Deputado defende uso de software livre nas escolas públicas
O deputado federal Sérgio Miranda (PCdoB-MG) é um dos pioneiros na luta pela implementação do software livre no Brasil. Ao lado do deputado Walter Pinheiro (PT-BA), questionou a aplicação de recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para instalação de um sistema operacional de código fechado em computadores de escolas públicas. Conseguiram aprovar uma medida que prevê que as máquinas funcionem com dois aplicativos: o Windows, da Microsoft, e o Linux, criado por Linus Torvalds, o guru do software livre.
Hoje, Miranda torce para que o Brasil desponte na corrida pela difusão dos programas de código aberto. Entretanto, reconhece que projetos de lei não são o caminho mais rápido para que isso aconteça. Na opinião do deputado, o software livre só irá conquistar mais espaço na sociedade por meio do convencimento e da demonstração, na prática, das vantagens que pode oferecer.
ComCiência - Por que o senhor começou a defender a bandeira do software livre?
Sérgio Miranda - Tudo começou com o debate sobre a aplicação de recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) no programa de informatização das escolas, que previa a criação de laboratórios com acesso à internet. Eram recursos vultosos, para a compra de 240 mil computadores. E havia a imposição de que todos tivessem o sistema operacional da Microsoft. (Outros deputados e eu) Ficamos revoltados, porque significava promover a inclusão digital usando apenas o programa da Microsoft. Para a empresa, era uma enorme vantagem competitiva.
ComCiência - Qual era o principal interesse da Microsoft?
Miranda - A exclusividade daria à empresa o monopólio de acesso à formação dos estudantes. A Microsoft estava quase dando os programas. Fazer a inclusão digital de todos os estudantes de nível médio única e exclusivamente por meio da Microsoft é uma enorme vantagem para a empresa.
ComCiência - Então, não se tratava apenas de uma questão monetária?
Miranda - Não, tratava-se de domínio de mercado. A tática da Microsoft sempre foi incentivar a pirataria (de seus próprios programas). As pessoas tiveram acesso ao Windows, e essa era única realidade que elas conheciam. Depois, a empresa começou a cobrar, e justamente onde vende mais, ou seja, no setor público. Hoje, há uma grande preocupação da Microsoft em retirar recursos cada vez maiores do setor público, a pretexto de combate à pirataria. Então, mesmo que ela fosse a fornecedora do programa do FUST a preços muito baixos, depois ela aumentaria o preço, devido ao monopólio que exerce.
ComCiência - Quando vocês conseguiram mudar o edital?
Miranda - Em 2002. Conseguimos fazer um acordo para que as máquinas pudessem ser iniciadas de duas formas (dual boot): pelo Linux ou pelo Windows. Hoje, estamos convencidos que essa não é a melhor saída, porque a tendência é as pessoas usarem mais o Windows.
ComCiência - Além da gratuidade, qual seria a vantagem do Linux?
Miranda - O Linux roda em máquinas mais defasadas, que é a realidade de nossas escolas. Se você tem um bom servidor, pode usar computadores mais antigos.
ComCiência - Como está a situação do software livre no Brasil hoje?
Miranda - Houve uma mudança positiva com a vinda do Sérgio Amadeu para o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI). Hoje, o governo tem uma política de favorecimento do software livre. Os próprios órgãos do governo estão adotando programas de código aberto.
ComCiência - Por que essa preferência?
Miranda - O argumento é também econômico. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, houve necessidade de atualizar os sistemas operacionais. Tínhamos cerca de cinco mil máquinas. A proposta da Microsoft era de um gasto de quase R$ 1 mil por máquina. A Câmara não tinha R$ 5 milhões e optou pelo software livre. A Microsoft costuma negociar no setor privado com mais facilidade. Seis ministérios (Defesa, Cultura, Ciência e Tecnologia, Minas e Energia, Relações Exteriores e Educação) já resolveram migrar para o software livre.
ComCiência - Desde quando o governo assumiu esse posicionamento?
Miranda - No ano passado, houve um seminário em que o Congresso praticamente definiu sua posição. Estiveram presentes o senador José Sarney, o deputado João Paulo, o ministro José Dirceu. A presença dessas autoridades mostrou que algo que estava se desenrolando por trás dos bastidores. O governo assumiu de forma pública uma política de favorecimento do software livre.
ComCiência - E quanto ao projeto de lei do deputado Walter Pinheiro (PT), que prevê a adoção do software livre em toda a esfera pública?
Miranda - A opção que estamos adotando é não fazer isso por meio de um projeto de lei. Fica parecendo uma imposição, pode criar uma certa antipatia. O mais importante é o processo de convencimento e a demonstração prática dos benefícios do software livre. Por outro lado, tenho um projeto de lei que procura separar a compra da máquina da aquisição do software. Atualmente, quando se compra a máquina, o software já vem embutido. A Microsoft tem acordos com todos os produtores de equipamentos, que já embutem o software e incorporam o custo no preço das máquinas.
ComCiência - Como fica a situação das empresas que criam software? Como elas podem sobreviver produzindo programas livres?
Miranda - Depende de como é elaborado o plano de negócios dessas empresas. Elas podem conseguir isso com manutenção, assistência técnica ou treinamento, por exemplo.
ComCiência - O senhor acha que isso é suficiente?
Miranda - Acho que sim. Por que as grandes empresas e bancos estão adotando o software livre? Esses são os exemplos mais relevantes.
ComCiência - Não existe um risco de que haja um atraso tecnológico, um desestímulo ao desenvolvimento de programas com a difusão do software livre?
Miranda - Não sei, acho que não. Existem formas claras de se viabilizar o negócio do software livre economicamente. A questão do atraso é o argumento da Microsoft, como se o software proprietário fosse a única forma de desenvolvimento tecnológico. E isso não é verdade.
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