Entrevistas Reforma pretende reverter crise no
sindicalismo brasileiro Modelo
econômico gerou milhões de desempregados |
Além do alto nível de desemprego, o Brasil possui ainda um outro elemento relacionado ao mundo do trabalho que fecha seu quadro social trágico: o grande número de trabalhadores informais e precarizados. Ambos, o aumento do nível de desemprego e o alto número de trabalhadores informais, são resultado, segundo Altamiro Borges, editor da revista Debate Sindical, das políticas de liberalização comercial, inicada nos anos noventa, e do incremento das tecnologias de produção. Esse contexto coloca grandes desafios para os sindicatos e para o movimento operário. Da mesma forma como, no início do século XX, quando da Segunda Revolução Industrial, as associações de trabalhadores tiveram que passar dos sindicatos de ofício para os sindicados de ramos, os sindicatos, hoje, precisam arrumar formas de incorporar as demandas dos desempregados e dos trabalhadores precários e tercerizados. Isso ou serão falsamente tachados de "defensores de privilégios", alerta Borges, que também coordena o Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais Maurício Grabois. A bandeira da redução da jornada de trabalho, vem acompanhada da reivindicação de mudanças nos rumos da economia, para que esta seja mais voltada para o crescimento. Essa bandeira é um elemento a mais, a redução da jornada não é uma panacéia que vai resolver tudo. Ela visa distribuir a riqueza produzida. Porque, com o avanço da produtividade, com as novas tecnologias e as novas técnicas de gerenciamento, houve um avanço da produtividade, mas concentrado na mão de poucos. A redução da jornada de trabalho visa dividir, socializar o crescimento da produtividade. Essa reivindicação tem sido feita internacionalmente e, em alguns países, há vittórias. Na França, por exemplo, conseguiu-se, no governo de Lionel Jospin, a redução para 35 horas semanais. Ocorreram dois fenômenos interessantes. O primeiro foi o aumento do nível de emprego, alguns técnicos do ministério do trabalho francês chegam a falar em 500 ou 600 mil empregos gerados. O outro fenômeno foi o aumento de renda, o crescimento do mercado interno e geração de renda. A redução da jornada de trabalho é, ao mesmo tempo, uma medida para minimizar a crise e algo que permite superar o problema gerando crescimento da economia, demanda interna e consumo. A redução é uma bandeira reformista-revolucionária. É apenas reformista porque não vai resolver o problema do capitalismo, mas ao mesmo tempo é revolucionária porque tenta socializar um pouco os avanços ocorridos no campo da produção, minimizando os efeitos do capitalismo nessa fase financeira. Aqui
no Brasil o Dieese calcula que a redução da jornada de
trabalho, acompanhada da restrição das horas extras e do
fim do banco de horas (a flexibilização da jornada),
produziria cerca de 2 milhões de empregos. ComCiência
- A diminuição de postos de trabalho é ocasionada
pelo modo de desenvolvimento do capitalismo, concentração
financeira e inibição do crescimento ou pelo aumento da
produtividade? A
outra razão é que o desenvolvimento tecnológico
é apropriado apenas pelo capital. Ele gera aumento de
produtividade, mas ela não é distribuída, fica
concentrada nas mãos do capital. Temos esses dois problemas, um
de ordem econômica e outro vinculado às mudanças do
mundo do trabalho. ComCiência
- Qual é o peso do aumento da produtividade nas taxas de
desemprego? Mas
muito desse desemprego foi causado também pela política
econômica, orientada pelas instituições
internacionais como FMI e Banco Mundial. Por exemplo, as
importações abertas indiscriminadamente, que geraram uma
falsa expectativa. A população passa a acreditar que
consumirá produtos importados, sem pensar que isso diminui a
produção local e gera desemprego, o que por sua vez a
impede de comprar os próprios importados. Outro exemplo é
a liberalização das finanças, do mercado
financeiro, que tornaram a economia vulnerável a crises. Um
espirro nos EUA, como a sinalização do aumento dos juros,
causa pneumonia no Brasil. Só as privatizações a
mando das organizações internacionais geraram um
terço das demissões nas empresas estatais. ComCiência
- O perfil das ocupações, de maneira geral, tem mudado
com a diminuição de postos de trabalho nas
indústrias. Que conseqüências você vê
nesse processo para a perda do poder de negociação dos
sindicatos e para os processos de identificação da classe
operária? Da mesma forma como na segunda revolução, na década de 1910, o movimento sindical patinou um pouco para sair do sindicato de ofício para o sindicato de ramos, hoje o movimento sindical está patinando também para incluir essa nova classe, os tercerizados, os precarizados. Hoje
o movimento sindical tem muita dificuldade de tratar de dois extremos,
um que é a parcela reduzida dos trabalhadores altamente
qualificados, um grupo de pessoas normalmente jovem e criado numa
visão tecnicista, que não tem identidade de classe,
não têm aquilo que o sociólogo Ricardo Antunes
chama de "pertencimento de classe". No outro extremo, a massa de
pessoas precarizadas, para quem o movimento operário e sindical
também não consegue dar respostas. O movimento sindical
corre o risco de falar para uma parcela minoritária da
sociedade. Fundamental, estratégica, mas minoritária.
Corre o risco, inclusive, de ser criticado por alguns que dizem que
sindicalismo é para defender privilégios. ComCiência
- Recentemente tem se falado no fenômeno do outsourcing,
em que empregos mais técnicos ou mesmo do setor de
serviços, migram do Primeiro para o Terceiro Mundo - algo que
ocorreu no passado com os setores de manufatura atinge agora outros
setores. Em geral, os trabalhadores do mundo subsdesenvolvido ganham
apenas um quinto do que é pago nos países centrais. Isso
pode ser, de alguma forma, benéfico para os países
pobres, dada transferência dos postos de trabalho? É algo semelhante à experiência da petroquímica na Bahia, em Camaçari. Foram criados vários incentivos e isenções, querendo aproveitar-se dos baixos salários. Na primeira crise, tudo foi abandonado. Ou seja, o capital se deslocaliza não para gerar emprego, mas para aumentar a extração da mais-valia, ter mais lucro. Não é possível comemorar a diminuição de empregos nos EUA e o aumento na periferia do sistema. Isso faz parte da lógica que cria os trabalhadores "hifenizados", trabalhador-temporário, trabalhador-precário, tudo com um hífen. Veja
o que está acontecendo hoje. Como o Bush está sofrendo
muito no front externo - pensou que o Iraque ia ser um passeio,
pensou que ia implantar a Alca e não está conseguindo -
ele tenta capitalizar na política interna e comemora um aumento
nos empregos de seu país. Mas o que está havendo é
aumento de trabalho precário. Tem um belíssimo livro de
um sujeito chamado Richard Sennet, que se chama A corrosão
do caráter. Ele fala dessa instabilidade total, da
concorrência em alto grau. Esse tipo de evolução do
capitalismo na verdade é uma involução, não
beneficia o trabalhador de nenhuma parte do mundo. Nao dá para
comemorar: oba, abriu mais uma vaga aqui! É um trabalho
precário. |
Atualizado em 10/05/04 |
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