http://www.comciencia.br/reportagens/2004/10/11.shtml
Data de publicação: 10/10/2004 |
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Ficção científica cyberpunk. O imaginráio da cibercultura. André Lemos O que é Cyberpunk? O termo cyberpunk aparece para designar um movimento literário no gênero da ficção científica, nos Estados Unidos, unindo altas tecnologias e caos urbano, sendo considerado como uma narrativa tipicamente pós-moderna. O termo passou a ser usado também para designar os “ciber-rebeldes”, o underground da informática, com os hackers, crackers, phreakers, cypherpunks, otakus, zippies. Esses seriam os cyberpunks reais. Assim, o termo cyberpunk é, ao mesmo tempo, emblema de uma corrente da ficção-científica e marca dos personagens do submundo da informática. Escrito por jovens autores, o gênero de ficção científica que viria a ser chamado cyberpunk, foi se formando ao longo da primeira metade da década de oitenta em fanzines e outras publicações americanas e européias. O movimento, na época ainda sem um nome, tinha seu ponto focal no fanzine Cheap Truth, de autoria do escritor Bruce Sterling. Lançado em 1982, Cheap truth era um folheto de uma página, distribuído gratuitamente com textos publicados sem copyright. Os textos eram publicados sob pseudônimos, numa tentativa de minimizar o culto à personalidade. A ficção cyberpunk ambienta-se em um futuro próximo, distópico, no qual a tecnologia foi tomada pelas ruas, se desvirtuou da "one best way" e não resolveu nenhum dos problemas sociais que prometia, sendo assim, o contrário da utopia moderna. Para a modernidade, a ciência e a tecnologia seriam os principais fatores de melhoria das condições de existência da humanidade. Não deu certo. O futurismo da tecnocultura moderna transformou-se no presenteísmo da cibercultura pós-moderna. As histórias cyberpunks falavam de indivíduos marginalizados em ambientes culturais de alta tecnologia e caos urbano, daí a origem do nome, colocando em sinergia cyber, de máquinas cibernéticas: tecnologia de computadores, meios de comunicação de massa, implantes neurais, etc., e punk, da atitude “faça você mesmo” do movimento punk inglês da década de 70 do século passado. Freqüentemente estes sistemas tecnológicos se estendiam até os “componentes humanos”, através de implantes mentais, próteses, clonagem, ou com a criação de seres gerados a partir de engenharia genética (replicantes). Esta é a parte cyber da ficção cyberpunk. Todavia, como em qualquer cultura, havia aqueles que viviam como marginais, “on the edge”: criminosos, párias, ativistas, visionários. O foco da narrativa está nesses indivíduos, e em como eles subvertiam o uso as ferramentas tecnológicas criadas pelo “sistema”, para diversos objetivos. Esta é a parte punk da ficção cyberpunk. Os protagonistas das histórias cyberpunks são anti-heróis que transitam com implantes (ciborgues) por espaços físicos e informacionais em um cenário sócio-político em que corporações gigantescas dominam todos os campos da sociedade, substituindo até mesmo os governos nacionais. Os protagonistas cyberpunks se deparam com situações ligadas ao cotidiano das grandes metrópoles atuais, assoladas pelo caos urbano, o crime, a poluição, a degradação das relações sociais. Mesmo sendo distopias, as histórias vão além da relação de dualidade entre a “tecnofilia” e a “tecnofobia” que marcou a ficção científica até então. O cyberpunk é uma ficção, segundo seus autores, reflexo da época contemporânea. Como diz William Gibson, um dos autores mais importantes do “movimento”, o cyberpunk não está preocupado com monstros alienígenas ou conquistas intergalácticas, o que ele faz é uma paródia do presente. Assim, o universo da ficção-científica cyberpunk põe em conjunção o reino da tecnologia de ponta, da racionalidade da hard science, por um lado, e do subterrâneo, do poder ditatorial de mega-coorporações, de inteligências artificiais, de vírus e do caos urbano, por outro. Tudo se parece muito com o que estamos vivendo neste começo de século XXI. O movimento cyberpunk foi saudado por fazer a ponte entre dois outros gêneros de ficção científica: a hard science e a new wave. A hard science fez muito sucesso no início nas décadas de 40 e 50, centrada nas especulações sobre as possibilidades tecnológicas. Entre os nomes mais representativos dessa época, estão: Paul Anderson, Hal Clement e Gregory Benford. Já a new wave é filha do ativismo político dos anos 60 e 70. Os autores mais conhecidos são Norman Spinrad, Harlan Ellison, Michael Moorcocke e Samuel R. Delany, que aborda a questão da alienação em um futuro high-tech. Os temas caros aos autores cyberpunks mostram bem a mistura desses dois gêneros de ficção científica. Da hard science herda-se a tecnologia de ponta: implantes corporais (circuitos, órgãos artificiais, drogas, cirurgia plástica, mudança genética, interface cerebral), inteligência artificial, neuroquímica, mundos virtuais, vírus, nanotecnologia. Da new wave, a atitude da contracultura. Outros autores que influenciaram o movimento cyberpunk foram William Burroughs e Thomas Pynchon. Apesar de não escreverem