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Alice no país do Quantum
Robert Gilmore

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Alice no país do Quantum
Robert Gilmore
Editora Jorge Zahar , Rio de Janeiro, 1998

por Roberto Belisário e Rodrigo Cunha

Um sério problema espera o leitor que busca para tomar conhecimento dos fundamentos da mecânica quântica: a falta de literatura adequada em português. Em várias livrarias, encontra-se mais livros de pseudo-ciências "quânticas" do que sobre a física propriamente dita. Muitas de tais obras não deixam claro que usam a mecânica quântica como fonte inspiradora ou de analogias, e não como base de sustentação para suas afirmações. Diante dessas distorções, a reação da comunidade científica é, na literatura escrita, um reprovável distanciamento e, como conseqüência, um retumbante silêncio. Já os poucos livros científicos sobre a área são quase todos técnicos, muito pouco acessíveis ao leitor não-especializado. O resultado é que muitas vezes o leitor que se aventura nessa área do conhecimento por conta própria acaba tendo acesso apenas a abordagens especulativas que se apresentam como ciência e não encontra respostas precisas ao que procura.

Alice no País do Quantum: a Física Quântica ao alcance de todos é uma das raras portas científicas sobre esse assunto acessíveis ao leitor não-especializado. Robert Gilmore, professor de física na Universidade de Bristol, na Inglaterra, tenta introduzir o leitor aos conceitos básicos da Mecânica Quântica e da Física das Partículas através linguagem híbrida, combinando romance com textos expositivos.

Alice caindo em um poço de potencial nuclear, observada pelos difusos elétrons, cada qual com seu spin, dispostos em camadas. As ilustrações de Gilmore foram inspiradas nas da obra de Lewis Carroll.

O livro é precisamente o que diz subtítulo do original em inglês: "Uma alegoria da Física Quântica". Inspirando-se na obra de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas, o País do Quantum de Gilmore é uma alegoria do mundo quântico. Uma outra Alice, presa em casa por uma chuva interminável que negava-lhe o sol através da janela da sala, entediada e frustrada diante de programas chatos na TV (e com o livro de Carroll nas mãos), recebe uma chamada da tela do aparelho, cai nela e vê-se subitamente mergulhada no estranho lugar, onde podem acontecer coisas tão bizarras quanto no próprio País das Maravilhas. Ali, Alice pode atravessar várias portas diferentes ao mesmo tempo, encontra seres que atravessam paredes, que obedecem ao princípio da indeterminação de Heisenberg, que assemelham-se a fantasmas invisíveis, e penetra no interior dos átomos, do núcleo atômico e do nêutron. O vivo/morto e tristonho Gato de Schrödinger - o nome de um dos mais famosos e controvertidos paradoxos da mecânica quântica, que parece permitir a existência um gato simultaneamente vivo e morto -, faz as vezes do visível/invisível e sorridente Gato de Cheshire, de Carrol.

Gilmore começa com os conceitos básicos da mecânica quântica - seu caráter probabilístico, a dualidade onda-partícula, a quantização da energia - e da física moderna em geral - elementos sobre ondas, sobre relatividade e mesmo sobre a mecânica clássica -, fala das diferentes interpretações da teoria quântica, detendo-se sobre a interpretação mais aceita (a Interpretação de Copenhague), explora os fundamentos da física nuclear e da física das partículas, e termina com uma discussão sobre o paradoxo EPR (de Einstein, Podolsky e Rosen), um dos mais importantes da teoria quântica.

O País do Quantum é estranho. O autor firma toda a história no caráter insólito dos conceitos quânticos. Não por acaso a analogia escolhida foi com a obra de Carroll. Um viés muito comum em textos de divulgação sobre a mecânica quântica tende a qualificá-la de "absurda", "ininteligível", termos que não ajudam em nada o esforço de compreensão do leitor. Entretanto, no livro de Gilmore, a incompreensão é toda deslocada para a mente da personagem central - Alice sente-se quase sempre perdida em meio a tanta bizarria -, e por isso o leitor acaba se identificando com ela. Até mesmo alguns aspectos comuns nas relações entre o não-especialista e o cientista, como o assentimento diante da autoridade, são partilhados com Alice - como na seguinte passagem: "Não parecia tão claro assim para Alice, mas, se todos concordavam, ela supôs que deveria estar correto" (pág. 181) -, o que facilita ainda mais a identificação.

