Editorial:

Modelos e
Modelagens

Carlos Vogt

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Carlos Vogt
 
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Modelagem matemática na previsão do tempo e do clima

Devido ao progresso da computação e suas múltiplas aplicações e utilidades, a modelagem matemática tornou-se um dos instrumentos científicos mais poderosos que existem e a meteorologia e a climatologia são áreas que muito evoluíram com a introdução dessa técnica. As exigências do mundo moderno e a demanda por um melhor planejamento da economia, levaram ao aperfeiçoamento do sistema de previsão de tempo e clima, tanto dos modelos regionais de curto prazo, como dos modelos climáticos sazonais, além do melhoramento da resolução do modelo global.

De acordo com José Paulo Bonatti, Chefe da Divisão de Modelagem do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a modelagem numérica que se usa para fazer a previsão do tempo e clima, nada mais é, do que Leis de Newton aplicadas aos movimentos da atmosfera. Como se faz isto? Não é trivial, é algo complexo, que envolve o conhecimento de dados hemisféricos e de conceitos numéricos acerca de como utilizar estas equações para representar a atmosfera. Estas equações aplicadas à atmosfera normalmente são chamadas de modelos numéricos, que, por sua vez, tentam representar os fenômenos que acontecem na atmosfera (os movimentos do sol que aquecem a superfície e os oceanos), os processos físicos de formação de nuvens, chuvas, ventos fortes e também a diferenciação de condições dos mares, continentes, solos e vegetações. Tudo isso tem que estar representado dentro dos modelos, porque são dados vitais para se fazer a previsão do tempo.

Como são compostos os modelos
As pesquisas científicas da atualidade são em grande parte gestadas e desenvolvidas em ambientes informatizados e, além da interdisciplinaridade, privilegiam a experimentação, a simulação e a modelagem de fenômenos a partir da coleta de dados para a realização de seus estudos.
Hoje dispomos de inúmeros mecanismos de captação de informação, mas como essa
informação é múltipla na sua natureza, variada no seu grau de precisão e extremamente
complexa, para que haja um eficaz processamento desses dados, o que normalmente se faz, é a sua conversão num sistema de representação numérico, que seja reconhecido pelos computadores.
Dessa maneira são compostos os modelos matemáticos, que consistem num conjunto de registros e parâmetros que traduzem as características e atributos do mundo real. Para que melhor se possa analisar uma determinada realidade, se constrói um modelo que ajude a entendê-la e a decodificá-la. Evidentemente, um modelo é bem mais simples que a realidade, exatamente para que se possa manipulá-lo e fazer experimentações, mas à medida que surgem novas possibilidades de observação do sistema real, novos elementos vão sendo introduzidos na representação e o modelo vai se aperfeiçoando.

Só que a distribuição desses dados é totalmente irregular e os modelos necessitam de uma distribuição regular para poder efetuar as contas. Há, então, uma etapa do trabalho (a interpolação do campo irregular para o regular) que demanda uma técnica muito sofisticada. Isto é o que se denomina resolução do modelo. Há que se dividir o globo terrestre na horizontal, em retângulos ou quadrados, e na vertical, em camadas. A superfície da atmosfera é dividida como quadrados. No caso, trabalha-se com quadrados de 200 x 200 km, 100 x 100 km e 40 x 40 km. No centro é preciso ter um valor que se supõe válido para todo esse quadrado. Na vertical, só se consegue trabalhar com alguns valores, que precisam ser divididos como se fossem camadas. Daí é feita a transferência dos dados observados para uma grade do tipo tridimensional, num dado instante fixo, isto é o que se chama de condição inicial do modelo, uma transferência daquelas variáveis observáveis e totalmente irregulares para algo bem regular. Desta forma, o modelo consegue fazer a leitura.

Para fazer o processamento de modelos complexos, como o que reproduz o sistema oceano-atmosfera, ou a previsão para médio prazo, com metodologias avançadas, o CPTEC possui um supercomputador (NEC SX4-8), com capacidade de 16 GigaFlops, ou seja, capaz de realizar 16 bilhões de operações aritméticas por segundo.

O Centro fornece a previsão diária de tempo obtida por prognósticos numéricos, imagens de satélites meteorológicos e informações captadas pelas redes de plataformas de coleta de dados hidrometeorológicos.

Mapa ilustrativo das temperaturas mínimas em todo o país, resultante da aplicaçãos dos modelos. Fonte: CPTEC/INPE.

