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Reforma pretende reverter crise no sindicalismo brasileiro
Arthur Henrique S. Santos

Modelo econômico gerou milhões de desempregados
Altamiro Borges

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Modelo econômico gerou milhões de desempregados

Além do alto nível de desemprego, o Brasil possui ainda um outro elemento relacionado ao mundo do trabalho que fecha seu quadro social trágico: o grande número de trabalhadores informais e precarizados. Ambos, o aumento do nível de desemprego e o alto número de trabalhadores informais, são resultado, segundo Altamiro Borges, editor da revista Debate Sindical, das políticas de liberalização comercial, inicada nos anos noventa, e do incremento das tecnologias de produção.

Esse contexto coloca grandes desafios para os sindicatos e para o movimento operário. Da mesma forma como, no início do século XX, quando da Segunda Revolução Industrial, as associações de trabalhadores tiveram que passar dos sindicatos de ofício para os sindicados de ramos, os sindicatos, hoje, precisam arrumar formas de incorporar as demandas dos desempregados e dos trabalhadores precários e tercerizados. Isso ou serão falsamente tachados de "defensores de privilégios", alerta Borges, que também coordena o Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais Maurício Grabois.


ComCiência - Uma das reivindicações para o aumento do nível de emprego é a diminuição do número de horas de trabalho. Como isso pode funcionar a curto e longo prazo? Essa é uma tendência mundial?
Altamiro Borges -
Essa é uma bandeira mundial. O movimento operário sindical tem levantado isso em vários países. Uma primeira razão é que vivemos um período de decréscimo das taxas de crescimento da economia, em função da aplicação de políticas neoliberais, da transferência do que tem saído da produção para o setor financeiro. Também é consequência do processo de divisão internacional do trabalho, no qual as potências capitalistas dos países desenvolvidos absorvem a riqueza produzida pelo conjunto dos países. Isso gera um decréscimo da economia no mundo todo, desde a década de 70, quedas constantes. Sem o crescimento da economia, não há emprego. O motor do emprego é o crescimento.

A bandeira da redução da jornada de trabalho, vem acompanhada da reivindicação de mudanças nos rumos da economia, para que esta seja mais voltada para o crescimento. Essa bandeira é um elemento a mais, a redução da jornada não é uma panacéia que vai resolver tudo. Ela visa distribuir a riqueza produzida. Porque, com o avanço da produtividade, com as novas tecnologias e as novas técnicas de gerenciamento, houve um avanço da produtividade, mas concentrado na mão de poucos. A redução da jornada de trabalho visa dividir, socializar o crescimento da produtividade.

Essa reivindicação tem sido feita internacionalmente e, em alguns países, há vittórias. Na França, por exemplo, conseguiu-se, no governo de Lionel Jospin, a redução para 35 horas semanais. Ocorreram dois fenômenos interessantes. O primeiro foi o aumento do nível de emprego, alguns técnicos do ministério do trabalho francês chegam a falar em 500 ou 600 mil empregos gerados. O outro fenômeno foi o aumento de renda, o crescimento do mercado interno e geração de renda. A redução da jornada de trabalho é, ao mesmo tempo, uma medida para minimizar a crise e algo que permite superar o problema gerando crescimento da economia, demanda interna e consumo.

A redução é uma bandeira reformista-revolucionária. É apenas reformista porque não vai resolver o problema do capitalismo, mas ao mesmo tempo é revolucionária porque tenta socializar um pouco os avanços ocorridos no campo da produção, minimizando os efeitos do capitalismo nessa fase financeira.

Aqui no Brasil o Dieese calcula que a redução da jornada de trabalho, acompanhada da restrição das horas extras e do fim do banco de horas (a flexibilização da jornada), produziria cerca de 2 milhões de empregos.

ComCiência - A diminuição de postos de trabalho é ocasionada pelo modo de desenvolvimento do capitalismo, concentração financeira e inibição do crescimento ou pelo aumento da produtividade?
Borges -
Existem as duas razões. A primeira é essa mesma, o capitalismo e a concentração da maior parte da riqueza produzida nas mãos do capital financeiro. Isso tem gerado profundas crises econômicas, é um fator gerador de desemprego, a queda do PIB e do crescimento gera desemprego. No Brasil, a estimativa mais baixa é de 13 milhões de desempregados, entre desemprego aberto [aqueles que continuam buscando emprego] e ocultos [os que já desistiram]. E há 1 milhão e 700 mil jovens que tem potencial para ingressar no mercado de trabalho anualmente. Sem crescimento econômico, não é possível incorporar essa juventude e cria-se uma falta de perspectiva, que justifica inúmeros problemas sociais que temos hoje.

A outra razão é que o desenvolvimento tecnológico é apropriado apenas pelo capital. Ele gera aumento de produtividade, mas ela não é distribuída, fica concentrada nas mãos do capital. Temos esses dois problemas, um de ordem econômica e outro vinculado às mudanças do mundo do trabalho.

ComCiência - Qual é o peso do aumento da produtividade nas taxas de desemprego?
Borges -
Saiu recentemente uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) afirmando que a automação, o aumento da produtividade e a introdução de novas tecnologias é um fenômeno responsável por 10 milhões de desempregados no Brasil.

