Resenhas O
homem e o mundo natural Floods
of fortune Impactos
Ambientais Urbanos no Brasil Envie
sua resenha |
Floods
of Fortune: ecology and economy along the Amazon Inundações de Riqueza: ecologia e economia ao longo do Amazonas por Evlyn de Moraes Novo A tradução do título do inglês para o português perde muito de sua riqueza semântica porque a palavra fortuna em inglês possui seu sentido vinculado à idéia de riqueza e à idéia de sorte ou acaso. Em português, por outro lado, ao se escolher o vocábulo fortuna, diminui-se o sentido principal dado pelo autor (que é riqueza) e enfatiza-se o sentido secundário que é o de casualidade e sorte. A opção pelo vocábulo Riqueza, está associada ao fato de que, ao que parece, os autores querem relacionar o processo de inundação periódica do rio Amazonas à sua riqueza sem paralelo, seja em biodiversidade, seja em potencial para o aproveitamento econômico sustentável. O livro Floods of Fortune oferece uma visão crítica dos problemas relacionados ao desenvolvimento e à conservação da planície amazônica. Os autores, Michel Gouding, Nigel Smith e Denis Mahar apresentam, em diferentes ângulos, os maiores ecossistemas alagáveis do mundo. Incluem em sua abordagem aspectos culturais, populacionais, ecológicos e econômicos, integrando tais aspectos ao contexto histórico de ocupação da região. O livro é composto por 9 capítulos, ilustrados com fotografias tiradas pelos próprios autores durante o período em que trabalharam como pesquisadores visitantes junto ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), ou em suas inúmeras visitas posteriores à região. Os autores fornecem também uma listagem de nomes científicos de plantas e animais acompanhada de seus nomes vulgares em português e inglês, o que amplia o valor didático da obra. Finalmente, o livro traz também uma extensa bibliografia para aqueles que queiram se aprofundar no tema. O primeiro capítulo, Um Tesouro Ameaçado (An Endangered Treasure), enfatiza o caráter único da Amazônia, que abriga o maior rio e os mais diversificados ecossistemas do planeta Terra. Nesse capítulo, os autores mostram que à medida que o tempo avança, a Amazônia tem sido transformada pelo desflorestamento, pela urbanização, pela mineração e pelas barragens hidrelétricas, enfim pela exploração generalizada de seus recursos naturais. Segundo eles, a ameaça à biodiversidade atribuída à interferência antrópica em áreas de florestas específicas, como as florestas inundáveis, é muito maior do que aquela indicada pelas simples taxas de desflorestamento. As florestas inundáveis, que margeiam o rio Amazonas desde as nascentes, nos Andes, até à foz, são expostas a diferentes tipos de água, que variam desde as ricas em sedimentos e nutrientes, provindas de rochas terciárias dos Andes, até as águas ácidas e pobres em nutrientes, oriundas dos antigos escudos brasileiro e das Guianas. Esses diferentes tipos de água formam diferentes comunidades de plantas, peixes e animais, que dão à planície uma diversidade biológica única dentro da região amazônica. Os autores salientam que uma rápida análise da ocupação da planície permite verificar que ela é menos ocupada hoje pelas populações ribeirinhas do que foi no passado, principalmente em decorrência do processo de urbanização da floresta e pelas difíceis condições impostas aos seus habitantes: ausência total de conforto material visto que a maior parte das habitações não dispõem de energia elétrica, acesso à educação formal, serviços médicos e dentários, entre outros. Com isso, essas populações migram para as grandes cidades, enquanto a pesca passa a ser exercida por grandes empresas sem o menor compromisso com a preservação dos estoques pesqueiros. No capítulo 2 Os primeiros exploradores de riquezas e o desaparecimento das populações nativas (Early fortune seekers & the loss of native people), os autores mostram que, apesar da planície amazônica ter sido ocupada por longo tempo pelas populações nativas, estas trouxeram poucos problemas ao ambiente. Eram populações de coletores e caçadores que deixaram evidências arqueológicas (pinturas da Serra do Pilão, próxima à cidade de Monte Alegre-PA) de terem ocupado a região há mais de 11 mil anos. Neste capítulo, toma-se conhecimento de que os primeiros colonizadores europeus relataram a existência de densas populações nativas na planície amazônica em meados de 1530. De fato, pesquisas arqueológicas confirmam a hipótese de que a região, nessa época, era habitada por populações nativas com uma cultura bastante sofisticada. Alguns pesquisadores estimam que naquela época a planície chegou a possuir uma população em torno de 1 milhão de habitantes. Essas estimativas, entretanto, se baseiam em extrapolações feitas a partir de sítios arqueológicos conhecidos, e há autores que julgam que esse número pode ser maior, na