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Editorial:
Ciência e contingência
Carlos Vogt
Reportagens:
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José Monserrat Filho
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Paulo Augusto Sobral Escada
A herança da bomba nas pesquisas nucleares
Afonso de Aquino e Martha Vieira
Guerra e ciência: dois lados da mesma moeda humana
Clóvis Brigagão
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Guilhermo Ruben e André de Mattos
Forças armadas, educação e ciência
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O uso de software livre em criptografia: razões históricas
Ricardo Ungaretti
Poema:
Mal-du-siècle
Carlos Vogt
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  Guerra e Ciência
Guerra e ciência: dois lados da mesma moeda humana

Clóvis Brigagão


Dado o limite de espaço, trata-se de um ensaio panorâmico e muito resumido sobre o nosso tema.

Como diz o ditato popular, guerra é guerra e diríamos, ciência é ciência. Mas, como admitir, até mesmo pelo senso comum, que esta fosse uma compreensão verdadeira, cuja solução diante da perplexidade de cada um desses fenômenos humanos, extremamente complexos, seria a de separá-los, cada qual em seu canto, e não enxergar e observar suas contínuas e até mesmo íntimas relações. O mesmo poderia ser dito sobre as relações interativas entre ciência e paz, ciência e economia e desenvolvimento, pesquisa e desenvolvimento e políticas públicas para a educação, saúde, segurança etc.

Não é satisfatória explicar e assumir uma visão unidimensional, sabendo, até pela própria evolução da ciência e do desenvolvimento dos fazeres das guerras, de que "todos os lados e todos os aspectos do esforço humano são inter-relacionados".

Os esforços de guerra desenvolvidos e realizados pela humanidade têm tido uma longa perduração histórica e uma relação de intercomunicabilidade freqüente e íntima com os esforços científicos e tecnológicos, nos marcos , principalmente , a partir da Renascença.

Ambos se fertilizaram, através de seus seus métodos, ações e aplicações industriais per se e em conjunto. Ambos, do mesmo modo e, infelizmente, contribuíram para a manifestação e eloqüência de muitos dos grandes males humanos, de suas mazelas e da perplexidade diante, ora da razão, ora da agressividade da guerra1.

Com a Revolução Industrial e, mais atualmente, com a revolução científico-tecnológica, informacional e digital, a guerra soube tirar proveito desse colossal progresso material e tornar-se uma espécie de condutora dos negócios internacionais2.

Também não foi a própria ciência política, em seus fundamentos, que nos afirmou, com todas as letras, que a violência política e a razão do Estado (raison d'état) são fatos normais da vida, intimamente relacionados? A função, portanto, do Estado e de sua ciência oficial foi a de construir, dirigir, controlar e subsidiar laboratórios e cientistas, indústrias e seus produtos tecnológicos para manter a segurança estatal, através do uso da força?

O fundador da moderna ciência política, N. Machiavel, já dizia: "Um sábio príncipe [governante de hoje] assume como sua profissão nada mais além da guerra…"Pensemos que, além da estratégia necessária para a realização da guerra, há as táticas que podem decidir, com maior ou menor precisão e tempo os destinos da guerra, como há também a logística, ou seja, os meios para que a estratégia e as táticas elaboradas tenham sucesso.

A logística da guerra, que depende da política do Estado, depende, por sua vez, fundamentalmente do progresso da ciência: o que seria uma guerra sem os bons meios de transporte (da cavalaria, das carroças e dos caminhões, dos trens e dos aviões) desenvolvidos pela ciência? Como manter as tropas numa guerra prolongada não fosse todo o ramo da ciência da alimentação, de uma dietética balanceada? Nas próprias concepções táticas de guerra, a geometria e outras funções matemáticas são amplamente usadas na 'arte' da guerra.

Se a ciência pode ser entendida como pensamento racional acumulado, a guerra é estratégia, tática e logística acumuladas: a interdependência da influência do pensamento científico sobre pensamento militar e da guerra e vice-versa é um dos mais influentes fatores na história da humanidade.

A ciência e a guerra são expressões de dois inseparáveis fatores.

