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Sistema físico-matemático dos cometas
Padre José Monteiro da Rocha, MAST, Rio de Janeiro, 2000

por Roberto Belisário

Pouco se sabe sobre os estudos de matemática no Brasil durante o século XVIII. A grande maioria dos colégios eram deixados a cargo dos padres jesuítas mas, em 1759, todos eles foram expulsos de Portugal e de suas dependências pelo Marquês de Pombal, deixando um imenso vácuo na educação brasileira. Os arquivos dos jesuítas foram dispersos ou destruídos e pouquíssimas informações chegaram até nós.

Por isso é muito preciosa a descoberta do dr. Carlos Ziller Camenietzki, pesquisador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), que encontrou, entre dos volumes da Biblioteca Pública de Évora, em Portugal, um manuscrito sobre cometas escrito em Salvador e datado de 19 de março de 1760.

O manuscrito é o Sistema físico-matemático dos cometas, escrito pelo padre português José Monteiro da Rocha (1734-1819), então residente em Salvador e professor no Colégio da Bahia. Trata-se de um texto didático sobre a natureza física dos cometas e sobre como calcular suas efemérides, feito por ocasião da passagem do cometa Halley, em 1759.

O padre José Monteiro da Rocha destacou-se, em Portugal, participando da reformulação do sistema de ensino, durante as Reformas Pombalinas. Monteiro da Rocha foi também o primeiro diretor do Observatório Astronômico da Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra e chegou a ser vice-reitor da mesma e conselheiro do Príncipe Regente D. João (futuro rei D. João VI).

 
Halley - O cometa é visível a olho nu, a partir da Terra, a cada 76 anos. Foto tirada em 08/03/1986 por W. Liller, do International Halley Watch Large Scale Phenomena Network. Fonte: Nasa

O padre passou a primeira fase de sua vida no Brasil, trazido ainda jovem pelos jesuítas, e teve toda a sua formação intelectual em Salvador. Estudou matemática na Faculdade de Matemática do Colégio da Bahia e tornou-se professor deste colégio. Mais tarde voltou , onde doutorou-se pela Universidade de Coimbra [1].

José Monteiro escreveu sua obra em um momento decisivo para as teorias do cientista inglês Isaac Newton - as suas três leis da Mecânica e a sua lei da gravitação - publicadas em 1686 na sua obra Princípios matemáticos da filosofia natural (cujo primeiro volume está disponível em português [2]). O astrônomo inglês Edmond Halley havia estudado as aparições de cometas em várias épocas e em 1705, com o auxílio da teoria newtoniana, conseguiu prever que um cometa avistado em 1682 deveria voltar a aparecer em 1758. Halley errou o cálculo por um ano, por não ter levado em conta a influência de Júpiter e Saturno. Cálculos mais precisos por astrônomos franceses, em particular os de Alexis-Claude Clairaut, de 1758, diminuíram a imprecisão para apenas um mês - um feito notável para uma época em que não havia computadores ou calculadoras.

O cometa foi finalmente observado em 21 de janeiro de 1759, por Charles Messier. Mas José Monteiro, não tendo conhecimento dos cálculos dos franceses, procurou-o inutilmente um ano antes. Quando finalmente o viu, no ano seguinte, ironicamente não o identificou com o Halley.

Monteiro da Rocha escreveu obras de valor e o manuscrito de Évora, feito quando tinha apenas 25 anos, não se compara com seus escritos posteriores. A importância da obra reside nas informações históricas valiosas que contém. Por exemplo, na Introdução, escrita por Camenietzki e Fábio Mendonça Pedrosa, ambos do MAST, é ressaltado que a bibliografia citada por Monteiro da Rocha indica uma quantidade e uma qualidade de volumes presentes na biblioteca do Colégio da Bahia até então desconhecidos (posto que o padre jamais saiu do Colégio enquanto esteve no Brasil).

Além disso, dizem os dois autores, "não havia até agora evidências capazes de assegurar que no Brasil Colonial havia estudos sistemáticos sobre Astronomia", apesar de se conhecer iniciativas isoladas de alguns pesquisadores. Porém, no primeiro capítulo do Sistema físico-matemático, ao explicar como veio à tona a idéia de escrever sua obra, Monteiro da Rocha comenta algumas correspondências que implicam na existência de estudos organizados sobre matemática pelos jesuítas, inclusive em outras cidades além de Salvador.

A "ajuda a encontrar caminhos para a construção de uma imagem mais completa da cultura erudita na América Portuguesa", nas palavras de Camenietzki e Pedrosa, é o maior valor do Sistema físico-matemático dos cometas do padre José Monteiro.

[1] Clóvis Pereira da Silva, A Matemática no Brasil: uma história de seu desenvolvimento

[2] Isaac Newton, Principia: Princípios matemáticos da filosofia natural, Nova Stella/EDUSP, 1990

Atualizado em 10/12/00
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