Inovação brasileira deveria reduzir a remessa de lucros
Professor do Departamento de Farmacologia da Medicina da USP de Ribeirão Preto há 35 anos, Ferreira é premiado nacional e internacionalmente pela pesquisa na qual detectou no veneno da Bothrops jararaca uma substância que dá potência aos efeitos farmacológicos da bradicinina. Também é reconhecido internacionalmente por sua contribuição na área de analgésicos antiinflamatórios. As opiniões do médico a respeito da inovação no Brasil apontam medidas práticas, como o fim das zonas francas. "Para que a indústria brasileira responda adequadamente é preciso acabar com os incentivos irresponsáveis, com as zonas francas e as utilizações indevidas dos investimentos estatais para inovação industrial", afirma o pesquisador que tem mais de 160 publicações em revistas científicas internacionais. Ele deixa claro o que pensa sobre inovação na entrevista a seguir, realizada durante o período em que esteve em viagem entre Austrália e Londres na primeira semana de agosto.
ComCiência - Para um país como o Brasil, que possui uma grande economia mas ainda se enquadra dentro do subdesenvolvimento, qual seria o papel da inovação nos diferentes setores da atividade econômica, no seu ponto de vista? Ou que importância pode ter a inovação para alavancar o crescimento e o desenvolvimento?
Sérgio Henrique Ferreira - Implementar "inovação" significa um alerta industrial e econômico. No mundo contemporâneo, não há possibilidade de se criar uma industrialização competitiva se não nos tornarmos os donos das patentes. Mas não é só de patentes que vive um país... Inovação pode ser também desenvolver e utilizar processos industriais que estão nas mãos dos países desenvolvidos. A produção de medicamentos genéricos (estão fora das patentes!) é de grande interesse para a saúde pública e para a indústria de medicamentos nacional. Neste sentido é fundamental sairmos da fase de "empacotamento" e partirmos para a engenharia de síntese e fabricarmos nossos medicamentos genéricos (lembrando que nossas indústrias de ponta acabam sendo compradas pelo capital internacional, vide Biobras).
Mas a grande pergunta que fazemos é se a inovação industrial vai modificar a curva de pobreza brasileira ou simplesmente vai estimular o capital financeiro nacional ou internacional? Eu acredito que não deveríamos centrar na inovação que reside simplesmente em aumentar o nosso produto bruto nacional, mas também evitar as importações, a remessa de lucros e o pagamento de nossa dívida internacional. Isto é, uma distribuição dos seus resultados de forma socialmente mais igualitária. Na minha opinião, está nas mãos dos governos controlar a utilização dos lucros. Diríamos, não só os da indústria nacional mas também das grandes companhias internacionais que operam no mercado brasileiro.
ComCiência - Qual seria hoje a maior barreira no Brasil para o crescimento da inovação? O senhor acredita que essa barreira é cultural ou é econômica?
Sérgio Henrique Ferreira - A barreira para inovação obviamente é dupla. Não demos o salto qualitativo de utilizar a criatividade de nossos cientistas (da universidade e dos institutos técnicos). Economicamente, somos súditos do capital internacional. Devemos lembrar que os países desenvolvidos não estão interessados em nosso desenvolvimento, como demonstram as barreiras alfandegárias. Por outro lado, não é a Universidade que está encerrada num castelo de marfim. Culturalmente, nossos industriais têm a alma do português, dono do empório da esquina. Quem está fechada ao desenvolvimento é a própria indústria brasileira que vive do lucro fácil, e do investimento a curto prazo. Por outro lado, a visão do português reflete a ausência de uma estratégia política clara de desenvolvimento, portanto há elementos culturais e políticos nos nossos descaminhos. Portanto, ambas barreiras estão presentes.
ComCiência - O senhor acredita que a indústria brasileira responde bem aos desafios de mudança? Como?
Sérgio Henrique Ferreira - Muitas vezes pensamos que bastaria a definição de setores importantes para desenvolvimentos, de juros adequados e outros estímulos financeiros, assim como o direto envolvimento dos cientistas universitários e o uso do espaço público para o desenvolvimento inovador privado. A indústria brasileira responderá adequadamente se não for fortemente controlada por um sistema de lobbies industriais corruptos. No passado, durante a chamada fase econômica de proteção de mercado, o que ocorreu com a informática é emblemático. Em vez de industrializarmo-nos, e produzirmos computadores e seus componentes, nossa pseudoindústria partiu para o lucro imediato de importar as peças e simplesmente montar computadores (hard ware). A Coréia adotou uma política diametralmente oposta e veja no que deu. Hoje ela fabrica não só computadores e eletrodomésticos de ponta, mas tem também sua própria indústria de automóveis. Nós ainda estamos montando computadores na Zona Franca de Manaus e montando automóveis estrangeiros pelo Brasil afora. Para que a indústria brasileira responda adequadamente é preciso acabar com os incentivos irresponsáveis, com as zonas francas e as utilizações indevidas dos investimentos estatais para inovação industrial. Eu me recordo do tempo em que empréstimos, a juros baixos, eram tomados por alguns industriais e aplicados no mercado financeiro nacional e internacional. Isto implica que uma política estratégica de desenvolvimento obriga um rigoroso controle dos investimentos estatais e dos empréstimos a juros baixos. A globalização coloca em cheque as indústrias brasileiras de alta qualidade. Seus donos ou as vendem ou têm de partir para inovação ou produzir produtos internacionalmente competitivos. Pelo menos temos a nosso favor um mercado comprador interno poderoso e o pequeno custo da mão-de-obra (se a cascata de impostos for controlada).
ComCiência - Como o senhor interpreta a priorização, pela política industrial brasileira, dos setores de semicondutores, software, bens de capital e fármacos?
Sérgio Henrique Ferreira - Acho que é certa, como uma estratégia inicial. No futuro devemos ir mais longe.
ComCiência - Sobre política industrial e desenvolvimento tecnológico, como as duas coisas precisam caminhar juntas? Quais os desafios para uma conversão?
Sérgio Henrique Ferreira - O desafio principal reside em que o desenvolvimento tecnológico deve ocorrer dentro das indústrias inovadoras. As indústrias têm de ter o seu quadro de pesquisadores e seus laboratórios próprios. Uma indústria não pode aproveitar do desenvolvimento científico acadêmico se não tiver interlocutores profissionais. O pior interlocutor de uma indústria é o diretor de marketing. Os problemas de marketing devem ser resolvidos dentro da indústria antes de partir para o desafio da inovação. As inovações devem ser economicamente viáveis. Esta é uma decisão da indústria e depende da inteligência de seus donos ou diretores. No Brasil, os setores que eu acredito que mais investem na inovação são a do petróleo (prospecções da Petrobrás), a indústria siderúrgica, a aeronáutica (Embraer), assim como o setor agropecuário (Embrapa e institutos agronômicos).
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