Entrevistas
MPB para crianças
Paulo Tatit
Vacinação enfrenta desafio de controle
mundial de doenças
Gabriel Oselka
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Vacinação
enfrenta desafio de controle mundial de doenças
Ao
longo do século XX, a vacina tornou-se rotina em prevenção
e controle de doenças no Brasil e no mundo. Entre 1930
e 2000, a mortalidade infantil brasileira caiu de 162,4 para
29,6 por mil habitantes, resultado de ações
de saúde pública, sobretudo das campanhas de
vacinação. Em 2004, foram aplicadas 135 milhões
de vacinas no Brasil, com uma cobertura vacinal em crianças
menores de um ano de idade que varia entre 84 e 100%, conforme
a região e a vacina. Mesmo assim, não se pode
falar em erradicação de doenças mundialmente,
mas sim em controle. Nesta entrevista com Gabriel Oselka,
pediatra da Universidade de São Paulo (USP) e membro
das comissões de imunização do Ministério
da Saúde e da Secretaria de Saúde de São
Paulo, fala sobre as conquistas de trinta anos do Programa
Nacional de Imunizações, das dificuldades para
se controlar as doenças e sobre a responsabilidade
ética do Estado e do indivíduo sobre a vacinação.
“Falamos em controle das doenças, mas eliminá-las
em um processo mundial é algo muito mais complexo”,
afirma.
ComCiência
- Doenças que eram tidas como erradicadas podem reaparecer,
como o caso da gripe espanhola (que agora volta como gripe
aviária) e a coqueluche. O que se pode fazer frente
a esse tipo de problema?
Gabriel Oselka - Na prática, a única
doença erradicada às custas de vacinação
foi a varíola, na década de 1970. Hoje, temos
algumas doenças para as quais se conseguiu interromper
a circulação do agente causador em determinadas
regiões do mundo, mas não globalmente. É
o caso do vírus da poliomielite. Desde 1989 não
temos casos no Brasil, porque se conseguiu interromper a circulação
do vírus às custas de vacinação.
Em 1994, a circulação do vírus foi declarada
extinta pela OMS, seguindo critérios técnicos
muito rígidos, mas infelizmente não se conseguiu
o mesmo para todo o mundo, porque na África e Ásia
certas situações próprias impedem que
as vacinas cheguem às pessoas. Isso significa que sempre
existe o risco de o vírus ir para regiões onde
ele já parou de circular. É preciso estar em
vigilância permanente enquanto o vírus não
é eliminado. O sarampo está numa situação
menos avançada do que a poliomielite, mas estamos caminhando
para isso [a erradicação]. O Brasil não
tem casos originados aqui desde 2000, mas este ano um surfista
trouxe a doença das Ilhas Maldivas e cinco pessoas
foram infectadas. Só não houve transmissão
maior porque a maior parte da população é
imune e, quando apareceram os casos, usou-se uma estratégia
que se chama “vacinação de bloqueio”.
Nela, vacina-se todos os que poderiam ter tido contato com
a pessoa infectada. Com algumas doenças isso não
é possível. Nunca se conseguirá, por
exemplo, erradicar o vírus da influenza ou a bactéria
que causa o tétano, porque não são só
seres humanos que os albergam. No caso da varicela, ou catapora,
o vírus permanece no organismo e pode ser reativado
na forma de outra doença: a herpes-zoster ou cobreiro.
As doenças que podem ser erradicadas são aquelas
em que o homem é o único hospedeiro, e em que
ele não é portador crônico do vírus.
Por isso falamos em controle das doenças, eliminá-las
em um processo mundial é muito mais complexo.
ComCiência
- A partir de 2006, a vacina contra rotavírus será
agregada ao Programa Nacional de Imunizações.
Quantas são hoje as vacinas que fazem parte da saúde
infantil?
Oselka - A vacinação
começa ao nascimento com a vacina BCG, contra tuberculose,
e a vacina contra hepatite B. Logo depois se faz a vacina
tríplice, contra difteria, coqueluche e tétano;
a vacina oral contra poliomielite; e a vacina contra uma bactéria
chamada Haemophilus influenzae [principal causa de
meningite bacteriana em crianças]. É nesse momento
da vida da criança que será introduzida a vacina
contra rotavírus. No começo do segundo ano de
vida se faz a vacina contra sarampo, cachumba e rubéola.
Estas são as vacinas que fazem parte do esquema brasileiro
de vacinação para crianças. Existem outras
que ainda não fazem parte da rotina: contra varicela,
hepatite A, meningococo C e pneumococo, mas que são
disponíveis em serviços privados de vacinação
e em centros do Ministério da Saúde chamados
CRIE (Centros de Referência para Imunobiológicos
Especiais), e são disponibilizadas na rede pública
para grupos de pessoas que têm risco maior de adquirir
a doença.
ComCiência
- Existem casos de desenvolvimento de sintomas da doença
após a aplicação de vacinas. Quão
seguras são as vacinas liberadas para aplicação?
