Entrevistas
Historiador da ciência diz que teoria do
tudo não desbancará Einstein
Pietro Greco
Especialista em estratégia analisa a geopolítica
da bomba atômica
Geraldo Cavagnari
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Especialista em estratégia
analisa a geopolítica da bomba atômica
Coordenador
e fundador do Núcleo de Estudos Estratégicos
(NEE) da Unicamp e um dos mais importantes estrategistas brasileiros,
o coronel da reserva Geraldo Cavagnari analisa as implicações
geopolíticas na Ásia dada a recente afirmação
do governo norte-coreano de que seu país tem a bomba
atômica , cujo desenvolvimento foi possível,
entre outros estudos, pelas descobertas que consagraram Albert
Einstein. Na entrevista concedida à ComCiência,
Cavagnari analisa a geopolítica da bomba atômica,
destacando a posição dos países asiáticos
e do Oriente Médio. Fala também sobre a crise
entre Coréia do Norte e a única superpotência
da atualidade, iniciada quando o governo Bush negligenciou
o acordo de fornecimento de petróleo a preços
subsidiados, garantido pelo governo Clinton. A resposta do
ditador norte-coreano, Kim Jong-Il, veio com a expulsão
dos agentes da Agência Internacional de Energia Atômica
(AIEA). Para Cavagnari, a afirmação norte-coreana
não passa de um blefe. Partindo de uma abordagem histórica
e observando a realidade como um todo, o estrategista mostra
como o olhar militar é essencial para se entender as
ações do governo Bush.
ComCiência
- No início de 2005, o Ministério das Relações
Exteriores da Coréia do Norte divulgou um comunicado
onde afirmava: “Nós fabricamos armas nucleares
para defesa própria e para lutar contra a administração
Bush e sua política para isolar e separar a Coréia
do Norte”. Quais as implicações geopolíticas
da afirmação de que a Coréia do Norte
possui a bomba atômica?
Geraldo Cavagnari - Em primeiro lugar, é preciso
dizer que esse estágio alcançado pela Coréia
do Norte de domínio da tecnologia de armas nucleares
é questionável. Pode ser uma declaração
verdadeira, que esse país tenha alcançado o
domínio dessa tecnologia e possua até algumas
ogivas, mas também pode não passar de um blefe.
O que precisamos entender são as razões pelas
quais a Coréia do Norte está insistindo em chegar
ao domínio pleno da tecnologia nuclear. Com o colapso
do comunismo, a Coréia do Norte se tornou um país
empobrecido, isolado, e grande parte de seus recursos são
destinados à defesa. O país buscou romper esse
isolamento, procurou novos apoios, já que com o colapso
do império soviético perdeu seu o grande suporte.
Para romper esse isolamento e, ao mesmo tempo, não
acabar com o regime e recuperar sua economia, precisa de petróleo
e de alimentos baratos.
Ocorreu
então que, durante o governo Clinton, os Estados Unidos
administraram até com certa competência essa
situação, garantindo o suprimento de petróleo,
não gratuito, mas a preços praticamente subsidiados.
Com isso, conseguiram congelar qualquer atividade nuclear,
sob o controle da Agência Internacional de Energia Atômica
(AIEA). O governo Bush, por sua vez, deixou de cumprir o que
havia sido acordado com o governo Clinton. Em reação
a essa medida, a Coréia do Norte rompeu com a AIEA.
ComCiência
– Que outras medidas foram adotadas pela Coréia
do Norte?
Cavagnari - O país reativou algumas instalações
com o propósito de enriquecer urânio. Para agravar
a situação, esse mesmo governo, mais tarde,
declarou que pretende dominar a tecnologia da produção
de plutônio. É obvio que tal intenção
visa dominar a tecnologia da arma nuclear. Os Estados Unidos,
em seguida, denunciaram a existência de um novo “eixo
do mal”, constituído pelo Iraque, Irã
e Coréia do Norte.
Esses
três países passaram a ser alvos da estratégia
de segurança americana. O primeiro a ser abatido foi
o Iraque, por ser o mais fraco e estar em uma região
de alta sensibilidade estratégica, o Golfo Pérsico.
O Irã e a Coréia do Norte deverão ser,
respectivamente, o segundo e terceiro alvos a serem abatidos.