Gilmore adota a postura de que o significado preciso dos conceitos quânticos não pode ser explicado totalmente de uma só vez e transforma o que seria uma dificuldade em um método de exposição assumido. O significado dos estranhos fenômenos do País do Quantum se revela aos poucos, o processo de entendimento não é linear, a compreensão é construída ao longo da história. É, aliás, o modo como os conceitos quânticos são compreendidos pelos estudantes universitários de física. Os livros-texto não iluminam os paradoxos. Cabe ao estudante construir sua própria intuição quântica ao longo da sua vida profissional.

Mesmo exprimindo espanto ou desânimo frente a tantos mistérios, Alice segue em frente tentando compreendê-los, levando junto o leitor. Alice é uma curiosa nata, quer sempre compreender tudo ao redor, por mais bizarro que pareça. O alter-ego do cientista no País do Quantum. Se a identificação do leitor com Alice for suficiente para que ele compreenda a importância e sinta-se à vontade com essa postura, a divulgação de Gilmore não se resumirá ao mero conteúdo científico e se estenderá à própria postura científica.

Niels Bohr (um dos principais responsáveis pela Interpretação de Copenhague), à esquerda, e o professor da Escola de Copenhague, à direita. Alguns personagens foram inspirados nos criadores da Mecânica Quântica.

A física é uma ciência empírica - todas as suas afirmações são sustentadas, em última análise, em observações da Natureza - e os resultados dos experimentos envolvendo fenômenos quânticos, por mais diferentes que possam parecer, devem ser aceitos como um dado da realidade. Por mais caras que nos sejam certas intuições (como matéria, espaço, tempo), elas podem cair quando confrontadas com os dados experimentais. Da mesma forma, a estranha natureza do País do Quantum apresenta-se de forma chocante à mente atônita e curiosa de Alice ("assim é que as coisas são por aqui", dizem vários de seus amigos quânticos). A relação de Alice com o país quântico é baseada no empirismo. Talvez, ao se identificar com Alice, o leitor possa se sentir também um pouco cientista, e, por tabela, perceber que o cientista - contrariamente à imagem muito difundida de um sabe-tudo sobre um púlpito (à qual muitos dos próprios cientistas se rendem) - também não compreende totalmente o mundo à sua volta, mas tenta entendê-lo da melhor forma que pode. Assim, as alegorias presentes na obra de Gilmore não se resumem ao conteúdo da ciência, mas estendem-se ao seu próprio método.

Mas toda a história não passaria de uma mera paródia da obra original de Carroll se o sentido das alegorias não fosse explicado ao longo do texto. Por isso, Gilmore colocou notas e quadros pelo livro, explicando de modo acessível a que as analogias correspondem no mundo da Física. Mas apenas notas curtas não seriam suficientes e o estilo expositivo muitas vezes invade o resto do texto. Alice assiste algumas aulas em escolas e academias, e debate com professores que às vezes representam cientistas conhecidos. Por mais fantástica que seja uma hitória, é necessária a coerência interna; Alice, em certos momentos, põe-se a lançar argumentos que uma criança na sua idade dificilmente criaria.

Se as notas são suficientes para que o leitor possa compreender a que correspondem as analogias é uma questão em aberto. Algumas não dizem mais do que o que já está escrito no texto. Outras são obscuras. Nem as notas por si nem o texto sozinho são suficientes para o entendimento dos conceitos apresentados: só a articulação dos dois dará algum resultado. Gilmore foi ousado e seu método de exposição exige que o leitor seja paciente e esteja disposto a pensar.

Nos últimos capítulos, Alice penetra dentro de um acelerador de partículas. Logo antes, vê-se sob uma chuva de papel picado, que, como explica seu companheiro, "são pedidos de verbas para pesquisa que foram recusados e rasgados" - uma referência ao recente cancelamento, pelo governo dos EUA, da construção do que seria o maior acelerador de partículas do mundo. Alice entra em um dos aceleradores do CERN, laboratório de Genebra onde Gilmore trabalhou. Alice invade o âmago da matéria, penetrando no núcleo atômico e logo após em um nêutron, observando seus constituintes, os quarks, que representam o limiar do conhecimento humano sobre a estrutura íntima da matéria. A partir desse ponto, segue-se o desconhecido...

Mas Alice (e, se a obra de Gilmore tiver sido bem sucedida, também o leitor) é uma cientista que não se detém diante de um limiar qualquer. Após sua onírica viagem, já sabe o quanto há para se explorar sozinha. Ao voltar bruscamente para diante da TV de sua sala, de volta à sua realidade, vê que a insossa chuva que a prendia em casa já tinha passado, e pode dar as costas ao programa de TV que tanto a entediava, e... ir finalmente "para a luz do sol" que agora brilha através de sua janela.

Atualizado em 10/05/01
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