Entrevistas
Reforma pretende reverter crise no
sindicalismo brasileiro
Arthur Henrique S. Santos
Modelo
econômico gerou milhões de desempregados
Altamiro Borges
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Reforma pretende reverter crise no sindicalismo brasileiro
O Fórum
Nacional do Trabalho (FNT) foi constituído em meados de 2003,
inspirado no princípio da consulta tripartite, emanada da
convenção 144 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT). Criado pelo governo, o FNT é um organismo com
representações dos trabalhadores, governo e
empresários, com o objetivo de debater e encontrar
soluções relacionadas ao mundo do trabalho. Arthur
Henrique Silva Santos, representante nacional da Central Única
dos Trabalhadores (CUT) no Fórum Nacional do Trabalho (FNT)
concedeu entrevista à ComCiência, esclarecendo a
posição da CUT sobre questões ligadas à
reforma sindical. Em sua opinião, a reforma sindical é
essencial para combater o enfraquecimento dos sindicatos e a
fragmentação da classe trabalhadora.
ComCiência - Em que medida o sindicalismo tem sido
afetado pelo aumento de trabalhadores autônomos e informais e
como é possível enfrentar essa situação?
Arthur Henrique S. Santos - O sindicalismo tem uma
relação direta com o aumento da informalidade ou do
desemprego, já que a base dos sindicatos acaba perdendo
representatividade. Temos, cada vez mais, um sindicalismo pouco
representativo. A CUT tem desenvolvido um projeto chamado "CUT
Cidadã", com a intenção de reverter esse quadro. A
idéia é organizar os trabalhadores desempregados,
informais, através da montagem de cooperativas. É uma
preocupação da CUT fazer uma proposta, não apenas
para representar os trabalhadores que têm carteira assinada, mas
também aqueles que estão desempregados ou na
informalidade.
ComCiência
- Por outro lado, uma forma de não arcar com os direitos
trabalhistas tem sido a montagem de cooperativas. Esse têm sido o
caso de escolas particulares que demitem seus professores e, em
seguida, os subcontratam sob esse molde? Como a CUT pretende enfrentar
essa situação? A reforma trabalhista poderá recuar
essa tendência?
Santos - Nós esperamos que sim. Mas é preciso deixar
claro que existem duas formas diferentes de cooperativa. Uma coisa
são as cooperativas fraudulentas que, constituídas com o
objetivo de fraudar a constituição trabalhista,
são abomináveis. Com relação a elas,
esperamos que o Ministério do Trabalho faça seu papel de
fiscalizá-las. Outra coisa é uma empresa que vai falir,
que tem problemas de produção e então é
montada uma cooperativa de produção a partir da
união de trabalhadores, que assumem a empresa para levar adiante
os seus empregos. Existem exemplos bastante positivos que demonstram a
possibilidade dos trabalhadores conseguirem isso pela cooperativa.
Nossa expectativa é que no debate da reforma trabalhista sejam
estabelecidas multas e a criminalização dos
empresários que fraudam os direitos dos trabalhadores.
Atualmente, um empresário que frauda a legislação
trabalhista recebe uma multa pequena ou um processo muito lento. O que
esperamos na reforma trabalhista é ampliar direitos.
ComCiência
- O enfraquecimento do sindicalismo e a fragmentação da
classe trabalhadora não são fenômenos apenas
brasileiros. Como o Brasil pode escapar desse rumo relacionado à
globalização, reestruturação produtiva e
precarização do trabalho?
Santos - A primeira medida é sem sombra de dúvida a
modificação da estrutura sindical atual. Porque essa
estrutura garantiu alguns avanços na constituição
de 1988, que estabeleceu o fim da intervenção do Estado
nos sindicatos, o que é positivo, mas manteve, no caso da
estrutura sindical brasileira, os três pilares que sustentam a
estrutura atual, a qual ajuda a fragmentar e a fragilizar o movimento
sindical. Os três pilares são: a unicidade sindical, o
imposto sindical e o poder normativo da justiça do trabalho.