Destes,
a Coréia do Norte é a que produz menos problemas
concretos. Primeiro porque tem uma relação efetiva
com a China, o que é um complicador para os Estados
Unidos enfrentarem a Coréia do Norte diretamente. Além
disso, ela não está numa área de alta
sensibilidade como é o Oriente Médio.
ComCiência
- Qual o contexto geopolítico da relação
entre a Coréia do Norte e outros países da Ásia?
Cavagnari - A China tem um problema sério
com Taiwan, considerada por ela uma província rebelde,
e é inadmissível para a China que Taiwan se
comporte como se fosse um país independente. Taiwan
é o pivô do conflito entre os Estados Unidos
e a China nessa região, visto que os EUA são
a garantia da existência autônoma de Taiwan em
relação à China. Sem esse apoio, Taiwan
já teria sido engolida pela China que, por sua vez,
está se fortalecendo militarmente. Atualmente, já
é do conhecimento público que ela está
procurando suas forças armadas com encomendas dirigidas
à indústria bélica das potências
européias. Além disso, a China busca estabelecer
sua hegemonia no Mar do Sul.
A
arma nuclear coreana não representa uma ameaça
à China, nem aos Estados Unidos, mas é uma ameaça
séria à Coréia do Sul e ao Japão.
ComCiência
– Que país então poderia ficar ameaçado
pela bomba da Coréia do Norte?
Cavagnari - A Coréia do Norte não tem
condições de realizar um ataque nuclear ao território
continental dos Estados Unidos. Se tivesse capacidade para
tanto, é claro que teria condições de
dar o primeiro golpe, mas seria destruída, literalmente,
com o segundo golpe desfechado pelos Estados Unidos. Logo
, ela não é uma ameaça efetiva àquele
país.
No
entanto, a Coréia do Norte pode adquirir meios para
atingir o Japão que, por hora, não pode oferecer
uma resposta nuclear efetiva. Se as pressões americanas
contra a Coréia do Norte não forem eficazes,
o Japão tem condições para se tornar
uma potência nuclear em curto prazo. De acordo com sua
constituição, outorgada pelos Estados Unidos,
ao fim da Segunda Guerra Mundial, o orçamento militar
do Japão não pode ultrapassar 1% do PIB. Hoje
esse orçamento é significativo, tanto que permite
ao Japão ter o segundo orçamento de defesa do
mundo. Mas se os Estados Unidos não demonstrarem firmeza
com a Coréia do Norte, o Japão poderá
se retirar do Tratado Nipo-Americano de Segurança,
responsabilizando-se por sua própria defesa. Materialmente
e tecnicamente o Japão tem a possibilidade de atuar
na defesa de seus interesses no leste asiático. O país
tem as chamadas Forças de Alta-Defesa, muito bem equipadas
e treinadas, não no mesmo nível tecnológico
dos Estados Unidos, mas num nível superior ao dos países
europeus.
ComCiência
- Voltando a falar da Coréia do Norte, o interesse
pelo domínio da tecnologia nuclear não é
ofensivo, mas sim econômico?
Cavagnari - Tudo leva a crer que eles querem uma
contrapartida. Um apoio muito mais significativo do que o
que foi dado no governo Clinton. Só que Estados Unidos
e China endureceram o jogo. Ambos se recusam a fazer negociações
diretas, a não ser no contexto das potências
asiáticas, ou seja, Coréia do Sul, China, Japão
e Rússia. A China já tem um problema sério
que é Taiwan, é óbvio que não
quer mais um.
ComCiência
- E o Irã? Qual é a situação da
questão nuclear iraniana?
Cavagnari - Se pensarmos em termos de energia não
se justifica para o Irã o investimento em tecnologia
nuclear – já que ele é um grande produtor
de petróleo. Mas qual é o item de salvaguarda
que impede o Irã da posse da arma nuclear? São
os dejetos da produção de urânio enriquecido,
que têm que ser devolvidos para a Rússia, a fim
de evitar que venha a ser reprocessado e com isso produza
plutônio.
Mas
existe uma questão que não pode ser afastada.
O Irã pretende ter arma nuclear? Se a resposta for
sim, criarão um problema muito grave, não só
para os Estados Unidos, mas também para Israel, que
já é uma potência nuclear não auto-declarada.
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