http://www.comciencia.br/reportagens/2005/12/13.shtml
Autor: Dirce Maria F. Pranzetti, Maria Cecília
Toloza e Beatriz Magon P. de Cerqueira | ||
Construindo um projeto com as crianças Dirce Maria
F. Pranzetti Crianças
que moram nas ruas, freqüentam museus de ciência? Contexto Em 1995, a Estação Ciência da Universidade de São Paulo, situada no bairro da Lapa em São Paulo, já detectava a presença de crianças e jovens, aparentemente moradores de rua, mexendo em experimentos e observando de perto a fala dos monitores. Alguns inclusive, bem conhecidos dos seguranças e monitores, apareciam todos os dias, contavam suas histórias e até intervinham nas explicações que a monitoria dava aos escolares. Esse contexto criou a oportunidade de se procurar compreender o que buscavam no espaço do centro de ciências e em como ampliar esse interesse por aprender. A proposta então foi a de criar um diálogo com esse público a partir da experiência de duas educadoras sociais, convidadas a atuar diretamente com as crianças e jovens, iniciando-se um processo de escuta da real motivação da vinda e permanência. Andando pela Estação Ciência e conversando com as crianças, detectou-se que, para elas, o espaço significava: espaço de proteção – dos perigos e conflitos da rua –, espaço de acolhida – alguns monitores eram considerados amigos que ouviam suas histórias de vida –, espaço de aprendizado e curiosidade – “venho aqui para conhecer as novidades científicas, para mexer em computadores, para levar choque e arrepiar o cabelo, para saber como as coisas funcionam”. As crianças e jovens que conversaram nesses primeiros dias com as educadoras, moravam nas ruas, perambulavam pelas imediações e encontravam-se, em sua maioria, fora do sistema formal de ensino. Construção Uma mesa redonda, lápis de cor, canetas coloridas, papel para desenhar e alguns livros infantis, colocada estrategicamente junto à Plataforma Informática criou um espaço de referência. E eles vinham, contavam para outros e traziam amigos, irmãos de rua, amigos de brincadeiras, aventuras e malandragens nas ruas.
Em 1995, havia apenas três computadores à disposição de todo o público visitante da Estação Ciência. A internet estava dando seus primeiros passos fora do âmbito da universidade. Poucas escolas e apenas as particulares tinham computadores para uso dos alunos. A mesa servia como espaço de conversa e espera pela vez nos computadores. Sempre que chegavam crianças de escola, eles tinham que "dar a vez", e assim iam se formando grupos de crianças que, na espera e, acompanhados pelas educadoras e com apoio de alguns monitores, preenchiam o tempo produzindo lindos desenhos, conversando sobre a vida das ruas, trocando informações sobre os abrigos e lugares para comer, indo à área de física e matemática, voltando com idéias de construir pipa, balão, pedindo para fazer contas ("vamos brincar de escola"), emprestando livros na livraria da lanchonete. Isso foi só o começo. Depois vieram mais computadores, a possibilidade de acesso sem fila de espera com as escolas, o aprendizado com jogos e o uso do computador como espaço de guarda da memória. Sempre que vinham deixavam registrada sua passagem, seu olhar das coisas do mundo da rua, das problemáticas com familiares, o desejo de voltar a estudar e o entendimento das coisas que viam pela Estação. Assim, o Projeto Clicar foi construído tendo como foco a criação de um espaço educativo integrado à proposta da Estação Ciência, atendendo aos interesses dessas crianças e jovens. Incentivando a participação espontânea, não exigindo matrícula prévia e freqüência, privilegiando um atendimento individual realizado por educadores e estudantes universitários e estimulando o acesso a novos conhecimentos de forma lúdica e interativa. Atualmente o Clicar é um programa de ações de educação e cultura digital voltado para a inclusão social de crianças e adolescentes com idades entre 6 e 17 anos que moram ou permanecem a maior parte do dia nas ruas e que freqüentam a Estação Ciência. Tem como princípio o desafio de resgatar o direito à educação e de propor acesso a computadores e internet a um público totalmente excluído dessas possibilidades, oferecendo atividades de arte, leitura e escrita, jogos, teatro, animação digital, fotografia e vídeo digital. Em um espaço especialmente organizado para esse público, contendo computadores, impressoras, webcam, biblioteca, mesas e materiais para jogar, desenhar, pintar, brincar... aprender, estudar, realizar tarefas escolares, ou somente conversar. Já participaram das atividades mais de 2.500 crianças e jovens em situação de risco social e pessoal desde janeiro de 1996. Reconstruindo os caminhos até o centro de ciências Os dados pessoais são obtidos a partir de conversas cotidianas com as crianças e jovens, sem intenção de questionar ou desenvolver uma entrevista formal, e que funcionam como meio de contato inicial para um aprofundamento na relação educador-criança, com