um movimento social, há
anos, e passou a ser uma organização, no sentido sociológico
da palavra. E uma pequena organização, não obstante
sua imagem pública indicar o contrário.
ComCiência:
Porque o senhor afirma, em artigo para o livro Produzir para viver.
Os caminhos da produção não capitalista, uma
legitimidade social pouco significativa do MST e a baixa capacidade de
emancipação social desse grupo?
Navarro: O grande erro do movimento, ao longo desses anos, na minha
opinião, tem sido ignorar o valor das práticas democráticas
e as potencialidades transformadoras da democracia no Brasil. Seja internamente,
quanto ao funcionamento da organização e nos assentamentos
rurais que controla, seja no que diz respeito à percepção
acerca do processo de democratização experimentado pelo
país. Internamente, ao instituir um formato organizativo que é
extremamente anti-democrático, em seus processos decisórios
e em relação à transparência e à responsabilização
dos atos e iniciativas, o MST precisou, cada vez mais, adotar comportamentos
autoritários, de mando, nas relações entre seus dirigentes
e as famílias rurais pobres que procura recrutar, as quais são
objeto de freqüentes manipulações, abusivas e intimidatórias.
Dessa forma, em relação à legitimidade do MST e seus
dirigentes, ao reclamarem o monopólio da representação,
a pergunta imediata é a óbvia: quando, e como, tal representação
foi publicamente consagrada, significando uma relação legítima
entre a direção e a base social? Preferindo manter-se no
ideário pseudomilitar proposto pelo demagógico leninismo
de seu líder principal, João Pedro Stédile, os dirigentes
interditam qualquer chance de desenvolvimento democrático da organização
e, da mesma forma, impedem até mesmo que possam se apresentar como
legítimos representantes dos sem-terra e suas demandas. Ou será
que os dirigentes imaginam a possibilidade de construir uma representação
legítima sob forma clandestina, sem nenhuma aprovação
pública ou, menos ainda, da própria base social? Um erro
político grosseiro, que somente pode ser explicado pela espantosa
estreiteza ideológica da minoria que comanda a organização
Quanto ao
tema da emancipação social dos mais pobres do campo, entre
os quais se incluem os sem-terra, é necessário recuperar
que qualquer processo emancipatório transita necessariamente por
uma passagem de organização social, durante a qual os indivíduos
se reconhecem, em seus interesses, valores e visões de mundo, mas
também por suas demandas, formando assim, coletivos sociais que
perseguem a concretização dessas demandas. É o mais
básico e elementar aspecto de um processo de emancipação,
típico de todas as sociedades e momentos históricos durante
os quais grupos sociais específicos prosperaram socialmente. Considerando
esse ângulo formador, o MST não tem conseguido realizar um
processo emancipatório, ao optar por uma ação política
e organizativa quase delirante, sob a qual as famílias rurais mais
pobres, chegando aos assentamentos, não são sequer ouvidas,
seus ritmos e interesses são desconsiderados, e a direção
tenta impor modelos organizativos e formas de ação e decisão
externas e previamente aprovadas. É nesse sentido, creio, que são
bloqueadas as chances, ainda elementares, de emancipação
social desses grupos sociais. Dito mais cruamente: do ponto de vista político,
nada mais conservador do que a ação do MST nos assentamentos
rurais sob sua influência.
ComCiência:
O movimento social pela reforma agrária tem como modelo a pequena
propriedade familiar. É possível conciliar esse modelo com
o crescimento da agroindústria?
Navarro: Sem dúvida, por que não seria assim? Essa é
a história agrária de praticamente todos os países
que atualmente são os mais avançados do mundo. O desenvolvimento
do capitalismo naquelas sociedades demonstrou, nos últimos cem
anos, que a atividade agropecuária é pouco atraente para
o domínio direto do capital, incapaz de controlar inteiramente
os processos biológicos dessas atividades e o "peso da natureza".
Com o tempo, essas atividades acabam sendo deixadas nas mãos dos
agricultores familiares, uma classe média rural que não
ambiciona taxas de lucro existentes na média de outras atividades
produtivas e nem se move pela "maximização de lucro".