As variáveis medidas pelas estações de superfície na terra, basicamente são, temperatura, pressão, umidade e ventos. Elas são medidas na superfície. Para fazer medições em determinadas altitudes são utilizados balões estratosféricos, que fazem o que se chama de sondagem. Eles vão medindo a pressão, temperatura, umidade e pelo deslocamento do balão, se mede o vento também. Isto significa que há uma maior precisão dos dados coletados perto da superfície, que vai piorando quanto mais aumenta a altitude. Por isso, são utilizados dados de satélites também. Mas estes dados são derivados, não são medidas diretas, uma vez que os satélites não medem a temperatura, pressão, etc, mas sim a radiação. Há também navios, bóias e aviões que reportam dados.

Existe um sistema mundial de observação, que é coordenado pela Organização Meteorológica Mundial, chamado Sistema Global de Telecomunicação (GTS). Este sistema é distribuído ao redor do globo e as medições (de responsabilidade de cada país) são feitas em horários pré-definidos. Os dados são todos reunidos em centros regionais, onde estes levantamentos são feitos, sedno o centro mundial mais próximo o de Washington (outros centros mundiais estão localizados em Moscou e Melbourne). Os centros mundiais coletam os dados regionais, depois eles trocam informações entre si e devolvem os dados para os centros. Então, todo mundo tem acesso ao globo todo, com essas informações, são preparados os dados que vão entrar nos modelos.

A previsão numérica depende muito das condições do plano de tempo (o campo que dá entrada para o modelo), porque se não houver precisão, a previsão é ruim também. A metodologia, explica Bonatti, funciona mais ou menos assim: há que se ter um sistema capaz de pegar os dados em tempo real e a previsão tem de ser divulgada em, no máximo, 6 horas depois da observação. Senão ela não é útil. O processo é o seguinte: recebem-se os dados, interpolam-se os dados, gera-se a condição inicial, roda-se o modelo, preparam-se os produtos para o meteorologista analisar e faz-se a disseminação. A interpretação é a previsão propriamente dita que interessa ao usuário.

Quando o CPTEC foi criado, lembra Bonatti, já existiam outros centros no mundo, que utilizavam modelos matemáticos para previsão do tempo. Foram feitos, então, acordos com alguns desses centros para trazer seus modelos, mas estes foram adaptados para a situação brasileira. O modelo global veio do Centro de Estudos de Interações entre o Oceano, a Terra e o Mar (COLA) dos EUA. O modelo regional veio do Centro Americano de Previsão de Tempo (NCEP), mas atualmente já se introduziu tantas modificações e adaptações, que ele pode ser considerado como sendo feito aqui mesmo.

Ainda segundo o pesquisador, hoje o CPTEC tem um projeto no qual, paralelamente ao modelo, se está reformulando e introduzindo todas as tecnologias modernas que já existem. "Nós já dominamos totalmente o modelo e consideramos que é um modelo nosso". Esse trabalho de modernização envolve quatro aspectos: 1. mudança de linguagem da programação para uma linguagem mais moderna; 2. mudança de algoritmos (mais modernos); 3. otimização propriamente dita e 4. paralelismo (programar vários processadores para realizar várias contas ao mesmo instante). Mas toda a eficiência depende da máquina que se tem.

Ainda segundo Bonatti, o objetivo é alcançar previsões cada vez mais confiáveis e de rápido acesso para a população e auxiliar no planejamento governamental (há uma seção específica para a crise de energia no site do CPTEC - http://www.cptec.inpe.br). Não há nenhum outro site no mundo, diz, que ofereça gratuitamente tantos produtos meteorológicos. O próprio modelo tem um índice de acerto que é usado como padrão de comparação. Nesse índice, nós temos até 60% de acerto para a previsão de até 7 dias no modelo global. Para a previsão de 1 ou 2 dias, este acerto está acima de 90%. Antes de se ter os modelos numéricos, o acerto de 60% era para o prazo de um dia e meio. A atmosfera é previsível até um certo limite, a partir daí você não consegue mais fazer previsão desse nível. O limite teórico para este tipo de previsão seria de 15 dias. Quando se pensa na previsão de tempo para 3 meses, essa previsão é de "clima", também feita com modelo, mas ao invés de se representar um valor, se representa uma média do que o modelo previu para um determinado mês. Então, se verifica se ela vai estar acima ou abaixo do que é normal acontecer.

Conforme explica Hilton Silveira Pinto, diretor do Centro de Ensino e Pesquisa em Agricultura (CEPAGRI) da Unicamp, previsão do clima é planejamento, ou seja, é saber por exemplo, qual a possibilidade de haver geada no próximo inverno.

Hoje as previsões de tempo para 48, 72 horas, são feitas com computadores de altíssima velocidade, pois o número de equações é tão grande que, se a máquina não for potente, vai fazer a previsão depois que o tempo passou. E a previsão é feita duas vezes por dia, então não se pode demorar 24 horas para rodar o programa, por isso os computadores têm que ser rápidos.

