José
Paulo Paes
Editora Ática, 1990
Por
Alcir Pécora
José Paulo Paes (1926-1998)
ficou conhecido em vida sobretudo como tradutor, um
dos mais profícuos, no Brasil, em todas as
épocas. Traduziu Dickens, Emerson, Aretino,
Kaváfis, Sterne, Auden, William Carlos Williams,
Huysmans, Éluard, Hölderlin, Paladas de
Alexandria, Edward Lear, Rilke, Seféris, Lewis
Carroll, Ovídio, Kazantzákis, entre
tantos autores de tantas línguas diversas.
No Instituto de Estudos da Linguagem, da Unicamp,
em 1987, dirigiu uma oficina de tradução,
da qual resultou o livro Transverso, publicado
pela editora da universidade no ano seguinte. Também
a sua obra poética foi amplamente reconhecida,
tendo a maior parte dela sido recolhida em 1983, no
livro Um por todos, da Brasiliense.
A partir de 1984, foi sistemática
a sua produção voltada para o público
infantil. Poemas para brincar, saído
em 90, pela Editora Ática, foi uma de suas
tentativas mais bem sucedidas no gênero, valendo-lhe
inclusive o prêmio Jabuti de Melhor Livro Infantil,
enquanto as ilustrações de Luiz Maia
receberam o Jabuti de Melhor Ilustração
de Livro Infantil e Juvenil.
Passados 15 anos desde a sua
primeira edição, retomo o livro com
prazer, a pedido da ComCiência.
O livro é composto de 12 poemas curtos, com
versos de medida irregular, mas predominantemente
rimados. Em Convite, o poema de abertura,
já fica clara a idéia a sustentar o
livro todo: produzir um encômio da poesia no
mundo das crianças, acentuando nela o que tenha
de prática, divertida e sempre cambiável,
como um lugar de resistência do frescor e da
novidade em meio ao cansaço inevitável
das demais brincadeiras.
A argumentação
em favor desse viço eterno, a defender da gastura
das coisas, sustenta-se basicamente em torno de procedimentos
de agudeza verbal, isto é, da busca de estabelecimento
de relações significativas entre palavras
com homologias sonoras ou gráficas. O modelo
distante desse procedimento é evidentemente
Lewis Carroll, mas sobretudo no tocante às
explorações dos idiotismos da língua
e dos jogos de palavras, e nunca o Carroll da imaginação
alucinada e maliciosa de Alice, ou do nonsense
de Jabberwocky. Infinitamente mais comportado,
José Paulo Paes aplica um humor suave e comedido
ao exame dos paradoxos da língua, e, em particular,
de seus equívocos, examinados, como em Atenção,
detetive, à imagem de uma investigação
sherlockiana. O “banco”, por exemplo,
revela suas oscilações entre as “finanças”
e o “jardim”; o “dente”, entre
a “boca” e o “alho”; a “manga”,
entre a “árvore frutífera”
e o “colete” etc. Em Patacoada,
a repetição ostensiva da palavra pata
organiza todo o raciocínio, como se a palavra
se aproximasse de uma operação aritmética
e, mesmo no âmbito da poesia, do risco do chatice.
Em Pescaria, a base
da criação é a literalização
de expressões idiomáticas, de modo que
as “minhocas da cabeça” podem dar
margem a uma descansada e reconfortante pescaria.
Letra mágica distende um típico
triplet carrolliano em dois quintetos, de
modo que o encontro aparentemente impossível
entre o “elefante” e o “elegante”
dá-se, afinal, por meio da troca do f
por g. Paraíso, Gato da China
e Respostas apropriam-se de versos populares
(“Se esta rua fosse minha”, “Era
uma vez um gato xadrez” etc.) ou de expressões
feitas ( “Vá plantar batatas”,
“Vá lamber sabão”), literalizando-as,
e dando-lhes empregos educativos ou edificantes, como
os de proteção da natureza. Em Profissões
e Ana e o pernilongo, a graça está
em motivar a relação entre o signo e
o referente (pessoas ou atividades), a contrapelo
da lingüística pós-saussureana.
O livro fecha com Dicionário, que
redefine 23 palavras, cada uma delas iniciada com
uma letra do alfabeto, utilizando-se de todos os procedimentos
explorados anteriormente. Acentua-se entretanto o
cômico de certos gostos e costumes infantis
relacionados ao termo, como “aula”, reinterpretada
como “período de interrupção/
das férias”; “berro”, que
se define como “o som produzido/ pelo martelo
quando bate/ no dedo da gente” etc.
No conjunto, os poemas não
são nunca realmente engraçados, nem
radicalmente nonsense ou provocativos de
qualquer maneira. Têm mais um jeito de distração
suave na iminência mesma de alguma melancolia.
Como se a poesia da criança fosse, de fato,
um respiro de memória amena num inevitável
e cansado adulto.