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Resenhas

O velho e o mar
Ernest Hemingway

Território do vazio? A praia e o imaginário ocidental
Alain Corbin

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Território do vazio? A praia e o imaginário ocidental
Alain Corbin. Companhia das Letras, 1989.

por Rosane de Bastos

O fascínio e o medo que as águas exercem sobre os homens instigou a mente do historiador francês Alain Corbin, cujas interpretações resultaram no livro Território do vazio? A praia e o imaginário ocidental, publicado em Paris, em 1988, e lançado no Brasil há mais de uma década, com edição da Companhia das Letras. O autor pesquisou, durante quatro anos, arquivos da Biblioteca Nacional de Paris, que lhe permitiu analisar o período de 1750 a 1840, quando os europeus descobriram o mar como uma fonte de emoções, propício a banhos, viagens de lazer e tratamentos medicinais.

Nos séculos XVI e XVII, o mar era visto, para os franceses, como coisa do diabo. Ele era a encarnação do Leviatã, o monstro bíblico que mora no mar. Dante Alighieri (1265-1321), ao descrever o inferno, na Divina comédia, alude à repulsa causada pelas águas negras de rios infernais e de sua contribuição para as tempestades demoníacas. "A imensidade movente do mar carrega em si a desgraça. Nas peças de Shakespeare, da juventude e da maturidade, animais ferozes, tempestade, cometa, doenças e vícios tecem uma rede de associações, evocadora de um mundo em conflito, dominado pela desordem", expõe o autor.

É interessante ver na obra de Corbin informações densas e, ao mesmo tempo, tratadas de uma maneira próxima a nós, visto ser freqüente, em nossos dias, encontrar pessoas com pavor de entrar na água, receosas de aprender a nadar. O enigma do mar e o sofrimento que ele fazia nascer entre os seres, remete, na literatura antiga, a especulações de histórias pessoais, como a do filósofo Aristóteles (384-322 a .C). Sugeria-se, no século XVII, que este se matou porque não conseguiu compreender as complexas correntes do estreito de Euripo.

O tradicional enjôo provocado pelo balançar das embarcações sobre as águas dos mares e oceanos é apontado no livro como uma tortura. Há relatos de experiências como a do filósofo Montesquieu (1689-1755), ao reclamar de um "terrível enjôo" quando viajava, em 1726, entre Gênova e Porto-Venere, no Mediterrâneo. Treze anos mais tarde, o magistrado Charles de Brosses menciona a tortura do mar ao deixar Antibes e embarcar para Gênova num falucho. "Na minha opinião, o vômito é um dos menores suplícios do mar; o mais difícil de suportar é o abatimento do espírito, impossibilitando sequer virar a cabeça para salvar a vida, e o odor terrível que o mar vos traz ao nariz", comenta.

Transtornos à parte, os progressos da oceanografia na Inglaterra, entre 1660 e 1675, arrefecem os mistérios do oceano. A partir de 1750 transparecem os reflexos de uma mudança de comportamento. Perturbada com a presença de novas ansiedades, o medo das águas tornou-se um mal menor. Os médicos começaram a elevar as vantagens da água fria do mar para a saúde do homem. A luta contra a melancolia enobrece o papel do mar, agora menos como vilão e mais como um colaborador. O homem passa, e então, a enfrentar a violência das águas, porém sem correr riscos, receber as ondas sem perder a vida. O banhista auxiliar é recomendado pelos médicos para acompanhar as pessoas em mergulhos.

As cenas de praia mostradas em pinturas do século XVIII levam os turistas a desejar mergulhar no mundo convidativo do mar. Os relatos românticos de escritores também não deixaram por menos. Seja uma encarnação do diabo ou de Deus, o mar ora gera ódio, ora apaixona os turistas. A invenção das praias como lugar onde o homem encontra paz de espírito e se livra da melancolia foi mais um passo no sentido da valorização as águas.

Corbin cita o depoimento de um camponês (página 241), que deposita no mar crenças divinas, de fecundidade. "O mar, diz o camponês kernewote, [...] é como uma vaca que pare para nós; o que ele deposita na beira da praia nos pertence". Assim, o autor denomina o mar e sua ausência de donos. "Esse território do vazio, onde a propriedade é abolida, onde o objeto readquire sua disponibilidade original, aparece, nesse domínio também, como o lugar de uma legítima colheita".

Além de Corbin, mais dois intelectuais apreciadores do mar publicaram livros sobre o assunto. Os norte-americanos Lena Lencek e Gideon Bosker lançaram The history of paradise on earth, editado pela Viking. Os dois visitaram praias de vinte países para escrever sobre banhos. Eles também mostram preocupação com a poluição das águas marítimas, que pode levar ao fim o prazer do banho do mar.

Atualizado em 10/03/03
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2003
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