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Catástrofes naturais e as percepções sobre seus riscos e perigos
Eduardo Marandola Jr.

Influência dos fenômenos naturais no planejamento
Aziz Nacib Áb'Saber

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Influência dos fenômenos naturais no planejamento

Nesta entrevista, o geógrafo Aziz Nacib Áb'Saber, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e professor honorário do Instituto de Estudos Avançados também da USP, fala dos fatores extrógenos - anormalidades no cotidiano de uma região, em geral processos naturais (terremotos, maremotos, secas, dilúvios), que podem ser intensificados por uma ação do homem - que "sacodem" o planeta e geram abalos na estrutura econômica, política ecológica e social de uma cidade, de um estado ou até mesmo de um país. A seca que atingiu alguns rios da Amazônia e os furacões Wilma e Katrina que atingiram países da América Central e da América do Norte recentemente são alguns exemplos de fenômenos naturais anormais destacados por Áb'Saber.

ComCiência - Grandes problemas envolvendo o planeta Terra, frutos de um modelo de desenvolvimento econômico que acelera o efeito estufa e intensifica o aquecimento global; a poluição e morte de alguns rios; e um forte desmatamento de florestas, acontecem porque os planejadores ainda atuam com uma visão dicotômica, que separa o homem da natureza? Há uma racionalidade econômica predominante, em detrimento de uma preocupação com o homem?

Aziz Nacib Áb'Saber: Em termos do sistema capitalista, todos esses processos derivam de um mesmo processo, mas cada qual tem a sua própria originalidade, seus próprios problemas. A previsão de impactos de projetos ditos desenvolvimentistas é uma coisa que precisa ser mais aperfeiçoada porque, em geral, o estudo de impacto ambiental é uma exigência sob um ponto de vista de estudos básicos para prever impactos, o que significa prever a cadeia de conseqüências que um projeto possa ter a diferentes níveis de tempo. Temos que lembrar que um projeto se modifica em função de muitas variáveis e, pensando na mutação dessas variáveis e no conceito de previsão de impactos, comecei a me preocupar com os processos e o desenvolvimento dos fatores endógenos, exógenos e extrógenos. Os fatores endógenos são internos, ligados à realidade local, regional ou nacional, mas dentro de uma realidade interna. Enquanto que os fatores exógenos são dependentes do exterior, como competição nas relações de exportação-importação, os momentos de maior necessidade do mercado lá fora, e os momentos de maior produção aqui e menos mercado lá fora. Mas há ainda os fatores extrógenos que seriam fatores impensados. O furacão Wilma [que atingiu o México com ventos superiores a 230 km/h] e o furacão Katrina [que atingiu o estado de Nova Orleans, nos Estados Unidos], são fenômenos não previstos, são completamente imprevistos, mas têm uma forte influência na continuidade dos projetos. Assim como os Tsunamis, que são fatores extrógenos característicos, e são um problema de geologia da base do fundo do mar. Esses três fatores [endógenos, exógenos e extrógenos] são essenciais para o planejamento e a previsão de impactos.

ComCiência: A seca recente de alguns rios na floresta equatorial úmida pode ser influência de fatores extrógenos?

Áb'Saber: Nós, geógrafos, temos que ter uma certa consciência dos fatores espasmódicos, que são os fatores extrógenos a nível geral de acontecimentos na face do planeta, tanto na terra, como no mar, no fundo do mar, e que envolvem condições climáticas. Existem alguns eventos que são locais mas extremamente diferentes da média. Esses são os fatores espasmódicos. Essa seca dos rios da fronteira do estado do Pará é um fator espasmódico, pois nunca aconteceu nesse nível. Os fatos físicos, ecológicos, antrópicos [que envolvem a ação do homem], econômicos e sociais têm uma certa continuidade com pequenas variações. Mas de repente, tem qualquer coisa extremamente perturbante nesses casos. Você já imaginou a perturbação para as comunidades locais? Enquanto toda a Amazônia permanece relativamente bem, em alguns rios e igarapés, a situação tornou-se calamitosa. Agora, essa seca que atingiu uma área especial da Amazônia, na fronteira com o Pará, interferiu demais na continuidade de alguns riozinhos e igarapés. É claro que o rio Negro - e eu já sabia disso, mesmo que os jornais não tenham contado - não secou; ele apenas exauriu-se, ou seja, perdeu volume e área de água. Existe um costume no Brasil, o qual eu sempre delato e contesto, que é o de ver coisas pontuais ou lineares e atribuir seus resultados para toda a região. Então eles dizem "lá na Amazônia é assim", sem saber qual é o lugar em que aconteceu isso. Esses processos espasmódicos verdadeiros podem ter acontecido no passado, há 500 anos ou em épocas pré-históricas que nem nós podemos avaliar. São processos espasmódicos que acontecem em centenas de anos e certamente daqui a dois anos as coisas voltarão ao normal.

ComCiência: Os processos espasmódicos são processos naturais que não envolvem a ação do homem? Uma enchente em São Paulo, por exemplo, pode ser considerada um processo espasmódico?

Áb'Saber: Uma grande enchente em São Paulo, se for fora do normal, é sim um processo espasmódico; mas nessas épocas em que começa o verão e os índices de precipitação aumentam, a enchente não pode ser chamada de espasmódica, pois há previsão desses eventos. Inicialmente, ela pode ser provocada pelo homem, assim como uma grande queimada em Roraima provocada pelo homem, mas também proporcionada pela falta de chuvas que atingiu Roraima. Agora, a secura que está ocorrendo na Amazônia, evidentemente, é natural. Mas é pontual, não é em toda a Amazônia. Todos os jornais falam: "lá na Amazônia os rios estão secando". Não tem um jornal que localize as faixas da Amazônia onde os processos estão ocorrendo. Na Amazônia, de Roraima até as proximidades do Araguaia, tem uma faixa diagonal de menores precipitações [de chuva]. Por outro lado, tem precipitações muito fortes em Marajó e Belém. São precipitações de 3.200 a 3.500 mm/ano. São Paulo tem entre 1.100 e 1.300 mm/ano. Então, a secura que começa em Roraima e essa diagonal de menor precipitação é justamente aquela que foi atingida pela seca agora. E a esse ponto, ninguém chama a atenção. Vem de Roraima para a região de Manaus e desce depois para os afluentes da parte leste do rio Madeira. Esses rios não secaram, mais diminuíram bastante de volume.

ComCiência: Como um planejador lida com esses processos espasmódicos?

Áb'Saber: Essa é a parte mais difícil da questão. No momento em que se anuncia o processo espasmódico, o problema é fazer um planejamento para evitar as conseqüências dramáticas desse processo. Um outro tipo de planejamento é o planejamento prévio, como se fosse uma gestão com imaginação do que poderia acontecer a partir de um certo momento. Isso é o que não se faz. Os Estados Unidos deixaram acontecer tudo [o que se viu] lá em Nova Orleans porque não souberam prever os processos espasmódicos. O sudeste da Ásia, a mesma coisa. Quanto aos terremotos, é impossível prever, porque são fatos internos relacionados com o choque entre as placas tectônicas. O terremoto acontece da seguinte forma: se você jogar uma porção de caixas de madeira na carroceria de um caminhão grande e puser um plástico em cima, e em seguida der uma chacoalhada para acomodar esses caixotes, poderá observar que as caixas, ao se movimentarem, criaram um movimento na superfície do plástico, através de ondas de energia que, numa escala menor, são movimentos terremóticos.

Leia também:
Questão hídrica: necessidade de estudos e soluções mais eficazes Entrevista com Áb'Saber publicada em setembro de 2000

Atualizado em 10/11/2005

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