Mas muito desse desemprego foi causado também pela política econômica, orientada pelas instituições internacionais como FMI e Banco Mundial. Por exemplo, as importações abertas indiscriminadamente, que geraram uma falsa expectativa. A população passa a acreditar que consumirá produtos importados, sem pensar que isso diminui a produção local e gera desemprego, o que por sua vez a impede de comprar os próprios importados. Outro exemplo é a liberalização das finanças, do mercado financeiro, que tornaram a economia vulnerável a crises. Um espirro nos EUA, como a sinalização do aumento dos juros, causa pneumonia no Brasil. Só as privatizações a mando das organizações internacionais geraram um terço das demissões nas empresas estatais.

ComCiência - O perfil das ocupações, de maneira geral, tem mudado com a diminuição de postos de trabalho nas indústrias. Que conseqüências você vê nesse processo para a perda do poder de negociação dos sindicatos e para os processos de identificação da classe operária?
Borges
- Existem aí reflexos profundos, que mexem com a subjetividade da classe. O movimento sindical, na fase pós-segunda revolução técnico-científica, estruturou-se principalmente no ramo da indústria. Eram os grandes sindicatos operários, ali estava a força do movimento sindical. A terceira revolução tecnológica e científica (ver texto), a informacional, trouxe mudanças para a formatação do capitalismo. Como resultado, temos uma redução do operariado industrial, uma ampliação do setor de serviços, mas principalmente a precarização do trabalho. É o que um autor da Unesp de Marília, Giovani Alves, chama de um novo proletariado precarizado. Esse é um problema seríssimo, que afeta a base tradicional do movimento sindical e operário. Hoje, mais de 50% da população economicamente ativa está no mercado informal e, no mercado formal, boa parte está precarizada. Esse processo bárbaro, das terceirizações, é uma coisa do século XIX. No Brasil, a terceirização serve para retirar direitos, abaixar salários e evitar a organização sindical. Tudo isso afeta a consciência e a organização dos trabalhadores.

Da mesma forma como na segunda revolução, na década de 1910, o movimento sindical patinou um pouco para sair do sindicato de ofício para o sindicato de ramos, hoje o movimento sindical está patinando também para incluir essa nova classe, os tercerizados, os precarizados.

Hoje o movimento sindical tem muita dificuldade de tratar de dois extremos, um que é a parcela reduzida dos trabalhadores altamente qualificados, um grupo de pessoas normalmente jovem e criado numa visão tecnicista, que não tem identidade de classe, não têm aquilo que o sociólogo Ricardo Antunes chama de "pertencimento de classe". No outro extremo, a massa de pessoas precarizadas, para quem o movimento operário e sindical também não consegue dar respostas. O movimento sindical corre o risco de falar para uma parcela minoritária da sociedade. Fundamental, estratégica, mas minoritária. Corre o risco, inclusive, de ser criticado por alguns que dizem que sindicalismo é para defender privilégios.

ComCiência - Recentemente tem se falado no fenômeno do outsourcing, em que empregos mais técnicos ou mesmo do setor de serviços, migram do Primeiro para o Terceiro Mundo - algo que ocorreu no passado com os setores de manufatura atinge agora outros setores. Em geral, os trabalhadores do mundo subsdesenvolvido ganham apenas um quinto do que é pago nos países centrais. Isso pode ser, de alguma forma, benéfico para os países pobres, dada transferência dos postos de trabalho?
Borges
- Não, isso é deletério para todos, porque o fenômeno deve ser analisado a partir da lógica de exclusão do capitalismo, de precarização. Por exemplo, o governo mexicano comemora as maquiladoras na fronteira do México (veja texto), em que o trabalhador recebe dez vezes menos do que um operário nos EUA. Além dos baixos salários, as condições de trabalho são péssimas, é proibida a organização sindical. O governo mexicano comemora esse tipo de emprego, mas ele é altamente vulnerável. Basta, por exemplo, que a Ásia tenha mais atrativos e esses empregos vão pra lá.

É algo semelhante à experiência da petroquímica na Bahia, em Camaçari. Foram criados vários incentivos e isenções, querendo aproveitar-se dos baixos salários. Na primeira crise, tudo foi abandonado. Ou seja, o capital se deslocaliza não para gerar emprego, mas para aumentar a extração da mais-valia, ter mais lucro. Não é possível comemorar a diminuição de empregos nos EUA e o aumento na periferia do sistema. Isso faz parte da lógica que cria os trabalhadores "hifenizados", trabalhador-temporário, trabalhador-precário, tudo com um hífen.

Veja o que está acontecendo hoje. Como o Bush está sofrendo muito no front externo - pensou que o Iraque ia ser um passeio, pensou que ia implantar a Alca e não está conseguindo - ele tenta capitalizar na política interna e comemora um aumento nos empregos de seu país. Mas o que está havendo é aumento de trabalho precário. Tem um belíssimo livro de um sujeito chamado Richard Sennet, que se chama A corrosão do caráter. Ele fala dessa instabilidade total, da concorrência em alto grau. Esse tipo de evolução do capitalismo na verdade é uma involução, não beneficia o trabalhador de nenhuma parte do mundo. Nao dá para comemorar: oba, abriu mais uma vaga aqui! É um trabalho precário.

Atualizado em 10/05/04

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