ficção científica, eles capturaram o espírito da época marcada pela trilogia sexo, drogas e rock'n roll. Através da sátira, do humor negro, e do que americanos chamam de streetwise - uma inteligência que se aprende na rua e não na escola – criticavam, com insolência, o american way of live, e influenciaram o nascimento da contracultura dos anos 60. A palavra cyberpunk começou a ser usada para a literatura do "movimento" quando Gardner Dozois, editor da Isaac Asimov's Science Fiction Magazine, cunhou o termo em 1983, a partir de uma história homônima escrita por Bruce Bethke. Gardner Dozois referia-se a um grupo de escritores americanos como Bruce Sterling, Rudi Rucker, Lewis Shiner, John Shirley, Pat Cadigan e William Gibson, cuja produção literária tinha uma série de características em comum, como vimos acima. Em 1984, William Gibson publicou Neuromancer e Gardner Dozois escreveu um ensaio no The Washington Post, no qual ele classificou Gibson, Shirley, Sterling, Shiner, entre outros, com o termo cyberpunk. Uma das primeiras narrativas a reunir algumas dessas características desse movimento, porém, foi o livro True names, de Vernor Vinge, publicado em 1981. Do grupo, aquele que ficou mais conhecido foi William Gibson, em cuja obra Neuromancer, de 1984, aparece pela primeira vez o termo ciberespaço (cyberspace). O livro ganhou os prêmios mais importantes para a produção literária de ficção científica: o Hugo, o Nebula e o Philip K. Dick. O estilo de Willian Gibson foi influenciado também pelo romance policial noir de Raymond Chandler e Dashiell Hammett. Na ficção cyberpunk de Gibson, o mundo asséptico e sob controle da ficção científica convencional entra em um cenário mundano, de caos urbano típico das grande metrópoles contemporâneas. Em Neuromancer, Case, o protagonista, é alguém coagido pelo sistema de mega-corporações. Ele, ao lado de Molly, é contratado por um misterioso patrão que oferece, em troca do serviço de invasão a sistemas de computadores, soluções para o seu problema de micro-toxinas implantadas no seu corpo e que irão matá-lo em pouco tempo. Case é assim um “cowboy do ciberespaço”, como o descreve Gibson. O fim do movimento literário cyberpunk Uma das críticas que se faz ao movimento cyberpunk é de que os autores não fizeram mais do que reprocessar uma série de tendências que já estavam disseminadas pela cultura da época. Dessa forma, é comum que a literatura cyberpunk utilize recursos estilísticos herdados do cinema (o que a literatura pós-moderna de uma maneira geral faz), com uma velocidade narrativa que segue a estética de vídeo clipes da MTV e dos comerciais de TV. O cyberpunk é um fenômeno típico do universo midiático dos anos 80. No final dos anos 80, a mídia anunciou o fim do cyberpunk. Arthur e Marilouise Kroker, escreveram em Hacking the future que o cyberpunk terminou com a realização do filme Johnny Mnemonic (1995). Tom Maddox, por outro lado, no seu texto Cyberpunk in the 80’s and 90’s, considera que o movimento/estilo assumiu formas novas, diferenciadas, que ele se impregnou na cultura e que, por isso, não poderia ser mais facilmente identificado. A fragmentação causaria, assim, uma falta de identidade clara ao gênero, o que pode ser considerado o fim do movimento. O ciberespaço, principal local de tensão das histórias cyberpunks, deixou de ser uma entidade abstrata, ficcional, para estar hoje em todas as áreas da vida cotidiana: “that´s right: cyberspace killed cyberpunk”, afirma Maddox. É nesse sentido que no artigo “Is cyberpunk still breathing?”, uma resenha de dois lançamentos ocorridos em 1998, Andrew Leonard mostra que o cyberpunk não tem mais impacto: “(...) as a genre, cyberpunk is washed up, as outmoded as a 1980s hard drive”. O mundo real se tornou o mundo imaginário em muito pouco tempo. Morta ou não, a literatura cyberpunk se tornou um fenômeno de sociedade. O assunto gerou reportagens em diversas publicações, desde as não especializadas como The Wall Street Journal, Times, até revistas como a Mondo 2000 e Wired, passando pela MTV. Morta ou não, a ficção cyberpunk viu em perspectiva o século XXI. A trilogia cinematográfica Matrix, baseada na obra de Gibson, mostra a atualidade do movimento. Em pleno desenvolvimento da cibercultura em nível mundial, a distopia dos autores cyberpunks parece estar se tornando uma realidade nesse século XXI. Internet, ciberespaço, vírus, hacking, mega-coorporações, vigilância, tribos de ciber-rebeldes e ativistas; todos os elementos da ficção científica cyberpunk estão entre nós. Cabe ao leitor escolher entre a pílula azul ou a vermelha. André Lemos é professor do programa de pós-graduação da Facom/UFBA, autor dos livros Cibercultura (Sulina, 2002), Olhares sobre a cibercultura (Sulina, 2003), cibercidades (e-papers, 2004), entre outros. É diretor do Centro Internacional de Estudos e Pesquisa em Cibercultura do Programa de Pós-Graduação da Facom/UFBA. Atual presidente da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, Compós. 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Atualizado em 10/10/2004 |
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