Então, apesar do avanço da constituinte de 1988, podemos
perceber que perpetuaram a estrutura, principalmente para o setor
privado, e uma certa acomodação dos dirigentes sindicais.
No caso do setor público, é ainda mais complicado. Nesse
setor, existe a garantia de organização em sindicatos e
estabilidade maior do que a existente no setor privado. É claro
que não é a estabilidade que existia anteriormente, por
conta das reformas feitas no governo FHC, principalmente a reforma
administrativa - mas há uma certa estabilidade. Mas, por outro
lado, não existe garantia de negociação e
contratação coletiva. A contratação
coletiva é uma questão importante também para o
debate da reforma sindical.
Para combater fragilização e essa situação
de fragmentação a primeira questão é
alterar a estrutura sindical debatida no Fórum Nacional do
Trabalho.
ComCiência
- Como explicar que justamente no governo do representante da Frente
Brasil Popular, símbolo da resistência política e
sindical, seja publicada a portaria número 160, que
proíbe os descontos da contribuição sindical?
Santos - Eu não sei como isso pode ser explicado. Isso deve
ser perguntado ao governo. Em seguida à publicação
da portaria, a CUT imediatamente juntou-se às demais centrais
sindicais para reclamar. Afinal, discutimos durante oito meses no FNT
essa questão, até que foi definida uma proposta de
financiamento da estrutura sindical, para acabar com as atuais taxas: a
confederativa, a assistencial e o próprio imposto sindical, e
estabelecida uma outra contribuição no lugar dessas. Essa
nova contribuição deve ser aprovada em assembléia
e tem um limite estabelecido na constituição. Se
estivemos discutindo tudo isso no FNT, por que soltar uma portaria? Na
verdade, eu acho que a portaria foi colocada fora de hora e o
próprio ministério concordou que havia necessidade de
suspender a portaria até maio de 2005.
Por
outro lado, é importante perceber que a portaria suscitou um
debate, o de que tem muito sindicato no Brasil cobrando taxas abusivas.
Não é a realidade de grande parte deles, mas
vários cobram dessa forma. A imprensa não deu a devida
atenção a isso. O que foi dito na imprensa é que
estávamos trocando 3,3% do imposto sindical atual, que é
um dia de salário, por 13%, que é a proposta do
Fórum. Isso não é verdade. A cobrança que
existe hoje é muito maior que 13%. Tanto é que a gritaria
dos sindicatos mostrou que estamos dando o tiro certo. Tem muita gente
no Brasil cobrando taxas exorbitantes.
ComCiência
- A publicação da portaria 160 pelo Ministério do
Trabalho não fragilizou o FNT?
Santos - Não, porque a portaria foi suspensa menos de uma
semana depois. O Fórum continuou atuando mesmo com essa medida
assumida unilateralmente pelo Ministério.
ComCiência
- Na reunião da Comissão Especial da Reforma Trabalhista,
do dia 18 de março, a deputada Luciana Genro, afirmou que as
propostas apresentadas no Fórum Nacional do Trabalho (FNT)
não são consensuais e que dentro da própria CUT
existem posições divergentes. Para ela, as propostas
seguem o caminho de outras reformas de caráter neoliberal
executadas em países da América Latina, que teriam como
objetivo flexibilizar a legislação trabalhista e eliminar
os direitos dos trabalhadores em benefício das grandes
corporações e empresas. Qual sua opinião sobre
essas afirmações?
Santos - Em primeiro lugar, a Luciana Genro está equivocada.
Não é verdade que exista a mesma perspectiva de se
construir, na reforma sindical, uma reforma como foi feita nos outros
países da América Latina. Nós estamos falando de
duas reformas, uma é a trabalhista e outra é a sindical.
