http://www.comciencia.br/reportagens/2005/11/10.shtml
Autor: Adalberto Mantovani Martiniano de Azevedo | ||||||||||||||||||||||||
Regulação ambiental como instrumento de política científica e tecnológica: reflexões sobre o caso de uma refinaria de petróleo Adalberto Mantovani Martiniano de Azevedo A indústria de petróleo, responsável pelo fornecimento de cerca de 40% da energia consumida no Brasil, tem como característica marcante a geração de significativos impactos sobre o ambiente em que realiza suas operações e onde seus produtos são consumidos. Desde a pesquisa de jazidas de petróleo, que pode comprometer ecossistemas marinhos, até o comércio de derivados nos postos, que podem vazar e contaminar solo e aqüíferos, a enorme escala de operação dessa indústria, bem como o maciço consumo de seus produtos, exige atenção constante de instituições responsáveis pelo controle ambiental das atividades econômicas. Entre os segmentos que compõe a indústria de petróleo, o refino é responsável por grande parte da poluição gerada por essa indústria. Os processos utilizados para transformar o petróleo bruto em derivados impactam diretamente a quantidade e a qualidade dos recursos naturais das áreas de influência das refinarias. A qualidade dos derivados produzidos depende também dos tipos de processos utilizados, que são fator determinante para as características das emissões geradas pela queima dos mesmos, destacando-se as emissões de fontes móveis - geradas, em sua maioria, por veículos movidos a gasolina e diesel (que responderam por 50,3% do consumo total de derivados no Brasil em 2003). Pode-se ter uma idéia da magnitude dos impactos dos processos de refino examinando alguns números obtidos em uma pesquisa sobre a Replan (Refinaria de Paulínia), a maior refinaria brasileira. Construída nos anos 70, no âmbito de uma política de desconcentração industrial que entre outros objetivos visava minimizar a poluição industrial na região metropolitana de São Paulo, a refinaria encontra-se hoje em uma área de atenção a problemas de poluição. Seus números impressionam: produz 18 % de toda a gasolina e 22% de todo o diesel consumidos no Brasil; seu faturamento bruto, em 2002, foi de R$ 18, 6 bilhões. Igualmente impressionantes são os números relacionados ao consumo de água da Replan. A refinaria tem licença da Agência Nacional de Águas para captar 1870 m³ de água por hora do rio Jaguari, equivalente a cerca de 6,5% do volume de água distribuída por hora na Região Metropolitana de Campinas (RMC) para o consumo de 2,3 milhões de habitantes. O volume de esgoto (industrial e sanitário) que a Replan está autorizada a lançar por hora no rio Atibaia equivale a 2% do total de esgoto tratado por hora na RMC. O volume de emissões aéreas geradas na refinaria, segundo levantamento realizado em 2005 pela Cetesb (Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo) sobre a contribuição de 41 grandes empresas da RMC na geração de poluentes industriais indica que, do total de poluentes gerados, a Replan foi responsável por 93% das emissões de monóxido de carbono (CO), 96% das emissões de hidrocarbonetos (HCs), 52% dos óxidos de nitrogênio (NOx), 78% dos óxidos de enxofre (SOx) e 28% do material particulado (MP). Além dos impactos locais, os tipos de processos utilizados na refinaria são um dos fatores determinantes do volume de emissões de veículos a diesel e gasolina, especialmente no que diz respeito à capacidade desses processos gerarem combustíveis com menores teores de enxofre. A queima de combustíveis com altos teores de enxofre, além de gerar óxidos de enxofre, prejudica a ação de catalisadores de conversão de gases poluentes em substâncias não-nocivas, instalados nos escapamentos. Cabe aqui colocar que os fabricantes de veículos também têm um papel a cumprir nessa frente, fornecendo motores adequados ao combustível produzido. O quadro abaixo mostra a contribuição das fontes móveis para a poluição do ar na RMC
Esses dois grupos de problemas têm sido alvo de medidas de controle, cujas regras são colocadas na legislação ambiental. Tais regras, como se procurará demonstrar a partir do caso estudado na Replan, têm grande impacto sobre a direção das escolhas técnicas das refinarias. Com relação aos impactos locais, existem diversas regulações que determinam padrões gerais para o consumo de recursos naturais e volumes de emissões, além de regras da Agência Nacional de Petróleo (ANP) específicas para refinarias. Destaca-se aqui as regras de licenciamento ambiental (instituído pela Lei 6.938/81), que prevêem que atividades potencialmente poluidoras (listadas na Resolução Conama nº 001/86) devem se submeter a um processo que inclui levantamentos preliminares de impactos (condição para se obter o licenciamento prévio), estudos sobre os riscos de operação (que possibilitam obter a licença de instalação) e planos de ação em situações de emergência (condição para obter a licença de operação). Antes desses procedimentos são exigidos Estudos de Impactos Ambientais (EIA); concedidas as licenças, são exigidos Relatórios de Impacto Ambiental (Rima). Essas licenças têm um prazo de validade, fixado em função das características do empreendimento: no estado de São Paulo, as licenças das refinarias têm duração de dois anos. O licenciamento ambiental é realizado com base em levantamentos de especificidades técnicas, econômicas e sociais do empreendimento e de suas áreas de influência, conduzido pelos órgãos ambientais competentes, e suas regras são freqüentemente mais rigorosas do que as colocadas pela regulação da atividade industrial em geral. A Lei prevê que o órgão competente pode exigir as melhores técnicas disponíveis, tornando-se assim um instrumento de política que pode ir além do controle de impactos ambientais, ao criar mecanismos de indução à difusão de tecnologias "ambientalmente corretas", com a conseqüente intensificação da produção de conhecimento científico e tecnológico na