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Guerras perturbam o meio ambiente

Dentre as inúmeras conseqüências funestas das guerras, estão os efeitos devastadores sobre o meio ambiente. Os bombardeios, o intenso movimento de veículos militares e tropas, a grande concentração de vôos de combates, os mísseis jogados sobre territórios ou a destruição de estruturas militares e industriais durante todos esses conflitos também provocaram a emissão de metais pesados e outras substâncias que contaminaram o solo, a água e o ar. Além da contaminação ambiental é necessário considerar ainda a modificação das paisagens naturais e a perda da biodiversidade a longo prazo, seja pela presença de minas terrestres ou agentes químicos dispersados no ambiente. Segundo a Academia de Ciências Naturais da Filadélfia (EUA), a biodiversidade associada a ambientes naturais tem diminuído de forma considerável também como conseqüência da guerra e requer atenção. Apesar dos danos para o meio ambiente a para a saúde humana, existem poucas pesquisas sobre os efeitos das guerras e das diversas armas utilizadas.

Dentre os trabalhos acadêmicos e governamentais sobre guerras destaca-se um relatório de 2003, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que concluiu que a queima de poços de petróleo no Iraque era uma questão que se somava aos problemas ambientais acumulados no país nas últimas duas décadas, devido à guerra Irã-Iraque (1980) e a Guerra do Golfo (1991). Carlos Nobre, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), membro de um dos grupos do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima afirma que a queima dos poços de petróleo gera não apenas o gás carbônico (relacionado ao efeito estufa), mas uma série de outros gases poluentes nocivos à saúde. "As pessoas próximas à trajetória da fumaça ficam expostas a um nível de poluição bastante ampliado", diz ele. Já com relação ao efeito estufa, Nobre afirma que as conseqüências para o seu aumento não são consideráveis perto do que se consome mundialmente de petróleo, inclusive porque o petróleo queimado nos poços seria retirado e consumido em alguns meses. "Para o efeito estufa não importa se o dióxido de carbono é lançado na atmosfera em um período curto ou longo. Já a poluição concentrada num curto espaço de tempo do monóxido de carbono e dos óxidos de nitrogênio, que se combinam, são bastante prejudiciais à saúde, e como a poluição do ar deve ser considerado um problema", explica ele.

O relatório "Collateral Damage, the health and environmental costs of war on Iraq", de 2002, da International Physicians for the Prevention of Nuclear War (IPPNW), que analisa os impactos da Guerra do Golfo para a saúde para o meio ambiente e afirma que a destruição de fábricas de produtos químicos, biológicos e nucleares dispersou substâncias tóxicas no meio ambiente com efeitos também para a saúde humana, como seqüelas para o sistema respiratório e carcinogênese. Além dele, o relatório de 2003 do PNUMA cita também o uso de armamento contendo urânio empobrecido como uma possível fonte de contaminação do meio ambiente, e responsável por malefícios à saúde humana.

O urânio empobrecido (U-234) é um subproduto do urânio enriquecido (U-238) utilizado nas usinas de energia nuclear e, portanto, abundante em países que utilizam esse tipo de energia. Por ser um dos metais mais pesados que existe, ele é utilizado pela indústria bélica para produção de cabeças de balas, o que aumenta a capacidade de penetração dos projéteis, que passam a poder perfurar veículos militares blindados, e paredes. O urânio empobrecido também é utilizado para fabricação de mísseis e para revestimento de tanques. Além do peso do metal ser um atrativo bélico, também há uma outra característica, o material é pirofórico espontâneo, isto é, quando o projétil alcança seu objetivo gera tanto calor, que se inflama e explode. Assim, ao atingir o alvo, o urânio empobrecido queima e transforma-se literalmente em poeira, oxida-se e volatiza-se em micropartículas radioativas, que podem ser inaladas, ingeridas, depositadas no solo e na água, ou transportadas a muitos quilômetros de distância pelo ar.