Em outras palavras, o próprio desenvolvimento do capitalismo acaba
afastando o capital da atividade agrícola propriamente dita, e
sua dominação acabaria ocorrendo de forma indireta, através
dos agentes econômicos que se situam à volta das famílias
rurais, tão logo seja historicamente constituído o sistema
alimentar. As indústrias, o comércio e o sistema financeiro,
além dos gravames do Estado, todos "cercando" as famílias
rurais e lutando por seus ganhos e receitas contra um grupo social de
peso social e político cada vez menor, acaba também afastando
os antigos grandes proprietários e produtores rurais. Em síntese:
a demanda da reforma agrária é lógica nos primeiros
momentos da história do capitalismo industrial, mas o seu desenvolvimento
torna gradualmente o meio rural inóspito para o capital, afastando-o
para outras atividades. Essa, pelo menos, é a história dos
países mais avançados, onde pontifica a agricultura familiar
e o empresariado rural é grupo social praticamente inexistente.
Se há
aqui uma lição, por mais paradoxal que possa parecer, é
esta: desenvolva-se o capitalismo na sociedade como um todo e os parasitas
da terra não encontrarão mais incentivos para nela permanecer,
pois passarão a receber menor rentabilidade com o passar do tempo,
quando comparado com outras possibilidades que se abrem. Acabam desistindo
de manter os negócios no campo, deixando tais atividades para uma
classe média, chamada agricultura familiar. Isso significa que
o próprio capitalismo é o coveiro dos grandes proprietários
de terra, dos latifundiários e até mesmo do empresariado
rural. Submeta estes últimos à "lógica do mercado",
retire-se os incentivos e os favorecimentos fiscais, os subsídios
creditícios e outros benefícios, exija-se, enfim, que sejam
propriamente capitalistas e ajam como tais, e o resultado será
apenas um: deixarão o campo, em busca de outras atividades mais
rentáveis. É por essa razão que a reforma agrária
é medida importante em certos períodos históricos,
mais próximos da gênese de um processo de desenvolvimento
do capitalismo. Depois de instalado e mais desenvolvido, retirada a sustentação
política que garante as taxas de lucro no campo, não faz
mais quase nenhum sentido exigir tal medida, a não ser, talvez,
como medida meramente de cunho compensatório, visando a instalação
dos segmentos mais pobres sobre parcelas de terra que lhes permitam a
sobrevivência, ainda que em condições degradadas.
ComCiência:
Qual o impacto dos assentamentos para o desenvolvimento rural, local?
Navarro: Isso é muito variável. Em geral, nas melhores
situações, quase sempre situadas mais ao Sul do Brasil,
os impactos são mais sociais e políticos no município,
em função da ampliação da população,
do que propriamente econômicos. Os assentados quase sempre apenas
reproduzem uma pequena agricultura mercantil, corriqueira em todo o mundo
rural brasileiro, e raramente conseguem ativar negócios e atividades
mais dinâmicas. Tais casos são excepcionais. Algumas vezes,
no entanto, os recursos de projetos e os créditos da política
federal animam fortemente a economia municipal. Mas é importante
que se destaque que a situação sócio-econômica
das famílias rurais assentadas, comparativamente à sua situação
anterior, de sem-terra, é incomparavelmente superior, o que por
si só justifica uma política de reforma agrária de
cunho social destinada aos segmentos mais pauperizados do campo brasileiro.
ComCiência:
Qual sua opinião sobre os rumos da política adotada pelo
governo federal para a reforma agrária e sobre as reivindicações
do Grito da Terra 2003?
Navarro: Há ainda uma grande indefinição sobre
as políticas e metas a serem implementadas pela atual administração.
Não deve ser esquecido que o governo Lula manteve o hibridismo
ministerial antes existente, qual seja, o ministério da Agricultura
nas mãos de representantes da agricultura comercial de médias
e grandes propriedades (o chamado "agribusiness") e com políticas
destinadas a esses grupos, e o Ministério do Desenvolvimento Agrário
destinado aos mais pobres do meio rural. Esta curiosa situação,
única no mundo, mantém um sem-número de irracionalidades
administrativas, como parece ser óbvio. Além disso, o próprio
MDA foi dividido entre diversas correntes internas do PT, algumas delas
antagônicas entre si, e penso que será difícil obter
o melhor resultado administrativo quando facções sem muito
diálogo entre si operam os cargos principais daquele ministério.
Neste sentido, as propostas até aqui divulgadas têm sido
vagas e retóricas, indicando os desacertos internos do MDA. Da
mesma forma, as propostas do "Grito da Terra" poderão
encontrar eco junto a este Ministério, mas será necessário
algum tempo para serem operacionalizadas.
ComCiência:
Como o senhor vê a atuação do governo de Fernando
Henrique Cardoso e do Incra com relação à reforma
agrária?
Navarro: Gostaria de deixar claro que nunca votei em Fernando Henrique.