Todas essas estimativas envolvem modelagem matemática. São equações extremamente complicadas para a meteorologia. Para a climatologia às vezes elas são um pouco mais simples, porque são em grande parte previsões estatísticas.

Há modelos próprios para as previsões desenvolvidos pelo sistema europeu, por vários sistemas americanos ou pelo sistema japonês. E cada instituição no Brasil roda um modelo, de acordo com suas preferências. "Nós, aqui, seguimos a informação que vem do INPE ou do Ministério da Agricultura (Instituto Nacional de Meteorologia). Nós regionalizamos a previsão do tempo", explica Silveira Pinto.

Os modelos da previsão de tempo são muito complicados. "Quando se diz que a temperatura ou a pressão barométrica, no Brasil, ontem foi tanto, em Ribeirão Preto tanto, em Nagóia tanto ou em Washington tanto, isto está sendo considerado, mas numa grade muito grande, onde a informação é separada espacialmente, então, quando ela cai na nossa região, nós temos muito mais informação para alimentar o modelo", detalha o pesquisador.

Que tipo de informação? Um caso típico é o do relevo, pois nem todos os modelos feitos no mundo consideram, por exemplo, a Serra do Japi, na região de Jundiaí. "Quando nós corrigimos os resultados, são levadas em considerações variáveis desse tipo. Assim como também, a cobertura vegetal, se está na época de plantio, se o solo está plantado ou não, se o solo está úmido ou não", diz Hilton Silveira Pinto. Os modelos são aperfeiçoados com informações mais detalhadas.

Toda modelagem aplicada à agricultura é desenvolvida no CEPAGRI, que tem modelos para prever se vai haver geada, estiagem ou muita chuva. Esta área de modelagem, que não é convencional, é feita para áreas do Brasil todo, baseada principalmente em imagens de satélites. "Hoje não se trabalha mais sem modelo. Todo o sistema de meteorologia agrícola é baseado em modelos. Por exemplo, para respondermos onde no Brasil se pode cultivar milho com bons resultados de acordo com o clima, nós fazemos uma planta crescer dentro do computador. A gente planta uma semente de milho no computador, vê quanto tempo demora pra ela germinar (6 dias), quanto tempo dura a reserva da semente para que ela cresça, verifica se a temperatura subir o que acontece, se abaixar o que acontece, se der uma geada o que acontece. Quanto tempo leva para florescer, se a temperatura for mais alta ou mais baixa. Quanto mais alta a temperatura, desde que não mate a planta, ela faz com que o ciclo seja mais curto, então a colheita vai ser antes. Você planta uma cultura de milho dentro do computador, examina com o modelo o clima mais adequado para que esta planta produza o máximo possível no fim de 120, 110 dias, ou seja, nós modelamos uma planta, para dizer onde no Brasil se pode plantar milho com melhor resultado, supondo que o clima seja aquele que a gente espera", explica o diretor do CEPAGRI.

Na definição do pesquisador, a previsão do tempo hoje é boa, mas ainda está longe do ideal. "É boa ao prever que há 100% de probabilidade que à tarde chova, haja raios, trovões, temporal, em algum canto. Mas o grande problema é saber com uma precisão maior, onde vai acontecer isso. Será que vai ser na Unicamp ou no centro da cidade? Onde vai ocorrer o temporal não se sabe, isto só sabemos, no máximo, com uma hora de antecedência", explica. "Para a defesa civil isso é muito complicado, para a agricultura não, porque a planta resiste bem a uma margem de erro, se a previsão for que vai chover 20mm e chover 10 ou 30, a planta se vira. Agora o problema urbano é diferente, se disser que vai chover 10mm e chover 20, tem enchente ou não tem. Isto os modelos ainda não conseguem resolver", completa.

Mapa ilustrativo das temperaturas médias no Estado de São Paulo, resultante da aplicação de modelos matemáticos. Fonte: CEPAGRI/UNICAMP.

Os modelos estão ficando cada vez melhores, mas a questão das estações do ano, por exemplo, ainda é problemática. No inverno o acerto é de 95%, mas no verão é menor. Mesmo assim, é comum as pessoas ligarem para o CEPAGRI e perguntarem sobre a previsão do tempo tendo vista seus compromissos pessoais e de viagem. "Nós temos serviços de previsão na Internet, por telefone ou fax. A demanda é muito alta. Na Internet nós temos uma média de 1700 visitas diárias, na véspera de feriados, este número sobe para uma média de 2800. No Brasil nós estamos entre os 600 sites mais consultados rotineiramente. Como o nível da previsão de tempo no país está ficando muito bom, as pessoas começam a acreditar mais e passam a entender a utilidade desta, para sua vida cotidiana", orgulha-se Hilton Silveira Pinto.

(MP)

 

Atualizado em 10/02/2002

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