A utilização bélica de urânio empobrecido não se limita ao Kwait (Guerra do Golfo) e ao Iraque. O material também estava presente nos bombardeios da Sérvia (1999) e da Bósnia (1995) e em Kosovo (1999). Grupos pacifistas contestam a utilização do urânio para fins bélicos afirmando que não podem ser entendidos como material de armas convencionais, pois causam graves problemas de saúde como câncer, má formação, e mutações genéticas, além dos danos ambientais, como infertilidade da terra. Além de afetar a população civil que sofreu o bombardeio, o urânio também afeta os soldados, e a poeira de urânio pode ser transportada por ventos atingindo muitos outros países, inclusive da Europa, assim como a atmosfera. Por outro lado, organismos como OTAN ou o Pentágono negam que existam estudos que comprovem tais prejuízos à saúde.

Os efeitos do armamento que utiliza urânio empobrecido são comumente comparados pelos pacifistas às bombas de Hiroshima e Nagasaki, ao mesmo tempo em que tanto esses efeitos, como as negativas sobre os malefícios causados pelo urânio empobrecido por parte dos organismos internacionais, são comparados também ao agente laranja (agente desfolhante) utilizado na guerra do Vietnã (1975). Nessa segunda comparação, os pacifistas argumentam que, apesar dos Estados Unidos terem declarado inicialmente que o agente laranja não causava problemas à saúde, até hoje os vietnamitas estão arcando com deformações genéticas e câncer causado por essa guerra química. Atualmente, existem diversas campanhas contra a utilização de urânio empobrecido pela indústria bélica.

Lia Giraldo Augusto, médica e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) afirma que a ausência de pesquisas sobre os impactos da guerra na saúde e no meio ambiente não é sem razão e que o Pentágono não é uma fonte idônea para informar se produtos utilizados em armas bélicas são ou não ofensivos à saúde e ao ambiente. "As agências norte-americanas trabalham sempre com uma forte ligação com interesses de Estado e interesses econômicos", diz ela. Na opinião da médica, o fato da ciência não ser neutra também colabora para esse panorama, sendo que boa parte dos fundos que financiam a ciência estão comprometidos com interesses de grupos econômicos. "É por isso que precisamos de uma universidade pública, para termos algumas brechas para pesquisar questões que são do interesse dos excluídos, do ambiente, dos derrotados pela guerra", diz ela.

A pesquisadora da Fiocruz exemplifica seu ponto de vista, afirmando que durante a Segunda Guerra Mundial desapareceram das publicações científicas os estudos sobre o benzeno, utilizado em muitos produtos de interesse bélico. Segundo ela, a Corte Americana considerou 10 ppm como limite de exposição aceitável para exposição ao benzeno, quando todas as evidências demonstravam ser um produto cancerígeno, inclusive para exposições abaixo de 1 ppm, já recomendado pela OMS. "Mas só depois de 12 anos de luta é que o limite foi reduzido. Sempre que estamos diante de situações onde há risco de exposição a produtos, substâncias, processos que envolvem capacidade de mutação celular ou carcinogenese não há limite seguro de exposição e aqui o princípio da precaução se impõem. Infelizmente, não temos muito apoio para esse tipo de estudo. Pelo contrário, há uma inibição e até mesmo oposição para que não e se realizem esses estudos", argumenta Lia Giraldo.

Além dos impactos das guerras sobre a saúde e o meio ambiente, a realização de testes nucleares é mote de diversas campanhas internacionais, como causadora de problemas ambientais e de saúde de longo prazo. Dentre os locais de testes nucleares, um dos mais conhecidos é o Atol de Mururoa, na Polinésia Francesa. Apesar do número de testes realizados divergir bastante, todos aproximam-se de meia centena de testes realizados entre 1966 e 1996 pela França. O governo do território afirma que quase dez anos após a realização do último teste nuclear, os níveis de contaminação por radiação registrados na região ainda são altos com conseqüências para o meio ambiente e a saúde. Uma comissão instalada pelo presidente do território está investigando as conseqüências dos testes nucleares e denuncia a falta de cooperação da França para a investigação. A comissão anunciou no final de outubro que até o final de 2005 publicaria um relatório sobre o assunto.

(MK)

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Atualizado em 10/11/2005

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