Na reforma trabalhista, é evidente que os empresários
vão querer trabalhar, discutir e debater propostas para
flexibilizar direitos, voltar com a história de mudança
do artigo 618 da CLT, o negociado sobre o legislado (link?) e tantas
outras coisas. Mas não há posição das
centrais sindicais, em especial da CUT, sobre isso e nem perspectiva de
entrar nesse tipo de jogo.
Estamos discutindo agora a reforma sindical, para fortalecer os
sindicatos e torná-los representativos. Depois, sim, a reforma
trabalhista deverá ser tratada, em um segundo momento,
após a conclusão da reforma sindical. Essa conversa de
que na CUT existem divergências é verdade. Na CUT tem
divergências desde 1983, que é o ano de seu nascimento.
Nem todas as tendências que estão dentro da CUT hoje
estavam naquela época [1983]. Existem aqueles que defendem, por
exemplo, a unicidade sindical. Nós [vertente majoritária
da CUT] defendemos a liberdade e autonomia e a
ratificação da convenção de 1987 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essas
diferenças são tratadas na CUT com muito respeito, mas
tem uma hora em que ocorre a votação e a maioria toma uma
decisão. É essa decisão que está sendo
implementada no interior da CUT, com votos de 75% da sua
direção.
ComCiência
- O fim da validade de um ano dos acordos coletivos para
reposição das perdas salariais (dissídios
coletivos e data-base) não poderá fragilizar as
negociações nesse sentido?
Santos - Não acabou a data-base e muito menos existe essa
história de que o acordo não tem validade por um ano.
Muito pelo contrário, sempre foi uma bandeira da CUT fazer
acordos entre trabalhadores e empregadores, para que os acordos
coletivos tenham variadas datas-base ou propostas da sua
cláusula de acordo. Hoje em dia, no Brasil, o que temos é
a garantia da data-base e, de ano em ano, ocorre discussão.
Queremos negociação permanente. Se as entidades sindicais
querem discutir uma questão que está acontecendo hoje
numa empresa, ela não precisa esperar a data-base para fazer a
negociação. Nós queremos discutir a qualquer
momento. O acordo coletivo está estabelecido no FNT, podendo ter
qualquer data. É possível o acordo inteiro valendo por um
ano, dois, três, ou ainda uma cláusula valendo por dois
anos e o acordo valendo por um. Existe, do ponto de vista do FNT, uma
condição melhor do que a que temos hoje, para estabelecer
negociações coletivas em vários níveis e em
várias datas-base, inclusive garantindo que o próprio
trabalhador seja obrigado a negociar. Não acabou a data-base e
as partes podem até manter o que têm hoje. Mas nós
esperamos avançar e não ficar como estamos. Porque esse
negócio de ficar adiando o que se negocia não é
nossa posição.
No
caso do setor público, nem a data-base temos garantido. Por
exemplo, no caso do estado de São Paulo, os trabalhadores das
Fatecs estão em greve, sem nenhuma negociação.
Não há nenhuma tentativa de negociação do
governo estadual com a saúde, educação e com as
Fatecs. Então, temos greve da saúde no dia 10 de maio,
assembléia de professores decretando greve, as Fatecs há
dois meses em greve e não existe nenhuma posição
do governador Alckmin, nem abertura de processo de discussão e
negociação. Isso tem que acabar no Brasil. Queremos que
os governos estaduais, prefeitos e o governo federal sejam obrigados a
fazer uma negociação coletiva no setor público.
Para
saber mais:
Sobre
unicidade sindical
Sobre o poder normativo da justiça do trabalho
Sobre pontos polêmicos da reforma sindical
Sobre a portaria número 160 que dispõe
sobre as contribuições sindicais
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):
http://www.mte.gov.br/Menu/Legislacao/CLT/Default.asp
http://www.mte.gov.br/Menu/Legislacao/CLT/Conteudo/1.pdf
CLT, acordo coletivo, negociado sobre legislado e
artigo 618
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