área. As emissões geradas pelo consumo de derivados em veículos são controladas no âmbito do Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores), elaborado através da colaboração entre instituições atuantes nos setores de combustíveis e veículos. Cabe ao Proconve analisar parâmetros de engenharia do veículo relacionados à emissão de poluentes e definir testes para quantificar as emissões. Os limites de emissões são definidos em resoluções do Conama, a partir das quais a ANP fixa as especificações dos combustíveis comercializados no país. Essas especificações freqüentemente exigem a adoção de modificações significativas nos processos de produção de combustíveis. Vale lembrar que tanto as regras do licenciamento como a fixação das especificações dos combustíveis são elaboradas em fóruns científicos, dos quais participam os diversos agentes interessados e os órgãos oficiais de controle. No caso do licenciamento, o entendimento entre a refinaria e o órgão ambiental é estabelecido nos documentos de licenciamento prévio e em termos de ajustamento de conduta, onde são definidos a qualquer momento pelo órgão ambiental padrões e prazos para a adequação de processos produtivos. No caso do controle de emissões automotivas, os entendimentos entre indústria e órgãos de controle ocorrem em audiências públicas em que é discutida a adequação das tecnologias de motores aos combustíveis, e onde são estabelecidos prazos para a adaptação gradual dos fabricantes aos padrões de emissões determinados por lei. Assim, nos dois casos os padrões são estabelecidos de maneira democrática, em um processo que utiliza audiências públicas como ferramentas de auxílio ao processo decisório, permitindo que agentes econômicos e consumidores encaminhem suas sugestões, identificando de maneira ampla aspectos relevantes do problema tratado e dando publicidade, transparência e legitimidade às ações do órgão público. Além disso, as questões são debatidas por especialistas em termos científicos, envolvendo assim critérios de validação de resultados bastante confiáveis. Na Replan, verificou-se que tanto a regulação dos impactos locais como a regulação relacionada à qualidade dos combustíveis induziu a empresa a adotar tecnologias "ambientais". Por exemplo, a Resolução Conama n° 20/86 estabeleceu a concentração máxima de 5 mg/l de amônia no efluente lançado por indústrias nos rios, o que exigiu adaptações no sistema de tratamento de lodos ativados da Replan, a um custo de R$ 4.800.000,00 e desenvolvidas pela Veolia Water Systems do Brasil. Um termo de ajustamento de conduta firmado entre a Replan e a Cetesb levou à adoção de um terceiro estágio de ciclones (redutores de emissões aéreas) em uma unidade de craqueamento catalítico, desenvolvido pela empresa canadense Marsulex a um custo de R$ 11.500.000,00. Com relação à melhoria da qualidade dos combustíveis, o Proconve induziu um programa de investimentos da Petrobras para a instalação de Unidades de Hidrodessulfurização de Diesel (HDSs), para cujo desenvolvimento foi licenciada tecnologia do Instituto Francês de Petróleo (IFP), empresa junto à qual foi desenvolvido no Cenpes (centro de pesquisas da Petrobras) programa de desenvolvimento de tecnologias adequadas às condições nacionais. Esse programa permitiu a instalação de duas unidades HDS na Replan, uma em 1998 (a um custo de US$ 200 milhões) e outra em 2004 (a um custo de US$ 175 milhões). Os investimentos permitiram à Replan produzir óleos diesel com os teores de enxofre cada vez menores exigidos pela regulação, como o diesel metropolitano e o diesel S500. Atualmente, a perspectiva de redução nos teores tolerados de enxofre na gasolina levou a Petrobras a criar uma carteira de projetos para implantar unidades de HDS de gasolina, atualmente em fase de projeto junto ao IFP. Nas duas frentes de atuação da regulação- impactos locais e emissões automotivas- verificam-se resultados positivos na redução da poluição gerada, principal objetivo dessas políticas e que traz como efeito secundário a difusão de tecnologias "ambientais". Por exemplo, medidas de gerenciamento e reuso de água permitiram, entre 1999 e 2002, uma redução de 350 m³ por hora no efluente gerado pela Replan, equivalente ao consumo de água de uma população de 42.000 habitantes. As emissões de veículos leves novos, em 2005, são em média 94% menores do que as verificadas no início do Proconve, em 1986. Espera-se que as regras fixadas pelo programa para os veículos a diesel permitam que, nas etapas finais, as emissões desses veículos sejam quatro vezes menores do que no início do programa. As reflexões aqui apresentadas, tomando como exemplo o caso de uma indústria extremamente poluidora, passam uma idéia de otimismo tecnológico, baseada na crença de que o desenvolvimento tecnológico, causa de inúmeros problemas ambientais, é também a chave para a resolução desses problemas. A esse otimismo tecnológico, porém, acrescente-se também um otimismo institucional, baseado na crença de que para que a técnica se direcione à preservação do interesse público, são necessários mecanismos de controle socialmente construídos. Acredita-se também que esses mecanismos vêm sendo aperfeiçoados pela utilização da participação democrática e de critérios científicos em sua elaboração, permitindo a criação de mecanismos legítimos de controle das atividades produtivas, que se traduzem na ação de órgãos e na aplicação de leis que têm o poder de induzir as empresas a adotarem técnicas redutoras de problemas ambientais. Esse tipo de regulação torna-se assim um importante instrumento de política científica e tecnológica, direcionando as escolhas técnicas para tecnologias "ambientais", e criando incentivos à produção de conhecimento científico e tecnológico nessa área. | ||||||||||||||||||||||||
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Atualizado em 10/11/2005 | ||||||||||||||||||||||||
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