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http://www.comciencia.br/reportagens/2004/09/12.shtml

Data de publicação: 10/09/2004

O lugar da polêmica e da reflexão

Wrana Maria Panizzi

A experiência da instituição universitária é muito recente no Brasil. Alguns críticos de nossas universidades, que gostam de compará-las com as européias e mais ainda com as norte-americanas, parecem não lembrar desse fato – e esquecem também que a educação jamais foi prioridade para nossas elites econômicas e políticas. A Universidade de Harvard foi criada em 1636. As mais antigas universidades brasileiras não têm um século de existência. Em 1918, quando os estudantes argentinos de Córdoba dirigiam-se “aos homens livres da América” reivindicando a reforma de uma instituição que consideravam oligárquica e monástica, o Brasil ainda não dispunha de universidades. Pior ainda, por aqueles anos, sete entre cada dez brasileiros eram analfabetos.

Nos anos 1960, salvo raras e bravas exceções, as universidades brasileiras ainda eram uma reunião de faculdades e cursos pouco ou nada preocupadas com a pesquisa. Somente nos anos 1970 este quadro começa a modificar-se. O trabalho docente em tempo integral é estimulado, cria-se um sólido sistema de pós-graduação, formam-se doutores no Brasil e no exterior. Hoje, as melhores universidades brasileiras formam profissionais que dialogam de igual para igual com profissionais diplomados pelas melhores universidades do planeta, o que não é pouca coisa. Isto em parte aconteceu porque o modelo implementado nos anos 1970 assentou-se sobre a universidade pública. Aliás, mesmo discordando de seus fundamentos, parece-me evidente que a modernização promovida pelos militares buscou fazer das universidades federais o vetor de um projeto de desenvolvimento científico. Pois este modelo foi “flexibilizado” nos anos 1980 e deixou de liderar a expansão da educação superior brasileira. Surgem então “universidades” que, além de não realizar a associação entre ensino e pesquisa, nem sequer projetam tal possibilidade. Tais organizações nasceram para “treinar” e não para formar profissionais e cidadãos. Efêmeras demandas do mercado começam a ocupar o lugar da absolutamente necessária formação para o duradouro – diplomas obtidos ontem, muitas vezes às custas de enormes sacrifícios financeiros, amanhã já não servem para nada.

Nesse contexto, a experiência das universidades públicas brasileiras, apesar dos problemas que vivem, está longe de testemunhar um fracasso. Persiste o problema do financiamento, mas isto tem a ver com uma “crise” das universidades ou do Estado brasileiro? O cotidiano de nossas universidades públicas de fato é marcado pela existência de muitos problemas. Os salários estão desvalorizados. A reposição de nossos recursos humanos, diminuídos por força das aposentadorias e dos pedidos de demissão, é lenta ou mesmo inexistente. Nossos recursos para manutenção e investimento têm diminuído de maneira constante. Pois bem, mesmo vivendo essas dificuldades, as instituições federais de ensino superior têm tido um bom desempenho no que se refere à qualidade de ensino e à produtividade em pesquisa, como revelam as avaliações realizadas. Nos últimos anos, as universidades públicas fizeram muito mais do que resistir e cresceram em todas as direções: número de alunos em seus cursos de graduação diurnos e principalmente noturnos, número de diplomas de mestrado e doutorado, etc. E fizeram isso sem abrir mão da qualidade – ao contrário, qualificaram ainda mais seus quadros docentes.

Enfrentar conflitos, lidar com dificuldades financeiras, buscar ser “contemporânea de seu tempo”, isto tudo faz parte da rotina das universidades públicas brasileiras. Os problemas vividos por nossa educação pública superior precisam evidentemente ser solucionados, mas não creio que se situem no centro da crise que de fato nos ameaça. Tais problemas, apenas em parte têm origem em nossas instituições: eles têm muito mais a ver, como disse antes, com a crise do Estado brasileiro – com sua crise fiscal permanente, com a falta de políticas públicas de longo prazo, com a visão equivocada de que a educação representa um gasto e não um investimento. Penso que a crise que nos alcança é de outra natureza: trata-se do enfraquecimento do projeto, sempre inacabado, de construção da própria instituição universitária. Não evoco aqui uma abstração, embora com certeza aponte para uma utopia – para a construção de algo que ganha sentido pelo caminho que descortina e não pelo lugar que porventura alcança. A instituição universitária foi e continua sendo o motor dos sistemas nacionais de educação superior e, no Brasil, isto não é diferente. Contudo, se esta instituição deixa de ser o lugar da polêmica e da reflexão dos projetos nacionais, ela perde importância e significado social, por mais qualificados que sejam os profissionais por ela diplomados. Creio que aí reside nossa verdadeira crise. A anunciada reforma universitária sem dúvida deve dar conta de nossos problemas rotineiros – e como eles são importantes! Porém, ela parece-me plenamente dispensável se o seu propósito não estiver a altura da crise que de fato nos ameaça.

Wrana Maria Panizzi é reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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Atualizado em 10/09/2004

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