1. Ambas necessitam de ferramentas de trabalho ou meios que estão à disposição e que são determinantes para desenvolvimento de cada uma e de suas relações. Essa realização ou esse produto final pode e é representada por figuras, dados objetivos, metodologia sitemática e teorias que expressam 'revoluções científicas' decisivas para a humanidade, para o bem ou para o mal;

2. Guerra e ciência dependem, por outro lado, da força de vontade e de fatores subjetivos, muito indeterminados: "etica, moral, fatores sociais e culturais, o valores e custos do progresso e da força etc." São questões e perguntas perfeitamente cabíveis e compreensíveis sobre a inseparabilidade da ciência com a guerra, como fenômenos históricos humanos.

A ciência fez e forneceu instrumentos para a continuação das Guerras (A Guerra dos Trinta Anos, As Guerras Napoleônicas, as Guerras Coloniais, a I e II Guerras Mundiais, as Guerras de Libertação Nacional, a guerra de guerrilha, guerra civil etc.), assim como as tornou mais sofisticadas - e, bem possivelmente, não menos mortíferas e brutais.

Meios e instrumentos da ciência antiga, da moderna e da contemporânea e seus instrumentos, como a matemática, a física, a química, a engenharia, a ciência política, a ciência da organização, enfim, subsidiaram e fizeram avançar a guerra e a própria ciência da guerra.

A contribuição é diversa e em muitos de seus domínios, de armas, da ótica, cibernética, etc. E, com o poder de destruição das guerras, a ciência, por outro lado, contribuiu para amenizá-la, tirando-lhe a crueldade bruta e inescapável de sua ação, de curto, médio e longo alcance.

Interrelações entre conhecimento científico e guerra favoreceram e influenciaram no aprimoramento da acurácia dos canhões e dos mísseis; a balística, a partir de testes de teoria especulativas, experimentos e obervações e, mais tarde, através da verificação prática, serviu como plataforma para a ampliação das armas de destruição em massa: as armas nucleares, armas químicas e armas bacteriológicas. Essas armas não existiram não fosse a contribuição direta do avanço da ciência.

Podemos suavizar a crítica e afirmar que a ciência aplicada à saúde, bem como o desenvolvimento das ciências sociais, em termos de construção de meios preventivos de resolução de conflitos, a diplomacia e o direito internacional são a outra voz, um outro mesmo esforço humano diante de nossas próprias incertezas, debilidades e fragilidades que nós mesmos criamos e tentamos dar conta de suas soluções.

A comunidade científica, nesse sentido, joga um papel muito central ou mesmo fundamental para delimitar as fronteiras - multifacéticas e multidimensionais - que a ciência oferece para a criação e aplicação de instrumentos de destruição, como é a guerra - sob o nome de raison d'État - e criar, por sua vez, padrões e mecanismos éticos compreensíveis para que a Guerra seja cada vez mais evitada.

Ou seja, que a ciência seja instrumento coletivo de vida e não de morte. As contribuições de grandes figuras da ciência, como Einstein, Norbert Wiener, Carl Sagan, Openheimer, Cesar Lattes, e de associações (Pugwash, Associação Internacional de Pesquisa da Paz, Unesco, movimentos e Ongs) são importantes para criar limites éticos e lutar pela paz humana. Eros e Tanatos, Guerra e Paz, Prosperidade e Miséria, Ética e Irresponsabilidade etc. são elos da mesma natureza do ser humano.

Notas:
1. Veja o livro (sem tradução em português) do importante filósofo, Professor John U. Neff, (Universidade de Chicago), Western Civilization Since the Renaissance - Peace, War, Industry and the Arts (Civilização Ocidental Desde a Renascença - Paz, Guerra, Indústria e as Artes), Nova Iorque, Hrper & Row Publishers, 1963.A 1a.edição é de 1950 com o título original de Guerra e Progresso Humano)[voltar]

2. Há uma relativamente farta bibliografia de referência, como Enciclopédias, Dicionários, Compêndios, livros e revistas científicas sobre os dois assuntos em si e suas relações. A internet hoje oferece um leque de opções de sites que podem apoiar e orientar estudos e pesquisas de estudantes e professores dos ciclos básicos e universitários sobre o tema. [voltar]

Clóvis Brigagão é cientista político, Diretor do Centro de Estudos das Américas, Universidade Candido Mendes. Autor, conjuntamente com Gilberto Rodrigues, do livro Globalização a Olho Nu, SP, Editora Moderna, 1998.
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Atualizado em 10/06/2002
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