Oselka
- Nenhuma vacina, assim como nenhum remédio,
é completamente livre de efeitos adversos. Determinadas
vacinas podem causar eventos adversos graves – que são
felizmente muito raros e, se não fossem assim, seu
uso seria inaceitável. Uma vacina só é
licenciada porque estudos controlados em condições
bastante rígidas mostraram que são eficazes
e os eventos adversos são aceitáveis em relação
à doença que se quer prevenir. Por exemplo,
a vacina contra a poliomielite é feita com vírus
atenuado, que perdeu a capacidade de causar a doença.
Em condições especialíssimas ele volta
a ser capaz de produzir a paralisia, uma vez em cada milhão
de doses. Ainda assim a vacina continua sendo usada, porque
o risco de contrair poliomielite é bem superior. É
uma questão de pesar riscos e benefícios. Sabe-se
que um dos componentes da vacina tríplice é
a capacidade dela desenvolver uma forma muito branda de meningite,
mas há formas diferentes de produzir a vacina e esse
risco, que já era muito pequeno, pode ser ainda menor
conforme o produtor. Quando se começa a usar uma vacina
nova a situação é diferente, porque os
estudos que levam ao licenciamento da vacina incluem um número
determinado de crianças e adultos. Quando se trabalha
com eventos adversos que só aparecem uma vez a cada
milhão de doses isso só será percebido
quando se começar a usar a vacina em larga escala.
Por isso, nessas ocasiões, são criados mecanismos
de vigilância capazes de detectar o que possa acontecer.
ComCiência
- Há o caso recente de incidência de poliomielite
entre os Amish [grupo religioso que vive isolado e condena
o uso de utensílios modernos], nos EUA, cujos costumes
banem a vacinação. Como lidar com esses casos
e o que eles representam para a saúde pública?
Oselka
- Esse é um problema não adequadamente
resolvido em todo o mundo, porque a única forma de
se acabar com essa questão seria a vacinação
compulsória. Em geral, se adota uma posição
de compromisso. Por exemplo, essas crianças Amish costumam
estudar em escolas próprias da comunidade. Mas, se
forem estudar em escolas públicas, há nos EUA
uma legislação de requerimento de vacinação.
Entretanto, a maior parte dos estados norte-americanos aceita
isenção de ordem religiosa e/ou filosófica.
Foi isso que aconteceu em São Paulo, com duas crianças
que pegaram sarampo. Elas não tinham sido vacinadas
porque as famílias são de uma filosofia chamada
antroposofia, que não aceita vacinação.
Por enquanto, a vacinação é uma escolha
individual, mas há sempre um risco. É um dilema
ético, de cidadania, que tem se procurado trabalhar,
e é possível que se criem situações
— por exemplo se houvesse um surto de sarampo ou se
a varíola fosse reintroduzida por um ataque bioterrorista
— em que o Estado declare que as crianças dessas
comunidades devem receber a vacina para a sua própria
proteção. Numa situação de risco
completo, a sociedade consideraria que não vacinar
a criança que está em risco de uma doença
grave seria uma forma de mau-trato e, portanto, a sociedade
assumiria a responsabilidade por essa criança.
ComCiência
- Atribui-se às campanhas de vacinação
a melhora geral de vida humana. Quais as principais linhas
de pesquisa na área?
Oselka - Existem hoje vacinas para cerca de 26 doenças.
Elas são utilizadas rotineiramente ou em casos especiais,
como situações epidêmicas ou apenas para
determinados grupos populacionais com risco maior de adquirir
a doença. Por outro lado, existe um número muito
grande de vacinas em fase de desenvolvimento. Por exemplo,
no ano que vem tudo leva a crer que uma vacina contra os papilomavírus,
uma das causas mais importantes de câncer do colo do
útero em mulheres, deve entrar em uso. É uma
área muito dinâmica, porque há um grande
interesse em produzir vacinas, mas a adoção
de novas vacinas é sempre um processo gradual, porque
todo o processo de criação, desenvolvimento
e teste é necessariamente muito demorado para garantir
que elas sejam seguras e eficazes.
ComCiência
- Como o senhor avalia o sistema de imunização
brasileiro no âmbito internacional?
Oselka
- O Programa Nacional de Imunizações
(PNI) é um programa de grande sucesso. Esta não
é uma afirmação ufanista nem partidária.
Há vários governos ele se mantém como
um excelente programa. A qualidade do programa, sua extensão
(o número de vacinas presentes) e o seu alcance são
os parâmetros mais importantes de avaliação.
Por qualquer desses parâmetros o programa brasileiro
é considerado internacionalmente excelente. Em nível
brasileiro, é difícil fugir da afirmação
que o PNI é pelo menos um dos dois melhores programas
do Ministério da Saúde e da Secretaria de Saúde.
O programa tem conseguido introduzir novas vacinas aos poucos.
Em 2006, será a vacina contra o rotavírus, sendo
que o Brasil é o primeiro país a disponibilizá-la
em larga escala, mas mesmo assim continuamos com algumas vacinas
na fila de espera. Há países com programas mais
abrangentes que o brasileiro, mas creio que nos padrões
de países com o mesmo nível sócio-econômico
que o nosso e mesmo de países com nível superior,
o programa brasileiro está numa boa posição.
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