Mas examinando sua política fundiária com a serenidade exigida
ao pesquisador, não posso deixar de reconhecer méritos inegáveis,
quando analisados os resultados. Contrariamente aos analistas opositores,
os números obtidos foram impressionantes, fruto de uma estratégia
sagaz montada pelo ex-ministro Jungmann, provavelmente o melhor ministro
do governo passado. Mesmo os aspectos que se referem à "qualidade"
dos assentamentos, indicando sua precariedade, não desmerecem o
que foi feito, inclusive se considerados os recursos financeiros aplicados,
que são expressivos. Tivesse ocorrido mais colaboração
das organizações interessadas na reforma agrária,
inclusive do MST, e menos oposicionismo inconseqüente, decorrente
exclusivamente de uma postura instrumentalista de luta pelo poder, é
certo que tais números seriam ainda mais significativos.
ComCiência:
Qual sua opinião sobre a relação atual do MST com
o governo de Luiz Inácio Lula da Silva?
Navarro: O MST faz parte do campo petista. Praticamente todos seus
dirigentes são militantes filiados ao PT, e são fundadores
em muitos pequenos municípios, inclusive, de diretórios
municipais. Além disso, a organização dos sem-terra
utiliza os espaços partidários e os cargos para obter recursos
financeiros, acessos a projetos e a colocação de seus militantes
em cargos eletivos. Portanto, o MST faz parte do governo Lula. O que pode
ser perguntado, mas seria prematuro responder à essa altura, é
se a atual administração federal excluirá setores
do partido, entre os quais o MST, das rotinas do governo e do preenchimento
de cargos. Aparentemente não tem sido assim, com a alocação
de militantes em posições de importância, ou pelo
menos simpatizantes incondicionais. O que a presença do MST em
tais cargos produzirá é de difícil previsão,
mas a julgar pelas trapalhadas realizadas no Rio Grande do Sul, durante
a gestão Olívio Dutra, é provável que um estranhamento
logo venha a ocorrer. A minha previsão é que o MST será
uma pedra no sapato de Lula, a não ser que este se renda sem peias
às quase sempre intermináveis agendas de reivindicações
dos dirigentes da organização dos sem terra.
ComCiência:
Quais diretrizes para o desenvolvimento agrário deveriam ser adotadas
pelo governo?
Navarro: Pensando pragmaticamente, em vista da fragilidade da ação
governamental e da escassez de recursos, entendo que a estratégia
governamental deveria ser inteiramente diferente do que vem sendo apregoado.
Pensar o país em macro-regiões e atuar concentradamente
nessas regiões, de acordo com diretrizes apropriadas às
mesmas. Sem maior detalhamento, mas ilustrando parte das formas de ação,
diria que nos três estados do Sul todo o apoio deveria ser na forma
de diversas linhas de crédito para a agricultura familiar, modernizando-a
tecnologicamente e cooperando para a sua maior inserção
nos mercados, inclusive os internacionais. Associado a tal fato, um fortíssimo
programa de capacitação desse amplo grupo social, responsável
por uma imensa parcela da produção agrícola e com
potencialidades extraordinárias. Programas específicos para
erradicar a miséria do campo seriam concentrados no nordeste rural,
onde está aproximadamente a metade dos pobres rurais do Brasil.
Nesse caso, um imediato, amplo e incisivo programa de reforma agrária,
associado a esforços consideráveis para instalar processos
produtivos mais modernos, tecnologicamente, assim fazendo o caminho que
os agricultores familiares do sul já fizeram há quase três
décadas. No centro-oeste, embora um território cuja formação
das grandes propriedades têm na sua origem, quase sempre, a fraude
cartorial, é impossível deixar de considerar o seu peso
específico, em termos produtivos. O centro-oeste produz atualmente
metade da produção agrícola brasileira e rapidamente
irá ser a mais importante fronteira produtiva do mundo rural. Dessa
forma, aqui a única política do momento é apoiar
o desenvolvimento desse segmento produtivo, apenas exigindo que cumpra
suas funções sociais, previstas constitucionalmente, no
que diz respeito aos direitos trabalhistas e aos imperativos ambientais.
Há ainda óbvios aspectos fundamentais a serem sempre lembrados:
as razões de pragmatismo exigidas pela necessidade de alimentar
um país tão populoso, a diversidade regional que se acentuou
nos últimos trinta anos, os novos e irreversíveis imperativos
ambientais, entre outros que conformariam um plano de desenvolvimento
rural para o país, infelizmente ainda inexistente.
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