medida em que ocorram novas descobertas. Segundo os autores, existem indícios de que pelo menos 1000 anos antes do descobrimento do Brasil as populações indígenas já estivessem praticando agricultura, baseada principalmente no cultivo da mandioca e do milho. Havia também intenso aproveitamento do "arroz-bravo", uma planta aquática flutuante muito comum na planície amazônica. Essas populações nativas foram rapidamente destruídas a partir do processo de colonização, em decorrência do contágio por doenças para as quais não tinham defesa. A escravização, as doenças e a desorganização cultural trazida pelos conquistadores, destruíram as formas de ocupação sustentável e produtiva que permitia o suporte de uma grande população durante o período colonial. Os conquistadores não conseguiram desenvolver sistemas produtivos de ocupação das planícies que passaram a ser abandonadas, transformando-se, nos séculos seguintes, em vazios populacionais. Ao término do período colonial, grande parte da população indígena, desenraizada de seus grupos e miscigenada com populações brancas (caboclos) ocupavam, de forma dispersa, ás margens do Amazonas, em atividades muito mais ligadas à exploração da terra firme do que das planícies inundáveis. Essas populações passaram a viver basicamente da exploração dos recursos aquáticos, havendo registros de captura de mais de 24 milhões de ovos de tartaruga por ano em torno de 1700. Em 1800, as conseqüências ambientais dessa exploração já eram sentidas na redução da população de tartarugas no rio Amazonas.
No século XIX aconteceu o ciclo da borracha na região, o qual provocou um surto de riqueza até o 1o quarto do século XX. Com a riqueza, veio para a região um contingente enorme de migrantes nordestinos que passaram a integrar os seringais. A partir da decadência da borracha, essa população, totalmente desadaptada à região, vai se dedicar à agricultura de subsistência ou retornar aos seus estados de origem. As planícies continuarão, nessa fase, pouco habitadas e a coexistência entre humanos, fauna e flora permanecerá relativamente benigna no período. O título do terceiro capítulo Boom & Bust in Modern Times é difícil de ser traduzido, porque a palavra bust pode significar quebra, e pode significar ilegalidade. Talvez seja esse o duplo sentido desejado pelos autores, mas de difícil tradução. A melhor aproximação talvez seja "Apogeu e queda nos tempos modernos". O que querem salientar é que, embora esse período recente de ocupação da região amazônica tenha trazido uma devastação sem precedentes para todo ambiente, o resultado dessa intervenção não representou nenhum benefício econômico para região. Dentre as atividades extremamente nocivas à ecologia da planície, os autores destacam, por exemplo, a remoção das florestas marginais para a plantação de juta e o desflorestamento. Os bancos internacionais financiaram, nas décadas de 70 e 80, gigantescos projetos para criar a infra-estrutura para a ocupação da região amazônica e para o seu desenvolvimento. Esses recursos raramente produziram benefícios e muitas vezes foram desviados de seus propósitos originais. O resultado foi a existência de milhares de minerações isoladas operando fora da economia formal e contribuindo para a contaminação hídrica da região, ao lado de grandes empresas de mineração. Outra atividade em franca expansão naquele período foi a exploração de madeira. Espécies nobres como o mogno e o cedro eram abundantes, e deram origem ao nome do Rio Madeira A exploração teve seu início nas planícies de inundação, por ser mais fácil o transporte dos troncos rio-abaixo. Até o fim dos anos 80 todas as espécies de madeira com valor econômico foram praticamente exauridas da planície amazônica. O capítulo 4, Riqueza e Desperdício de Animais Selvagens (A Wealth & Waste of Wildlife), apresenta dados sobre a riqueza da vida selvagem na planície amazônica. Esta região tem importância ecológica para todas as espécies porque mantém o suprimento de alimentos (frutos, folhas, sementes) ao longo de todo o ano. Na planície de inundação, as aves são o grupo de maior diversidade. A Bacia Amazônica como um todo abriga, em todos os seus habitats, mais de 950 espécies de aves, o que representa cerca de 1/10 da biodiversidade aviária mundial. Cerca de metade dessas espécies, segundo os autores, é endêmica, ou seja, não são encontradas em qualquer outro lugar do mundo. As terras baixas amazônicas suportam cerca de 200 espécies de mamíferos, metade dos quais habitam as planícies inundáveis. A sobrevivência dessas espécies e sua diversidade, entretanto, é altamente dependente das árvores existentes na planície de inundação. Neste capítulo, os autores fornecem dados sobre as diferentes espécies, sua abundância e as ameaças a que estão sujeitas. Enfim, fornecem um quadro completo da situação presente. O