o sentido de criar condições de desenvolvimento de atividades educativas dirigidas e significativas. Além dos dados que englobam idade, sexo, escolaridade, situação de moradia, relação com família e parentes, situação de trabalho, busca-se conhecer a origem das crianças e jovens. Origem entendida como local de onde eles vêm, de onde partem para vir à Estação Ciência. Ao analisar anualmente os dados gerais pretende-se, além de descrever o perfil dos participantes do Clicar e, portanto, de um segmento expressivo de visitantes da Estação Ciência, compreender a vinda cotidiana e o retorno constante das crianças e jovens. Além de indicar que há um engajamento das crianças e jovens às atividades ofertadas pelo Clicar, esse levantamento permite justificar novas ações e mesmo contribuir para o planejamento e oferta de atividades voltadas para segmentos populacionais em situações sociais desfavoráveis. Uma das questões que se colocam e surpreendem é que essas crianças vêm de bairros longínquos e de cidades circunvizinhas até o centro de ciências. Na maioria das vezes são crianças em situação social desfavorável, morando em locais sem oferta de atividades culturais e de lazer e que, ao circular pela cidade, buscam, além de elementos que vão contribuir para a sobrevivência (espaços de trabalho, "bicos", mendicância), espaços para brincar, de lazer, só para passar o tempo fora de casa, da escola, para construir amizades, vínculos. Nesse sentido,
o centro de ciências pode estar diretamente relacionado à integração
desse espaço no circuito cotidiano de circulação pela
cidade, criando-se assim uma perspectiva abrangente e significativa quando
se tem como meta desenvolver ações e processos educacionais
de inserção social e de popularização da ciência. O Mapa é elaborado por um grupo de pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, desde 1998 e procura interpretar a cidade de São Paulo utilizando 47 indicadores sociais. Dentre os indicadores encontram-se: distribuição de renda, mortalidade infantil, mortalidade de jovens com idade entre 15 e 24 anos, oferta de serviços públicos como creche e educação infantil, serviços de saúde, água encanada, transporte, escolas. Ao transpormos e incluirmos os dados de origem das crianças e jovens participantes do Clicar e, portanto, freqüentadores assíduos da Estação Ciência, no Mapa de Exclusão/Inclusão Social da cidade de São Paulo, constatamos que a maioria deles advêm das regiões de maior exclusão social, dos distritos mais miseráveis da cidade. Uma hipótese é que o centro de ciências, por sua localização, entrada gratuita (até janeiro de 2005) e oferta de atividades significativas, pode estar inserido no contexto de circulação de crianças e jovens que vêm de distritos da zona Norte e Oeste da cidade, e de cidades circunvizinhas ou que compõem a Grande São Paulo (Carapicuíba, Osasco, Itapevi, Barueri, entre outras). O fato de crianças e jovens atravessarem grandes distâncias, da periferia absoluta da cidade, dos bolsões de miséria até um centro de ciências, cria a oportunidade de potencializar esse espaço para que funcione como uma ponte real entre eqüidade e educação, oportunidade e aprendizado significativos, desejo e concretização de desejos, atenção, respeito e escuta na relação com um público que demonstra ter descoberto o prazer de aprender e de descobrir suas potencialidades pessoais e seu direito à cidadania. Leia também artigo de Ernst Hamburger sobre a Estação Ciência. Dirce Maria F. Pranzetti, Maria Cecília Toloza e Beatriz Magon P. de Cerqueira são pesquisadoras ligadas ao Projeto Clicar. Referências Bibliográficas 1.Huergo, José A. La popularización de la Ciencia y la Tecnología: Interpelaciones desde la comunicación, palestra proferida in Seminario Latinoamericano Estrategias para la Formación de Popularizadores en Ciencia y Tecnología, RED-POP Cono Sur La Plata, maio de 2001 2.Spozati, Aldaíza (coord.) Mapa da exclusão/inclusão social da cidade de São Paulo. São Paulo, Editora da PUC-SP, 1996. 3. Massarani,
L, Castro Moreira, I. de, Brito, F. (org.) Ciência e público
caminhos da divulgação científica no Brasil. Casa da
Ciência, Editora da UFRJ, 2002, 4. Santos, Boaventura de Souza. A construção multicultural da igualdade e da diferença. Palestra proferida no VII Congresso Brasileiro de Sociologia, Rio de Janeiro, 1995 5. Relatório Anual Projeto Clicar/ Estação Ciência USP, São Paulo, 2000/ 2001/2003/2004. 6. Santos, Milton. O espaço do cidadão. Editora Nobel, São Paulo, 1996. 7. Oliveira, Claudia M. A. S. O ambiente urbano e a formação da criança , tese de doutorado a faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, volume 1 e 2, São Paulo, 2002. 8. Cerqueira, Beatriz Magon P. O lúdico e o inesperado para as crianças do Projeto Clicar, trabalho de conclusão de curso (bacharelado em Geografia), FFLCH-USP, São Paulo, dezembro 2003. | ||
| ||
Atualizado em 10/12/2005 | ||
http://www.comciencia.br |