Capítulo 5 , O Peixe como olhos de nosso ecossistema (Fish as Our Ecosystem Eyes) mostra que a bacia Amazônica tem a mais diversa fauna de peixes de água doce do mundo. Segundo os autores, os peixes são o grupo de vertebrados amazônicos menos conhecidos. As estimativas de diversidade de peixes varia entre 2500 a 3000 espécies, mas até o momento apenas 1700 espécies foram descritas. Segundo os autores, essa grande diversidade, e o nível de interação que apresentam com os outros componentes do ecossistema amazônico, dão aos peixes um grande potencial de diagnóstico em relação a processo e tendências do ambiente, o que faz deles verdadeiros olhos, que nos permitem observar as interações ambientais de forma acurada. Nesse capítulo os autores falam sobre os processos de migração dos peixes, sobre o impacto da construção das hidrelétricas amazônicas sobre as comunidades de peixes, sobre o papel das planícies de inundação na cadeia alimentar e na biodiversidade dos peixes, sobre os impactos da mineração, a contaminação de mercúrio e sua introdução na cadeia alimentar humana através do pescado. O título do Capítulo 6 também não é de simples tradução porque traz implícito um trocadilho com a palavra fruitful (proveitoso) que também pode ser associada a idéia de full of fruits (pleno de frutas) que é o alimento de muitas espécies de peixes da planície de inundação . A tradução do título como Peixes assustados e proveitosos, não reflete toda a riqueza de significados do título em inglês. Neste capítulo, os autores mostram que os peixes são a principal fonte de alimento de origem animal da Floresta Amazônica. Os peixes representam a principal fonte de proteína animal explorada pelos homens desde a colonização da Amazônia. Os peixes da Amazônia desenvolveram adaptações evolutivas que permitem que se alimentem de uma variedade de elementos tais como frutas, sementes, invertebrados e detritos. Esta flexibilidade alimentar ampliou em muito sua adaptação a uma amplo ambiente. Um aspecto interessante ressaltado pelos autores é que via de regra, os peixes colocados no topo da cadeia alimentar são os de maior importância comercial. Essa regra não ocorre para os peixes amazônicos e o que causa essa anomalia é a floresta de inundação. O fato de essas espécies se alimentarem de frutas e sementes as torna extremamente apetitosas. Dentre essas espécies, destaca-se o tambaqui, um dos peixes de maior valor comercial, cuja sustentabilidade se encontra atualmente ameaçada pela exploração de indivíduos juvenis. O Capítulo 7, Um dilúvio de plantas úteis (A deluge of useful plants), como o próprio nome diz, trata da riqueza de plantas encontradas na planície de inundação. Muitas dessas plantas não são exploradas comercialmente e nem se encontram domesticadas, mas possuem um enorme potencial de aproveitamento. Neste capítulo os autores fazem um inventário dessas espécies e avaliam o seu potencial de aproveitamento comercial. Uma das planta mencionadas, é a palmeira Jauari, que produz um fruto extremamente nutritivo e que pode ser usado como ração animal, seja para a suinocultura como para a aquicultura. Um grande número de exemplos de aproveitamento racional é apresentado pelo autores nesse capítulo. No Capítulo 8, Agricultura na Planície de Inundação (Farming in the Floodplain) os autores ressaltam a qualidade (fertilidade) dos solos da planície amazônica. Esses solos, entretanto, são bastante sub-utilizados, uma vez que os sistemas de uso e ocupação adotados são os mesmos da agricultura de terra-firme. A principal ameaça à integridade das planícies de inundação é a sua ocupação recente pela atividade pecuária. O gado é mantido nas planícies durante o período da seca. Para aumentar a área de forragens, as florestas inundáveis remanescentes da exploração de madeira são derrubadas. No período das enchentes esse gado pode ser levado para Terra Firme ou pode ser confinado em barcaças e alimentado com as pastagens flutuantes, que são componentes importantes na cadeia alimentar dos peixes. A introdução do búfalo na planície de inundação é, segundo os autores, a maior ameaça presente à sua biodiversidade. Finalmente no capítulo 9, Descobrindo o Tesouro (Uncovering the Treasure), os autores fazem um balanço do que foi visto nos capítulos anteriores e uma tentativa de propor alternativas para a ocupação racional da região. Os autores ressaltam, entretanto, que existem muitas lacunas de conhecimento que precisariam ser preenchidas rapidamente para orientar o uso sustentado desse ambiente já tão amplamente alterado. O grande desafio das pesquisas na Amazônia para eles é, portanto, o de reconciliar conservação e desenvolvimento, que se faz apenas através do conhecimento. Evlyn de Moraes Novo é aluna do Curso de Especialização em Jornalismo Científico |
||
|
|||
contato@comciencia.br ©
2001
|